UNCOVER LOVE

Dançando nas chamas

“Eu mal posso esperar para ver seu rosto durante a colisão
Quando estivermos trocando de faixa
Meu amor vai além da dor, mas
Se eu perder o freio
Nós vamos dançar nas chamas
É indescritível”
Dancing In The Flames -  The Weeknd

☠

Caleb Santiago

O ponteiro do relógio de parede emite seu som específico de pontualidade, são exatamente 23:00 de uma sexta-feira. Chegar em casa a essa hora da noite beira o feito de um milagre para um homem solteiro da minha idade, porque em outros tempos eu estaria saindo pela mesma porta que acabei de entrar, não o contrário.

Eu sou livre por optar pelo recluso desta vez, ao invés da diversão mundana que não me parece tão atraente a essa altura do campeonato. Ou talvez o motivo seja óbvio demais para que eu precise louvá-lo mais uma vez, em uma noite sozinho neste apartamento vazio que é sem o som da sua respiração que conheço tão bem, a mesma que ouvi por anos para apaziguar o espaço obscuro da minha alma. Consequência eminente dos meus atos, admito que realmente não sou um bom homem, e em termos justos, indigno sequer de pronunciar o seu nome tão divino.

Ah, Lara Smith, eu sou o seu pecador mais mesquinho. Ela invade os meus pensamentos, furtiva e viva como se fizesse parte de mim. A única parte pura a ser mencionada sem equívocos.

Prometi a mim mesmo, que a partir do momento que fosse agraciado com a benevolência de olhar em seus olhos de corsa novamente, deixaria o egoísmo que alimentei por todo esse tempo para respeitar a vontade dela, mesmo que fosse oposta aos meus anseios de longa data. Incluindo a parte de vigia-la obsessivamente de todos os ângulos. Porque se ela tiver de ser minha, ela escolherá por conta própria, como Christopher me aconselhou.

Confesso o quão difícil é usar qualquer aparelho de alta tecnologia que tenho, sem recorrer imediatamente a câmeras que me permitem observá-la por boa parte do dia. Sem contar o fato de serem conectadas aos auto-falantes da casa, para ouvir os seus passos descalços após um longo e cansativo dia de trabalho naquele escritório, de ouvir ela cantarolar durante o banho quente, e mais ardente do que me conformar em apenas vê-la, a distância, é não poder sentir a textura macia da pele nua de Lara, seu cheiro inconfundível de um hidratante específico de avelã, de usufruir de sua presença tão serena, com seus olhos brilhantes dos quais eu poderia facilmente reconhecer em meio a milhões de outros pares de olhos.

Suspiro tentando encontrar forças para sair do encalço da porta fechada atrás de mim, para encarar o silêncio descomunal de meu apartamento, o suspiro demora mais do que imaginei, é uma lamúria barulhenta mas alivia em partes o peso da decisão.

Retiro os sapatos dos pés com eles mesmos, e as meias que os cobrem logo entram em contato com a madeira gélida do chão, um choque térmico que brevemente arrepia os pêlos do braço.

O apartamento é espaçoso, e organizado à medida do possível. Me mudei há pouco tempo, então não há muito o que notar por aqui.

Os móveis são peças quietas do ambiente, seus tons variam do cinza escuro para o preto, e quase nada tem branco por aqui. A sala fica a frente da ilha da cozinha, que divide os dois cômodos, logo ao lado tem o corredor com quatro portas, duas na parede direita, sendo uma a do meu quarto e a outra da varanda, e mais outra duas para o outro sentido;  no fim do corredor reside a terceira porta, que pertence ao banheiro de visitas e a quarta porta diz respeito ao quarto de visitas.

Uma família de três pessoas viveriam confortavelmente bem aqui, o que do meu ponto de vista seria o ideal, mas para alguém que mora sozinho, como eu, na maioria das vezes é sufocante o vazio de ter tantas paredes e pouca movimentação. Felizmente o silêncio é agradável, de fato.