O choque inicial de tudo que ouvi do menino começa a passar, e eu lentamente processo suas palavras.
"Quando eu não também não acordar, a gente já vai ser amigo"
Eu me assustei ao perceber que ele tinha consciência da iminência da própria morte. Mas parece ainda mais profundo do que isso, como se esperasse por ela. E isso me abala profundamente.
"Ele não pode desistir! Ele é tão forte e especial... cadê os ancestrais para cantar uma canção?"
"Nem todo mundo quer ser protagonista, Nun. Às vezes a gente só quer ser um personagem terciário, se isso significa não sofrer."
"Eu não queria que ele sofresse..."
"Ele também não. E é por isso que quer fugir. Não quer dizer que ele vai embora de verdade, só que quer falar sobre quanto tá difícil"
A lembrança de como eu também já quis fugir, mesmo na infância, me invade. Mesmo que eu não sofresse tanto, minha relação com meu pai era complicada. Ele só queria o melhor para mim, mas isso envolvia horas intermináveis de estudo sentado em uma cadeira. Algo que eu simplesmente não estava disposto a fazer, e talvez nem fosse capaz.
Quando veio a notícia do câncer, o desejo de escapar só aumentou. Eu queria uma realidade sem tanta dor. Ver meu pai definhar foi uma das coisas mais difíceis da minha vida. Quanto mais o câncer se espalhava, mais eu sofria e precisava fingir ser forte. A doença começou no pulmão, mas quando chegou ao coração, sabíamos que o tempo estava acabando. Nos dias de visita liberada, ele dizia com uma voz rouca, que ainda consigo ouvir ecoando:
"Eu só desejo que vocês fiquem saudáveis. Vou fazer o possível para cuidar da minha família lá de cima. Eu queria cuidar de vocês aqui, ver vocês crescendo, casando e me dando netos... Mas os Deuses tiveram outros planos."
E então, o homem que sempre me cobrou tanto me dizia:
"Min Yoongi, não se preocupe em ser o alfa da família. Sua mãe é uma ômega forte. Se preocupe em ser criança e um bom filho, é tudo que precisa agora."
Na época, eu não queria esse tipo de preocupação. Queria ser rebelde, livre de qualquer expectativa. Ali, eu entendi que a liberdade é diferente de libertinagem. Hoje, penso no quanto queria que aquele menino só precisasse se dedicar em ser criança e um bom filho.
"Hey, não minimize nossa dor. Eu ainda lembro o quanto doeu."
"Lembra o dia que choramos na porta da UTI? Não podíamos entrar. Apenas escutar os gemidos de dor enquanto a nova sedação não fazia efeito. Ali, eu desejei que ele morresse logo. Perceber esse desejo nos destruiu."
"Mas o menino não parece assim. Mesmo que ele esteja magro, não tá só pele e osso como o nosso pai. A enfermeira disse que ele tá aqui só pra receber cuidado e atenção"
"Ela pode estar mentindo. Pessoas mentem. Enfermeiras pra crianças, mentem mais ainda. E mesmo que não seja terminal, ou que ainda tenha previsão de muitos anos de vida, ele disse que mora aqui nessa situação desde bebê. E que aqui nem tem criança direito."
"Cada vez que eu penso nisso, parece ainda mais triste. Será que ele se lembra de quando perdeu a mãe ou não foi recente?"
"Eu não sei... para ser sincero, minhas memórias dessa fase da vida são bem vagas. É minha família e você que me contam os causos. Então, mesmo que ele fosse bem pequeno, o lobo dele deve lembrar, não é? Você não se recorda de tudo? "
"Desde que éramos do tamanho de um pêssego. Mas só compartilhei as memórias com você porque eram boas, um lobo pode esconder as ruins. Aliás lembrei de uma coisa! Quando se nasce, o controle varia entre humano e lobo. Vocês humanos são egoístas e pegam o domínio todo lá pelos dois anos. Mas até os 12, se for necessário, o lobo consegue apagar o lado humano e assumir o controle."
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Preso dentro de mim
FanfictionYoongi se encontra confinado em um quarto de hospital, ferido e impotente, mas com a mente inquieta e ativa. Acompanhado de Nun, seu espirituoso lobo interior fã de desenhos animados, ele começa uma jornada de reflexões profundas sobre sua vida e su...