Cidade Das Conchas, Ertír.

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Davi suspirou, olhando a bruma marítima e a espuma do mar se misturar aos sargaços no vai e vem das águas da praia em que estava. Como aquele lugar era belo e calmo.


— Ertír... — Fez o nome dançar sobre sua língua, como costumava fazer com uma boa cerveja, e percebeu que até a palavra soava bela.


Estava na pequena cidade portuária de Ertír há menos de um dia, e já conseguia sentir as mudanças que o afastamento de uma grande cidade como Stelertír lhe causava. Todo o barulho do grande mercado de peixes, com suas inúmeras bancadas com comerciantes vendendo os mais diversos tipos de temperos, deixando cheiros doces e picantes, fortes e fracos, ardentes e instigantes invadirem de uma só vez as narinas de quem passasse a uns cem metros da bancada mais próxima do mercado. Ele também notara a ausência de pessoas indo e vindo a todo o momento, coisa que não ocorria em Ertír onde só se via algumas poucas pessoas indo pescar, buscar mercadoras no cais ou fazendo seus simplórios afazeres em uma cidade pequena.


"Eu seria feliz vivendo aqui." Pensara Davi, sentindo-se triste por saber que isso nunca ocorreria. Era um prisioneiro, e apenas um prisioneiro.


Estava agora no cais, em cima do Grande Píer, onde apenas tinham umas vinte embarcações, sendo três naus de pesca, dois baleeiros, cinco grandes galés, duas barcaças, duas jangadas sujas e umas seis canoas que não comportavam mais que dois homens. Se comparado com as mais de trezentas embarcações carregadas de peixes e especiarias que iam e vinham todos os dias do Porto Perola, em Stelertír. O que mais surpreendia o Freitas era que a ilha Eclipse, onde ficava Stelertír e o Palácio da Deusa, fortaleza do Lorde Slavh, não ficavam nem a quinze horas de barco daqui, e mesmo o fluxo de movimento de pessoas e comércio aqui na ilha de Minguar Menor eram tão insignificantes.


Davi foi puxado pelas grosseiras mãos ásperas e calejadas de Algaríon, o mais novo dos dois guardas que o Capitão Laxos tinha encarregado de levar o jovem Freitas de Stelertír até Liber-Trúz-Alg, lá em Minguar Maior, a maior ilha das que compunham as Ilhas de Kartallinn. Algaríon não aparentava ter mais de dezenove anos, alto, magricela, com inúmeras marcas de espinhas no rosto fino, enquanto as cicatrizes de sarampo e catapora cobriam sua pele, mas ainda assim era um jovem belo, com olhos escuros e cabelos tão negros como o carvão.


"Eu poderia ter sido amigo dele em outras circunstâncias."


— Vamos logo com isso, copeiro! Quero deixar logo essa pocilga de cracas e caranguejos e voltar para a minha casa logo. Não suporto essa manzanza toda.


Esbravejava Algaríon, comprimindo os lábios para uma gorda mulher que andava na contramão. Ela pendia de um lado para o outro, como se não conseguisse se equilibrar perante as inúmeras dobras de banha. Com os cabelos desgrenhados e sujos formando um ninho de pássaros no topo daquela cabeça gorda e oleosa, ela passou por eles olhando sugestivamente para o jovem guarda, que fez sinais de enjoo e nojo assim que a mulher não podia mais o ver.


— Por Ziggyn, até as mulheres aqui são um monte de lixo completo. Saudades das belas mulheres da Rua da Ostra, cobertas de perfumes e unguentos, usando finas cedas transparentes, mostrando as tetas e a flor entre suas cochas.


— Nem me fale, cabeça de alga. — Concordou Abellar, o guarda mais velho, cuja aparência era a de um homem adulto e bem-apessoado, com olhos na cor turquesa e cabelos num tom de prata lustroso. Era alto e galante, com um sorriso branco e dentes alinhados, e tinha uma língua mais afiada que o fio de uma adaga recém-amolada. — Ontem fui ao único bordel que tem nessa fossa, e lá só tinha putas velhas e feias como a peste!

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⏰ Última atualização: Nov 06 ⏰

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