Capítulo 3 - Realização

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28/03/2024, 08:26.

    Bom dia, Nacht! 

    Confesso que estou animado e sei que você também está para o final dessa história, então já vou te contar como tudo isso terminou. 

    Eu sabia que depois daquilo tinha que fazer algo primeiro, que era pedir desculpas para a minha mãe. Por que, exatamente? Por todos esses anos que eu não fiz nada e me vitimizar por ela me tratar “mal”. Entendi que ela realmente não me tratava mal, mas sim que estava dando alertas como “ei, faça alguma coisa!”

    — Mãe, posso falar um pouco com você? 

    — O que foi? — Seu tom de voz, como sempre, é direto e frio. Ela estava lavando a louça, usando seu avental preto. 

    Disse a ela para pausar o que estava fazendo e assim ela fez, desligou a torneira e prestou atenção em mim, com seus braços cruzados e um pano em uma mão

    — Diga.
    — Eu.. quero pedir desculpas. 

    Ela estava quieta, sei que queria que eu continuasse a falar, já que não era um simples pedido de desculpas. 

    — Desculpa por ter dado a entender que eu quero me matar.. — Eu não conseguia olhar nos seus olhos, estava com a cabeça baixa. — Por não fazer nada pra te ajudar em casa, por não conseguir ser sociável, por não conseguir ser feliz para que você não possa se preocupar junto com a Nicole. Desculpa. 

    A cada “por” que eu dizia, as lágrimas dos meus olhos se intensificavam, transformando-se assim em choro e uma voz falha. Estava com medo da reação da minha mãe, do seu jeito rude. Mas aquela foi a primeira vez depois de muito tempo que eu senti um abraço dela. Seus braços envolta do meu ombro era uma sensação que eu podia me lembrar de quando eu era apenas uma criancinha, onde eu não me perguntava de como os seres humanos agiam ou como a minha mãe agia. Eu finalmente pude me sentir calmo. 

    O abraço continuava e ela ainda não dizia nada. Eu entendia. Pra ela também era difícil de mostrar os sentimentos, mas quando ela disse “obrigado” com sua voz também falha, meus olhos não aguentaram, e assim, nossos choros simultâneos predominaram em toda a cozinha. Eu sabia que minha irmã também chorava no seu quarto. Aquele momento. Aquele dia. Nunca vou esquecer. 

    — É claro que eu te desculpo. 

    E sim, eu consegui ajudá-la a fazer todas as coisas que pudesse fazer para manter a casa limpa. Claro, houve algumas dificuldades em minha parte, eu não sabia de nada. O que esperar de um adolescente que não sabia como viver, né? Mas esse ponto foi essencial para a próxima etapa. Era sábado e eu acordava bem cedo. Estava com vontade de ir ao banheiro e voltei para a cama sem sono. Meus pensamentos nessa parte do meu dia era sobre como o dia anterior foi. Nunca imaginava desabafar com a minha mãe, e eu notei que eu fui capaz de fazer isso. Eu fui capaz de fazer algo que eu por muito tempo acreditava não ser capaz. Que sonho para aquele menino destruído! Foi aí que quando eu dormi e acordei de novo, prometi a mim mesmo que ia melhorar. Eu ia entender os seres humanos, até porque, eu sou um humano, o que me impedia de entender minha própria espécie? 

    Por algum motivo, acreditava que se eu fosse produtivo a maior parte do dia, iria entender o que esse mundo tem a me propor. Que pensamento mais errado! Eu não entendi, óbvio. Mas depois isso me ajudou a entender. E você, Nacht, daqui a pouco vai compreender como isso aconteceu. Eu lembro que tentei fazer tudo ao máximo. Ler livros, me exercitar, meditar, não ficar no celular, estudar. Meu Deus! Como que eu pensava que aquilo me ajudaria a entender tudo? É óbvio que não deu certo, eu nunca tinha lido um livro na minha vida, poucas vezes estudei, era sedentário, nem sabia como meditar — acreditava que teria que imitar aqueles monges que sempre apareciam nos filmes — e ainda mais, eu era viciado no celular. Estabelecer uma rotina dessas com coisas que eu não tinha nenhum conhecimento era a base para me lamentar de tudo! 

    E realmente foi, eu comecei a duvidar de mim mesmo. Como eu consegui ter a confiança da minha irmã? Como consegui me desculpar com a minha mãe? Eu não entendia essas partes, como tudo isso era possível?! Passei todo o meu sábado tentando encontrar respostas, e é claro que eu não as encontrei. Lembro que a frustração tomava conta do meu corpo naquele dia, além de não entender ninguém, não entendia nem a mim mesmo, que tragédia! E digo mais, estava na minha cara esse tempo todo! Todas as respostas estavam debaixo do meu nariz, não acredito que passei um sábado inteiro sem saber encontrá-las. 

    Bom, errei, me desculpe. Não posso julgar o meu passado assim, eu estava no início de tudo ainda. 

    Aí está a resposta! Como eu podia exercer uma rotina totalmente impossível pra mim, se eu estava no feto do meu desenvolvimento pessoal? A pergunta que valia um milhão de dólares foi respondida, e eu consegui ganhar o dinheiro! 

    O pensamento da clareza de perceber que eu estava no início foi igual a quando acontece nos desenhos animados onde um personagem tem uma idéia incrível e uma lâmpada aparece em cima da sua cabeça. Com essa lâmpada, eu pude acender uma luz que respondia as duas outras perguntas: Como eu consegui a confiança da minha irmã e como consegui pedir desculpas para a minha mãe? Ora, houve momentos antes disso que me fizeram alcançar esse feito! Nacht, eu não iria conseguir pedir desculpas para a minha mãe se antes eu não tivesse falado com a minha irmã. E eu não conseguiria ter a confiança da minha irmã se eu não fosse sempre gentil com ela. Isso é óbvio, né? É algo gradual. Há sempre um início. Eu não tinha como ter a confiança da minha irmã simplesmente por sermos irmãos, quantas famílias por aí não têm uma relação saudável entre irmãos? Então, Nacht, aí está toda a resposta. Tudo tem que ser construído em etapas, até mesmo ter a confiança de alguém ou um pedido de desculpas. Se eu quero ser alguém, preciso saber como ser esse alguém gradualmente. Sim, esse foi o principal pensamento que me fez ser alguém orgulhoso das minhas ações. Não vou contar o que eu fiz especificamente e nem darei dicas de como fazer isso. Isso não é um livro de autoajuda, é um diário. 

    Lembra quando eu te falei que ser produtivo ia me ajudar a entender os humanos? Pois bem, o que me ajudou de verdade foi entender que sou capaz de ser produtivo. A capacidade de exercer atividades leves que me fazem estar orgulhoso reforçou ainda mais o argumento de que tudo precisa ser gradual. Já que eu consegui ter a capacidade de ser gradualmente produtivo no dia a dia, o que me impede de entender a minha própria espécie? Foi nesse pensamento que eu entendi que, sim, é possível eu não ser desconectado. E também, se eu não conseguir, quem se importa? Percebo que eu me comparei muito em relação com os outros, com os seus pensamentos e como eles agem, acreditava que eu seria desqualificado como ser humano a qualquer momento, o que não aconteceu. Todo mundo tem o seu próprio mundo, suas esquisitices, seu modo de pensar. Então, Nacht, tudo o que eu fiz foi parar de me preocupar em ser desconectado. Não sei se até hoje eu sou. A vida é um absurdo, e não tem razão nenhuma para eu tentar entender o porquê as pessoas agem diferente de mim ou vice-versa. 

    Espero que você tenha entendido como funciona a minha pessoa agora, Nacht. Esse é só o início, eu precisava me apresentar pra você e te fazer entender a minha história, por isso eu te digo, é um prazer conhecê-lo! 

Como Eu EraOnde histórias criam vida. Descubra agora