Meu objetivo, na manhã seguinte, foi ocupar minha cabeça.
Se eu não pensasse muito na Recepção da Comitiva Rabilena, poderia ser que eu conseguisse esquecer com mais facilidade os acontecimentos insalubres do dia anterior.
Assim, retirei do cantinho da minha mente algo que já tinha me fisgado por alguns dias uns meses atrás.
O código do Grande Rei para o meu pai.
"Q, S, F, Q, B, S, F, traço, T, F. B, U, B, D, B, S, P, B, S".
Um mês após ouvir essa sequência pela primeira vez, eu era capaz de recitar essas letras como se fossem meu próprio nome, ainda que o significado oculto por elas ainda permanecesse um mistério para mim.
O certo seria eu me esquecer disso, deixar para lá, como meu pai havia mandado. Porém a alegria com que ele recebeu a notícia — seja lá qual fosse — não me deixava descansar até entender o que estava acontecendo.
Principalmente depois de ontem. Primeiro, toda a história da Comitiva Rabilena me pareceu um tanto suspeita. Foi tudo muito de última hora e apressado. Sem contar que, no meio da festa, ocorreu uma reunião, um tanto velada, entre os três reis talineus e alguns representantes de Rabile, incluindo Daros.
Eu tinha medo de que nossos reis estivessem tomando uma péssima decisão. Temia que estivessem tramando algo tolo e impensado. E se eu pudesse fazer qualquer coisa para impedir que minha Tribo se lançasse em uma situação imprudente, não perderia a oportunidade.
Sude, me ajude a entender o que essas letras querem dizer... Sussurrei para a Luz.
Eu sabia que a Luz podia me ouvir, mesmo que eu não dissesse nada em voz alta, afinal, a capacidade dos portadores rabilenos de ouvir a mente de outras pessoas veio da própria Sude, o que significa que a Luz conseguia não apenas fazer isso como o fazia muito melhor que qualquer um.
O que a Talineia pode estar querendo com Rabile com tanta urgência? Por que uma reunião aparentemente tão importante seria marcada assim, às pressas?
A resposta para essas perguntas me parecia um tanto óbvia, ainda que a motivação para tal não fosse tão clara para mim. Mas, afinal, quando foi que Tellargom precisou de um motivo lúcido para ter guerra?
— Bom dia, Alteza. — Fiquei aliviada quando Pierre interrompeu meus pensamentos; não estava gostando dos rumos que eles estavam tomando.
Atipicamente, Pierre fez uma reverência para mim. Nem lembro a última vez que ele se deu ao trabalho de fazer isso quando não estávamos em público.
Seus olhos me observavam com atenção, o que só reforçou o que eu comecei a desconfiar diante da sua mesura: ele estava seguindo meu ritmo. Pierre percebeu meu recuo ontem e recuou junto comigo.
Às vezes me assustava perceber como éramos conectados. Como Pierre parecia entender meus pensamentos — muitas vezes até mesmo antes de mim.
Pierre me analisou com expectativa, como se quisesse descobrir se já poderíamos voltar à nossa relação de amizade com menos formalidades.
Mas era melhor não. Por mais que eu quisesse, era melhor não.
Por isso, dei um dos meus sorrisos polidos ensaiados, não um dos genuínos que costumava oferecer a ele, e disse:
— Bom dia, Tenente.
Voltei a me alongar sem dizer mais nada.
Minha língua coçou para perguntar o nosso tradicional "dormiu bem?", mas não podia. Não se eu quisesse cortar agora qualquer coisa estranha que pudesse estar crescendo entre nós.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Aliança de Pedra
RomanceReinos fracos precisam de alianças fortes. Esse é o único motivo para Jade não desistir de seu futuro casamento. Apesar de estar noiva desde antes de nascer, Jade sabe que Berilo, seu noivo, não nutre qualquer sentimento por ela. Porém, como uma das...