Ferias

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Após quinze dias no hospital, finalmente pude voltar para casa. A sensação de estar de volta ao meu quarto, cercada pelas coisas familiares, era confortante, mas a verdade é que tudo parecia diferente. As memórias e as dores das últimas semanas ainda estavam muito presentes, como uma sombra que me acompanhava, mas eu estava decidida a seguir em frente e me recuperar.

Eduardo vinha me visitar sempre que podia. Ele passava em casa após o plantão no batalhão, e eu esperava ansiosa pelos momentos em que ele aparecia na porta do meu quarto com um sorriso caloroso e um pote de sorvete para nós dividirmos. Giovanna também o acompanhava, e isso foi uma surpresa para minha mãe, que ainda estava absorvendo toda a história do relacionamento. Ver Giovanna e Eduardo juntos parecia a peça final de um quebra-cabeça que eu estava tentando montar para ela entender.

— Então... Giovanna é sua filha, Eduardo? — perguntou minha mãe, olhando para eles dois e, em seguida, para mim.

Eduardo assentiu, lançando-me um olhar carinhoso.

— Sim, Suzana. E estamos todos tentando fazer as coisas funcionarem. Sei que foi um choque para todos nós, mas eu e Soraia estamos tentando lidar com tudo juntos — ele disse, a voz tranquila, mas com aquele tom firme que sempre me passava segurança.

Ela suspirou, assentindo em silêncio. Minha mãe parecia aliviada ao ver que Giovanna estava ao lado de Eduardo e, de certa forma, ao meu lado também. Sabíamos que a confiança dela em mim e em Eduardo seria algo construído aos poucos.

Depois de conversarmos todos juntos na sala, Eduardo me acompanhou ao quarto. Ele carregava uma sacola com sorvete de chocolate, dizendo que "ajudava na recuperação". Rimos juntos enquanto ele pegava duas colheres e sentava-se ao meu lado na cama, pronto para compartilharmos aquela pequena indulgência.

— Como você está se sentindo hoje, minha guerreira? — perguntou ele, com um sorriso suave, enquanto me entregava uma colher.

— Um pouco melhor... eu diria que 90% por causa do sorvete, e 10% pelo descanso — brinquei, rindo enquanto dava uma colherada generosa. — Mas, falando sério, é bom estar em casa, e eu não sei o que teria feito sem você.

Ele me olhou, e em seus olhos vi um misto de carinho e determinação que me trazia paz.

— Eu também não sei o que faria sem você, Soso — disse ele, me observando com um sorriso.

Estávamos rindo e dividindo o sorvete quando o celular de Eduardo apitou. Ele olhou para a tela, e vi sua expressão mudar ao ler a mensagem. Franziu o cenho e me olhou com um olhar sério.

— É o Mathias. Ele disse que encontraram mais uma prova contra aquele desgraçado — murmurou, já se levantando e pegando sua jaqueta. — Acho que estamos no caminho certo.

Eu assenti, entendendo a urgência, e ele me deu um beijo rápido na testa antes de sair quase correndo.

— Eu volto assim que puder, Soso. Fica bem e descansa, está bem? — disse ele, com uma expressão intensa e determinada, e então saiu do quarto com passos rápidos.

Fiquei ali, sozinha, pensando em como Eduardo estava investido em me proteger, em cuidar para que nada mais nos ameaçasse. Logo em seguida, Luiza apareceu no quarto. Ao me ver, sorriu, mas ainda trazia no rosto uma expressão de tristeza que eu conhecia bem. Ela ainda não havia superado totalmente o choque de descobrir que Guilherme havia sido o responsável por tanto sofrimento.

— Ei, Soso — disse ela, se aproximando e sentando-se ao meu lado. — Como você está?

Respirei fundo e me permiti um sorriso pequeno, apesar de tudo.

— Estou melhor, Luiza. Só tentando assimilar tudo o que aconteceu. E, bem... eu nunca cheguei a contar para você, mas tinha descoberto sobre a gravidez há pouco tempo. Ainda estava tentando processar tudo quando... quando isso aconteceu — disse, minha voz falhando um pouco.

Luiza suspirou, colocando a mão sobre a minha e apertando com carinho.

— Soso, eu ainda não consigo acreditar que o Guilherme era... era aquele tipo de pessoa. Não imaginava que ele era um monstro. Ele enganou a todos nós, especialmente você, e isso é algo que ninguém deveria passar.

Assenti, compreendendo a dor e a decepção que ela também sentia. Sabíamos que o tempo ajudaria a superar tudo isso, mas ainda era difícil lidar com a realidade.

— É, Luiza... ainda é difícil de aceitar. Mas eu vou ficar bem — murmurei, tentando manter a força.

Ela me puxou para um abraço apertado, e pude sentir o apoio que ela me dava, o que me confortou de uma maneira que poucas coisas poderiam naquele momento. Quando Luiza saiu, senti um pouco de paz, apesar de tudo.

Logo depois, Fredrik entrou no quarto, com um sorriso caloroso e uma energia reconfortante. Ele se sentou ao meu lado, e eu podia ver o quanto estava preocupado.

— Soso, queria te dizer que... estou aqui, sabe? Qualquer coisa que precisar, eu e sua mãe estamos do seu lado — ele disse, segurando minha mão e olhando nos meus olhos com sinceridade.

Eu sorri, sentindo um peso se dissolver no peito.

— Obrigada, Fredrik. Isso significa muito para mim — respondi, emocionada.

Ele sorriu e me deu um leve empurrãozinho de brincadeira no ombro.

— E quer saber? Quando você estiver totalmente recuperada, vamos fazer uma viagem para tirar essas preocupações da sua cabeça. Já pensou nisso? Um lugar bonito, relaxante... vai ser ótimo — sugeriu ele, com um brilho no olhar.

Rimos juntos enquanto falávamos sobre possíveis destinos. Debatemos entre praias, montanhas, até cidades históricas, e a leveza da conversa me fez sentir um pouco mais como antes. Decidimos que, nas férias da faculdade, eu iria viajar com ele e minha mãe. Seria uma chance de escapar um pouco do caos dos últimos meses.

Após ele sair, decidi que precisava focar em alguma coisa que me tirasse dos pensamentos sombrios. Peguei meu material de estudo e comecei a revisar Direito Tributário. A matéria é complexa, e eu já havia perdido algumas aulas, então tinha muito a recuperar. Direito Tributário trata das normas que regulam a tributação e a arrecadação de impostos, taxas e contribuições. É uma área vasta e fundamental, porque envolve o financiamento do Estado e a forma como os recursos públicos são administrados.

Era impressionante como cada detalhe era importante: desde a classificação dos impostos, passando pelos tributos diretos e indiretos, até as obrigações dos contribuintes. Direito Tributário, em sua essência, é quase como uma dança entre o que o Estado pode exigir e o que o cidadão deve ou não pagar. Essa matéria exige um raciocínio lógico, e estudar aquilo me fez voltar a me concentrar em algo concreto.

A sensação de normalidade ao estudar me trouxe uma paz momentânea. Apesar da complexidade, Direito Tributário envolvia uma lógica que me ajudava a abstrair dos problemas. Passei alguns minutos revisando meus resumos e fazendo anotações, e, aos poucos, senti minha mente se acalmando, como se estivesse voltando ao meu próprio ritmo.

Embora tudo ainda estivesse confuso e doloroso, aos poucos eu começava a me lembrar de quem eu era antes de tudo isso.


Corações em CombateOnde histórias criam vida. Descubra agora