Retornei ao meu reino com o desejo de que algo me aguardasse, de que aquele palácio estivesse em ruínas e que uma criatura, um ser maior, estivesse pronto à minha espera, ansiando por aniquilar minha existência ou me punir pelo que eu havia feito. Afinal, toda e qualquer coisa soaria melhor do que o vazio infindo de perguntas não respondidas que eu me tornara.
Ao passar pelo grande portão de entrada, respirei profundamente, ainda que não houvesse necessidade, era um ato que aprendera com os humanos. Optei por caminhar, dispensando o voo ou teletransporte, caminhar me faria bem. Alguns passos adiante e podia vislumbrar a imensa fachada de minha "casa", uma espécie de castelo suspenso sobre montanhas rochosas, o tom verde brilhando no céu, refletindo no rio que corria e cercava todo local. O rio da vida. Por eternidades aquele fora meu lugar preferido, embora sempre houvesse muito trabalho, de alguma forma, era reconfortante ter para onde voltar. E naquele momento, eu não sentia que estava retornando, mas deixando para algo que me era pertencente para trás.
Cruzei a ponte sobre o rio antes de empurrar a porta e estar, finalmente, no palácio. Para minha decepção e não surpresa, não havia ninguém. Ninguém além do mesmo vazio de sempre. Dei-me por vencida, deixando de lado o pensamento de criação e existência, talvez o Universo fosse apenas solitário e medíocre, criando entidades, deuses e vidas sem propósito algum.
Em frente ao meu espelho, já não trajava a roupa de camponesa, mas minhas vestes costumeiras. Uma longa capa preta, com detalhes entalhados, firmando minha coroa no topo de minha cabeça. Deixei a capa cair sobre meus ombros e a mantive segura em meus braços, virando de costas para vislumbrar o ferimento, que permanecia vívido, como se tivesse recém sido feito. A dor havia se dissipado, talvez pelos cuidados curandeiros de Agatha, ou apenas como uma brincadeira, uma piada de mal gosto para lembrar-me para sempre que havia descumprido uma regra que colocava em risco a ordem de todas as coisas.
O que haveria de ser feito com minhas próprias vontades quando eu respondia a ninguém e mantinha tudo em seu devido lugar para quem? Para o mundo em sua amplitude? O que eu deveria ser? Um soldado, como todos os outros? Não, eles tiveram escolha. De todos os seres, não havia conhecido nenhum que em algum momento não pôde fazer uma escolha. Eles estavam onde haviam se colocado, mas e eu? Quando decidi? Quando optei por isso? Quem me criou? Tentei recobrar em minha memória e não havia nada, absolutamente nada. Sempre assim, sempre adulta, sem vínculos, nenhuma experiência, apenas temida. Apenas má. Má aos olhos de outrem, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Parecia errado não recolher os corpos, não designar almas... Todos mereciam um desfecho. Eu merecia.
Sentei-me desolada no meio de minha sala, afundando o rosto entre as mãos, sentindo minha pele fria, quase cadavérica. Apertei os olhos, rogando por qualquer coisa, desejando a oportunidade de perecer, de deixar a vida que eu não possuía e ter a chance de ser algo diferente. Foi quando a realidade caiu sobre mim, soterrando-me no mar de sentimentos que eu não deveria sentir. Não havia ninguém. Ninguém me puniria, ninguém me resgataria. Ninguém me daria a chance de viver. “Nasci” e fui criada com o Universo, com entidades cósmicas associadas a tudo que existe e é eterno. Não haveria nada após. Não haveria ninguém me punindo além de mim mesma. Eu havia arruinado a ordem natural de tudo e teria que consertar em algum momento, não por punição, mas dever. Um dever que me fora concebido e me deixava acima de tudo, apenas não do meu sentimento por Agatha. Este era o meu ponto, a minha fraqueza e eu a traria à vida quantas vezes fossem necessárias. Aniquilaria mundos por ela. Quebraria todas as minhas próprias regras, até não me restar mais carne a ser ferida, cortada e marcada. Eu nunca estaria no meu caminho, a morte nunca viria para mim. Desta forma, faria o possível para que ela tivesse uma boa vida e que o quer que tentasse alcança-la, não conseguisse. Agatha Harkness seria o meu propósito.
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wounds | agathario
FanfictionDos romances já escritos e contados ao longo da história, este, com absoluta certeza é um dos mais trágicos e insanos, capaz de fazer sentir àquele que nunca sentiu, a tocar o céu quem sempre esteve no calor do inferno. À desejar, ardentemente, a ch...