ch 04 • the beginning of the end

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1750 - Suécia.

Numa estimativa humana, haviam se passado cinquenta e sete anos, para mim, era dúbio e incerto. Poderia considerar um breve momento pelo ponto de vista de um afazer que não possui fim ou uma eternidade pela falta que ela me fizera.

Neste tempo, continuei meu trabalho, não olhei para trás embora parte de mim quisesse procurá-la, reivindicá-la, respeitei meu acordo e segui na esperança de que em breve pudesse contemplá-la em sua magnitude, pronta para seu descanso, seu fim, o desfecho para sua história... Ela viria naturalmente para mim.

Naquele dia tudo estava silencioso demais, tedioso demais, repetitivo demais. Caminhei pelos arredores de uma bela floresta na Suécia, aproveitando um pouco da energia da natureza viva e enraizada naquele solo sagrado. Os rios de água doce que percorriam as árvores eram quase cristalinos, com névoas sutis cobrindo toda borda, me permitindo vislumbrar um cenário digno de um belo quadro. Embora meus prazeres fossem limitados, aprendi a apreciar bons lugares, ter bons momentos e suprir, de alguma maneira, a falta que observá-la me fazia.

Por vezes perguntei-me se nosso encontro fora fadado ao acaso ou se algo ou alguém desejou e escreveu para que fosse desta maneira. Era reconfortante a ideia de que um ser superior pudesse escrever algo diferente para mim. Não se tratava de herois, vilões e deuses, mas de entidades mais velhas que o mundo, brincando com a existência de outros seres. Era reconfortante pensar que tudo não fosse de minha inteira responsabilidade. Desejei profundamente que não fosse, pois não poderia prever quanto tempo mais aguentaria.

O cheiro de morte estava inundando o local, indicando que não estava ali somente para o meu deleite, mas para o trabalho. Suspirei contrariada, não que não gostasse da minha missão, mas raramente tinha alguns instantes tranquilos, de pura filosofia. Ajeitei a capa verde sobre meus ombros, depois que me vesti desta forma para Agatha, não desejei outro traje, estava sempre pronta para encontrá-la. Vestindo minha face humana, caminhei pelos arbustos, adentrando a floresta para longe do lago, farejando a alma que estava sendo ofertada à mim.

Um grito ecoou floresta adentro e o nervo em meu peito pulsou, recobrando-me que de alguma maneira uma espécie de coração batia dentro do meu ser após conhecer Agatha e não fiz questão de alterar isso, era um lembrete de sua existência e seguiria comigo por toda a eternidade.

Enquanto me aproximava do local, notei também o cheiro de enxofre, forte o suficiente para deixar qualquer criatura enjoada. Puxei a faca de minha cintura e esgueirei pelas árvores na busca do que ocorria.

"NÃO!" Ela gritou desesperada, fazendo-me reconhecer a rouquidão daquela voz.

"Agatha" proferi acelerando o passo, materializando-me na cena.

Havia sangue cobrindo as folhas e sobre elas, o corpo de Agatha, que tentava a todo custo mover as mãos, mas estas estavam presas novamente, por objetos sagrados. A criatura que se lançava sobre ela era humanoide, mas estava longe de ser humana. Braços e pernas compridos, revestidos somente por carne e músculo, com partes queimadas e feridas expostas, jorrando o líquido do qual sentira o cheiro. A cabeça não possuía olhos, apenas uma grande boca e dentes afiados que se apertaram contra o pescoço de Agatha. Ela estava morrendo.

"Por favor, ainda não" sibilou baixinho, a pele pálida e banhada pelo sangue e a secreção jocosa daquela criatura. Tratava-se de uma espécie de soldado, um demônio sanguinário, enviado em casos extremos para ceifar a vida de grandes magos e bruxas.

A realidade caiu sobre mim quando a notei tão frágil e assustada, ela não desejava morrer naquele momento. Ainda parecia tão jovem, tão cheia de vida. Vê-la perecendo doeu-me de maneira inesperada. Gostaria que ela seguisse o curso natural, mas não que tirassem sua chance de viver.

wounds | agatharioOnde histórias criam vida. Descubra agora