Uma tormenta ondulante e barulhenta, adornada por um frio hediondo e coberto de ventos malignos carregados de salinidade corrosiva e mortal.
Esse era o mar para, Davi. Ou, talvez, apenas o que ele tinha se tornado para si durante aquelas intermináveis horas atado n'As Espinhas-do-Mar, a mercê de toda e qualquer revelia do mar e sua constante braveza.
A madrugada nunca tinha durado tanto assim para o Freitas como essa durou. Os ventos marítimos cortavam o seu rosto com a força de suas rajadas, deixando muitas pequenas feridas na face serena e desprovida de emoções com que Davi encontrava-se assim que ergueu o olhar baço e fragilizado, no exato momento em que a alva estava irradiando no filamento longínquo, formando uma silhueta disforme e característica, e quase invisível em meio as ondas, da grande Ilha de Minguar Maior no Leste. A radiância do sol era como à de chamas mordazes atrás de uma cortina rosê em degradê com azul.
A sua garganta estava completamente rouca e seca devido aos gritos que dava todas às vezes que recebia a pancada de alguma onda poderosa contra o seu torso ferido. E os grilhões já estavam começando a abrir feridas nos seus pulsos e pernas pelo seu peso. Seu corpo estava encharcado e revestido por sal e areia irritante, desidratando-o ainda mais, e enquanto isso, sempre um novo e impiedoso ataque vinha das ondas do mar, sempre o levando contra aquele rochedo e o machucando com as pancadas. A dor no começo era tão alucinante que fazia com que Davi desmaiasse quase que toda vez. Já agora, mesmo com os múltiplos hematomas e ferimentos adornando as costas do, Freitas, ele já não mais desmaiava, e mesmo desejando a morte rápido do que aquilo por mais minutos sequer, de sua boca nada mais saia, principalmente gritos ou lamúrias de dor.
Davi não estava no inferno, mas em seus pensamentos distorcidos ele desejava morrer e ir para lá... Quem sabe assim poderia descansar um pouco mais do que aqui? Talvez o fogo ardente da danação eterna fosse menos penoso que aquele vento mordaz e aquelas ondas gélidas.
Só talvez...
O sol irradiou calor e ternura repentina, rompendo o véu de pavor da fria madrugada, trazendo novas forças e novo ânimo para um ser tão alquebrado. Seria isso uma recompensa por aguentar a madrugada n'As Espinhas-Do-Mar? Isso o Freitas não tinha como saber, ou talvez só não quisesse pensar sobre, principalmente nas condições em que estava.
E a manhã passou-se mais suavemente que a noite, e, apesar do escaldante sol das dez até o meio-dia, Davi não se sentiu tão incomodado quanto antes, seja pelas ondas que o molhavam constantemente ou talvez devesse isso aos delírios que a salinidade, a insolação, a fome, e, acima de tudo, a desidratação estava lhe causando. De fato, o dia seguiu-se mormente, talvez carregado de pavor e horror dos gritos débeis dos poucos sobreviventes aprisionados, assim como ele mesmo naquelas pedras. Gritos roucos de miseráveis malditos, largados à própria sorte, entregues nas mãos das bestas do mar e as aves carniceiras dos céus salgados daquelas ilhas. Davi chegou à conclusão de que, com o passar do tempo, a fome já estava parecendo diminuta naquelas condições. Talvez até a sede demoníaca que estava sentido fosse ser deixada ao leu quando as outras mazelas e feridas de seu corpo doessem tanto ao ponto de sobrepujá-las.
A sua direita estava uma jovem mulher, braços e pés atados por aqueles grilhões de metal duro e enferrujado, carcomido pela maresia e desgastado pelo tempo. Ela, assim como si próprio, estava suspensa meio metro da rocha molhada que servia de chão, e as suas vestes tinham se tornado trapos imundos e sebosos, colados em cada centímetro de sua pele hedionda e queimada do sol e do frio. As suas tranças cobriam o que conseguiam dos seios expostas dela, rasgados e cortados pelas pancadas contra o rochedo, e, além disso, estava o sangue. Sangue tão destacado quanto derramar vinho em um rolo de seda branca. O rosto dela pendia para baixo, amassado e inchado, coberto de hematomas graves e marcas bem visíveis de múltiplos tons de roxo.
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Sempre Vale a Pena Viver.
FanfictionNas Ilhas de Kartallynn, o jovem Davi Freitas é copeiro do Lorde do reino, e após ser exilado pelos crimes de afronta, vai acabar se encontrando com uma estranha Entidade que lhe ajudará, e acima de tudo, dará um sentido a vida de Davi através do am...