Capítulo 1 - Meu Passado

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26/03/2024, 21:34.

Querido diário,

É um prazer conhecê-lo e dar vida a você. Já faz um tempo que eu queria fazer um diário e só agora tive a coragem de pegar um lápis e escrever um. Inclusive, agora me lembrei de uma época da minha vida que acredito que me tornou quem sou hoje. Não, não acredito, sei que me tornou quem sou hoje. Então isso vai ser importante para eu me apresentar, foi o momento da minha vida em que eu passei a mudar como pessoa.

Meu nome é Lucas Rodrigues, tenho dezessete anos e quero lhe mostrar minha vivência e como o mundo adulto me parece agora, já que estou bem perto dele. Porém, como eu disse, primeiro vou contar-lhe sobre o meu passado, já que ele é responsável por mudar tudo o que vivo e o que eu penso hoje.

Há um ano atrás, minha visão de mundo era totalmente diferente de atualmente. Eu não era nada responsável e meus dias sempre foram compostos por simplesmente se deitar na cama e usar o celular nas horas restantes do dia. É irônico pensar que alguém que era assim se tornou uma pessoa disciplinada agora. Bem, talvez não seja... Não é como se as pessoas mentalmente fortes hoje não fossem fracassadas no passado. Te contei meus hábitos, agora vou te falar qual era a minha forma de pensar. Sempre foi difícil de dizer isso pra alguém, e até hoje é difícil colocar em palavras, mas enfim, se eu pudesse resumir em um termo o que me acontecia naquela época, seria o seguinte: desconexão.

Todas as minhas interações com as pessoas, sejam elas virtuais ou presenciais, pareciam estar faltando algo, algo que precisava estar ali. Comecei genuinamente a achar que eu era o responsável das conversas serem mal feitas, visto que eu pensava que todos ao meu redor não entendiam como eu funcionava. Certo dia, me lembro que na escola, enquanto conversava com um dos meus colegas, houve um diálogo que fortaleceu esse ponto:

- Lucas. - Sussurrou pra mim enquanto estava na carteira ao lado, não escutei. - Lucas! - Mais uma vez, meus ouvidos falharam. - Lucas!!

Então finalmente pude escutar o meu nome.

- Oi?
- Fez o trabalho de Biologia?
- Uhm... não. Não achei que precisava.

Ele tinha apertado os olhos e parecia não entender o porquê do trabalho não precisar ser feito.

- Como assim? É o trabalho mais importante do bimestre, cara.

Ele desistiu de continuar a conversa naquele dia. Eu ia dar uma resposta convincente a ele, mas quando vi sua vontade de continuar o diálogo desaparecer, pensei que eu com certeza tinha dito algo de errado. Eu não era amigo dele, não era amigo de ninguém naquele local composto por adolescentes. Todos eram apenas colegas para mim, e quem não chegava nem a esse termo, não existia na minha cabeça. Essa pequena conversa me mostrou que eu era algo inexplicável para todos que me viam. Não de uma forma superior a eles, mas sim de modo que eu era literalmente inexplicável. Minhas ações não faziam sentido, minha forma de pensar parecia ser inferior e que não valeria a pena explicar.

Ah! E quando o assunto era aparência, só reforçava esse ponto. Eu sou o típico homem loiro de olhos azuis. Aquele estereótipo de pessoa extremamente bela e que teve sorte de nascer com essa aparência linda! Mas eu não achava isso. Me via como feio, horripilante, horrível. E quando eu dizia isso às pessoas - as poucas que eu conversava - elas riam de mim e diziam que eu não sou feio, mas sim burro. Essas falas me marcaram tanto que passei a mentir e dizer que me considero bonito. Óbvio que eu não exagerava, já que as pessoas diriam que sou narcisista ou algo parecido.

Algo que também me confundia quando o assunto era aparência, é que quando eu via alguém dizer que se considerava bonito - e aos meus olhos realmente era - as pessoas começavam a rir da sua cara, por algum motivo. No final, cheguei a conclusão de que aparência não serve nada além de mostrar como você é, em outras palavras, só existe para que saibam quem somos. Ou seja, não define se alguém é feio ou não. Por mais que no mundo não seja assim que funcione.

Em casa, eu via que as coisas eram melhores em relação a mim com os outros seres humanos. Ou apenas na parte da minha irmã. Ela era compreensiva, tentava ao máximo entender minhas ações, por mais que fosse quase impossível. Como em um dos dias que ela estava no sofá da sala e fui conversar com ela.

- Nicole, quero te perguntar uma coisa - ela mexia no celular e eu me sentava ao seu lado

- Oi! O que é? - Disse, deixando o celular no braço do sofá e prestando atenção em mim.

- A pergunta pode parecer um pouco idiota, mas..

E ela me interrompe, como se a minha frase fosse completamente errada

- Ah! Não se preocupa não. As perguntas existem para serem respondidas. Pode falar, Lucas.

Quando ela me disse isso, pensei em duas possibilidades: eu não sabia a definição de pergunta idiota e isso deve ser só um modo de falar dos humanos, ou a minha irmã é a única pessoa que tem a chance de me entender. De qualquer modo, continuei:

- Ok... Não sei se você vai saber responder, mas vamo lá... - Dei uma pausa pra respirar fundo - Me desperta muito a curiosidade de saber o motivo dos meninos da minha idade se importarem tanto com os seus tênis. - terminei, e ao olhar pra ela, não fiquei surpreso.

- Como assim?

Ela não parecia me julgar por ter uma dúvida dessas, já que o tom da sua fala foi claro e suave demais, mexia seus cabelos loiros perolados com tanta delicadeza que eu me sentia mais que um simples conforto ali.

- Bem, em um dia desses, na escola, pisei sem querer no tênis de um garoto. Ele começou a gritar comigo dizendo que eu sujei o tênis dele e que ele era novo. Acho que era porque a marca era bem reconhecida ou algo assim. Eu só pedi desculpas e segui meu caminho. - Enquanto eu falava, a minha irmã acenava com a cabeça pra cima e pra baixo, de forma clara para mostrar que ela está me escutando. Aquele simples gesto me encorajou o suficiente para continuar. - Então eu comecei a pensar: não era só ele lavar quando chegasse em casa? Nem tinha uma marca de sujeira também, pra que ficar tão bravo? O tênis dele não foi destruído, pra que tudo isso?

Ela colocou a mão em meu braço para tentar me confortar.

- Coisas assim acontecem. E pra responder a sua pergunta, não é só com os tênis e nem só com os garotos. - Seus olhos cinzas me observavam com muita calmaria, e enquanto ela falava, me via no momento mais seguro da minha vida. - Normalmente, as pessoas tratam com muito valor as coisas que elas compram, de forma que se esquecem o que realmente importa, que são eles mesmos. Os bens materiais nos dão benefícios de status, e na menor possível ameaça existente de sujar eles, ficamos preocupados com o que pode acontecer.

Eu tinha a certeza que quando uma das minhas dúvidas sobre a humanidade foi respondida, vi que minha irmã era a única capaz de me entender. A única em que eu poderia confiar e que não me julgaria. Por mais que na minha cabeça, essas dúvidas marcavam demasiada presença.

- Ok.. muito obrigado.

Não sabia como continuar aquela conversa, então apenas dei um abraço carinhoso nela e logo em seguida voltei para o meu quarto.

Como Eu EraOnde histórias criam vida. Descubra agora