“Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobrirá a multidão de pecados,”
— 1° a Pedro 4:8O ar na casa Bernardo era denso naquela terça-feira. As partículas de oxigênio e hidrogênio pesavam nos pulmões de cada membro da família, fazendo comprimir seus corações.
Faní não conseguia aguentar a quantidade de pena que cada par de olhos lançava sobre ela naquele café da manhã fúnebre e incompleto. Tia Norberta praticamente não havia saído de seu quarto desde quando perdeu o controle de sua língua, mas sua ausência falava mais que sua presença. Faní se levantou da mesa e explicitou seu desejo de solidão. Ela olhou para Ed quando o disse, e o rapaz não reagiu, apenas baixou os olhos para seu pão ainda intocado.
Faní queria ficar sozinha, ainda que fosse encontrar-se com sua dor para uma luta na qual ela não teria forças o suficiente para vencer. Estava orando, clamando por forças para passar por aquele momento de grande vendaval, em que os seus medos se materializavam diante dela e ela tinha que esforçar-se para não olhar para eles, mesmo que a firmeza de seus pés fosse abalada pelo movimento das águas. Precisava continuar olhando para o Mestre, porque Ele a tinha chamado para caminhar sobre as águas.
Faní tirou as chinelas e as deixou sobre a margem do lago. Caminhou até ele, sentindo a umidade da grama resfriar seus pés. Tocou as águas, gélidas mesmo que o dia já estivesse quente. Caminhou mais. A água bateu nos joelhos, e ela sentia a terra do fundo do lago se revolvendo ao redor dos seus dedos enquanto andava. Parou quando a água bateu nas coxas.
Olhou para baixo e mirou o fundo do lago, encontrando um peixinho nadando ao seu redor. Por que não nadava mais vezes naquele lago? Por que não o tinha feito desde que voltou a Laguinhos? Por que não aproveitou mais daquele ambiente que tanto lhe fazia bem?
Por que, mesmo amando em muito aquele ambiente, não era amada de volta com a mesma intensidade? Por que nunca se encaixava perfeitamente em algum lugar? Sua sina era viver para sempre tentando encaixar-se num lugar onde as pessoas não a desejavam?
As lágrimas inundaram seus olhos.
Doía. E doía muito.
Faní respirou fundo, aspirando a umidade ao seu redor, e sentiu o peixinho passar por entre suas pernas. Tomou um leve susto, ele nadou para longe. Faní se lembrou, então, por que não gostava de nadar no lago. Os peixes costumavam assustá-la e ela tinha medo de encontrar animais perigosos, como cobras aquáticas. Gostava apenas de apreciar a beleza bucólica daquelas águas e nada mais.
Ela se virou para voltar à terra seca. Quando o fez, encarou fixamente a pessoa que se fazia presente ali, olhando-a de volta com uma curiosidade quase espelhada.
— Está tudo bem, Faní? — Soraia questionou, preocupada com o rosto inchado e molhado de Stefaní.
Faní comprimiu os lábios e moveu a cabeça para os lados lentamente, exprimindo uma negativa silenciosa. Ao piscar, suas lágrimas caíram pelas bochechas, no caminho já memorizado.
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Lago de Algodão | releitura de Mansfield Park, de Jane Austen
RomanceApós terminar o ensino médio, sem perspectivas de fazer uma faculdade, Stefaní Prado é convidada pela tia para passar um tempo em sua casa, no vilarejo de Laguinhos, onde mora seu querido amigo, Edmundo Bernardo. Faní é uma moça de mente e ambições...