Ecos do Passado

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Os primeiros raios de sol tingiam de dourado os campos de lavanda que se estendiam até onde os olhos podiam ver. O ar da Provence estava impregnado com um perfume doce e suave, como se cada flor tivesse sido tocada pela brisa que atravessava a região. Era o início de um novo dia, mas para Lee Ji-hoon, a chegada naquela pequena vila francesa era muito mais que uma manhã comum. Era o começo de uma tentativa de recomeço — algo que ele mal sabia se era capaz de alcançar.

Com apenas uma mochila e o olhar perdido, Ji-hoon, um jovem coreano de 25 anos, observava o casarão à sua frente. A pousada era simples, mas tinha um charme único, com paredes de pedra cobertas por heras e uma varanda onde vasos de flores se misturavam em um caos organizado. Do outro lado da rua, uma mulher de cabelos loiros e ondulados ajeitava flores num grande cesto. Ela parecia absorta no trabalho, concentrada, como se aquele fosse o centro do seu mundo.

Camille Bernard era conhecida por ali. Aos 28 anos, era dona da pousada e de uma pequena floricultura ao lado. Desde muito jovem, ela aprendeu a manter tudo sozinha, desde que o irmão mais velho, Etienne, saíra de casa e nunca mais retornara. Mas mesmo com o peso do passado, Camille sustentava um sorriso gentil para todos que cruzavam seu caminho.

Ao ver o novo hóspede parado à porta, ela largou o cesto de flores e foi ao seu encontro.

— Bonjour! Você deve ser o Ji-hoon, certo? — Ela perguntou com uma voz suave, que parecia trazer consigo um tipo de conforto que ele há muito não sentia.

Ji-hoon fez uma leve reverência, mantendo a compostura, como sempre fazia.

— Sim. Obrigado por me receber, Camille.

Ela sorriu e o guiou para dentro da pousada. O salão principal era acolhedor, com móveis rústicos e cortinas de tecido claro que balançavam suavemente com o vento. Ali, o tempo parecia ter um ritmo próprio, diferente da correria das grandes cidades que ele conhecia. Havia algo de reconfortante naquele lugar, mas também uma estranha sensação de nostalgia — uma saudade do que nunca viveu.

Enquanto Camille mostrava o caminho até o quarto, Ji-hoon observava os pequenos detalhes ao seu redor. Quadros nas paredes, fotos de pessoas que ele não conhecia, mas que pareciam familiares de alguma forma. Cada detalhe daquela pousada parecia guardar uma história, e isso o deixava intrigado.

— Aqui está o seu quarto — disse Camille, abrindo a porta com um gesto acolhedor. — Eu sei que você veio aqui para fugir um pouco do seu passado. Esse lugar... costuma ajudar as pessoas.

Ele agradeceu com um aceno de cabeça, mas algo na maneira como ela falou o deixou desconfortável. Como ela sabia que ele estava fugindo? Talvez fosse apenas um palpite. Ou talvez, aquela mulher entendesse mais sobre o que ele sentia do que ele imaginava.

No fim da tarde, Ji-hoon saiu para explorar os arredores. Andou por entre as ruas estreitas e pavimentadas, onde cada canto da vila parecia suspirar lembranças do passado. Ele passou por uma pequena praça, onde alguns moradores locais conversavam em francês, rindo e falando sobre o cotidiano. A paz que emanava daquele lugar era quase estranha para ele, mas, ao mesmo tempo, reconfortante.

Ele se aproximou de um banco e se sentou. Olhou para o céu, que começava a se tingir de tons rosados e dourados, e suspirou. A paisagem ali era tão bonita que parecia irreal, como se ele estivesse num sonho. Fechou os olhos e permitiu-se sentir o silêncio — um silêncio que ele precisava, mas que, paradoxalmente, o preenchia de pensamentos.

Memórias voltaram com força, invadindo sua mente como ondas impiedosas. O acidente, a dor, a ausência dos pais... Ele tentara por tanto tempo ignorar a própria dor, sufocá-la com o peso das responsabilidades, mas ali, naquele lugar tão calmo, tudo parecia voltar à tona com uma intensidade que o assustava.

Camille observava de longe o hóspede solitário. Desde que ele chegara, algo nela despertara uma curiosidade silenciosa. Ele parecia carregar um peso invisível, uma espécie de dor que ela conhecia bem. Talvez, por isso, tivesse se oferecido para ser mais do que uma simples anfitriã. A história dele ainda era um mistério, mas, ao mesmo tempo, ela sentia que entender Ji-hoon poderia ajudá-la a entender algo sobre si mesma.

Ela se aproximou, sentando-se ao seu lado no banco, sem dizer uma palavra. Ficaram em silêncio por alguns minutos, até que ela olhou para ele com suavidade.

— Sabe, quando eu era pequena, costumava vir para cá sempre que estava triste. A cidade era o meu refúgio — disse ela, olhando para o horizonte. — Cada canto daqui me lembra algo que já vivi.

Ji-hoon olhou para ela, tentando decifrar suas palavras. Ele não queria falar de si, mas, de alguma forma, a sinceridade dela o deixou à vontade.

— Você também veio para cá para fugir de algo? — ele perguntou, num tom baixo.

Camille respirou fundo, como se buscasse coragem para responder.

— Talvez — ela respondeu. — Acho que todos nós estamos tentando fugir de algo, de uma forma ou de outra. Eu também perdi algo, mas acredito que, com o tempo, podemos encontrar paz nos lugares que escolhemos para recomeçar.

Ji-hoon ficou em silêncio, refletindo sobre aquelas palavras. Eles não sabiam nada um do outro, mas ali, naquele momento, sentiu que havia uma espécie de conexão. Camille parecia entender a sua dor sem que ele precisasse falar, como se as cicatrizes de ambos se reconhecessem.

Nos dias que se seguiram, Ji-hoon e Camille passaram a conversar cada vez mais, sempre de forma natural, como se fossem velhos amigos. Ele se surpreendia com o fato de como ela parecia saber exatamente o que ele precisava ouvir. Camille não o forçava a falar sobre o passado, mas ele sentia que, quando chegasse o momento, ela estaria lá para escutar.

Certa noite, os dois se encontraram na varanda da pousada, onde o céu estava cheio de estrelas. Era uma cena tão bonita que parecia mágica.

— Camille — Ji-hoon começou, hesitante. — Como você conseguiu lidar com... a dor de perder alguém?

Ela ficou em silêncio por um momento, antes de responder.

— Acho que nunca lidamos completamente, Ji-hoon. Aprendemos a conviver com isso. Eu me sinto em paz aqui, mas não significa que a dor foi embora. Só que agora eu entendo que ela faz parte de quem eu sou.

Ele olhou para ela, e naquele instante, sentiu que talvez, pela primeira vez, ele estava começando a entender que o recomeço que tanto procurava não era apagar o passado, mas sim, aprender a conviver com ele.

"Além das Estrelas: Ecos do Destino" mal havia começado, mas ali, naquela varanda sob o céu estrelado, duas almas feridas iniciavam, juntas, o lento e belo processo de cura.

4o

Além das Estrelas: Ecos do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora