A morte que gerou vida.

Capitulo 1

Ana deixa o celular escapar de sua mão após escutar todas aquelas palavras.
Deve ser alguma brincadeira de mau gosto, só pode ser isso. Nicole não pode estar morta. Ela... ela não morreria tão cedo assim, morreria?
Ela sabe que não é brincadeira, sabe que é real.
Sua melhor amiga agora é apenas um cadáver frio.
Ana chora freneticamente, não consegue impedir as lágrimas de rolarem assim como não consegue trazer-la de volta a vida. Não pode mais sentir o seu toque, o seu abraço, e nem a sua voz acalmando Ana enquanto ela chora.
Nicole costumava falar que a vida é uma grande filha da puta e nós somos pobre vítimas dela, obrigados a lidar com isso. Ana sempre ria mas agora ela sabe que é verdade. A vida é uma grande filha da puta.

Nicolas recebeu a notícia pouco depois de Ana. Ele estava penteando o seu cabelo quando sentiu que o seu celular vibrou. Ele custou a atender pois sua mão estava cheia de creme de cabelo, mas após alguns longos segundos ele atendeu.
Seu olhar impaciente rapidamente foi tomado por um olhar de choque e completa tristeza e dor.

- Você tem certeza que ela... - Ele faz um breve silêncio - morreu...?

- Sim, eu sinto muito. - Diz a voz do outro lado da linha.

A ligação se encerra. Nicolas fica encarando o celular enquanto sente as lágrimas molharem suas bochechas.
Morta. Nicole está morta.
Ele se senta na cama e continua observando a tela de seu telefone. Ele não consegue parar de chorar.
De repente ele se lembra de Ana. Será que ela já sabe disso? Ele tem certeza que sim, e torce para que seja verdade. Ele não quer ser o portador dessa notícia. Não para Ana.
Seu celular vibra novamente; ele sabe que é Ana.
Ele atende rapidamente. Nenhum dos dois falam nada — a dor da perda é nítida nos ruídos de choro que ecoam dois lados da ligação.

- Você já sabe não é? - Nicolas pergunta, se sentindo meio idiota. É óbvio que ela já sabe.

- Sim. - responde Ana, tentando não chorar ainda mais.

Por um breve momento Ana parece ter contido as lágrimas, mas então ela começa a chorar muito intensamente. Nicolas também chora , mas silencia o microfone.

                                             ........

Ana e Nicolas estão num silêncio incômodo. Esse silêncio dói mais ainda quando lembram que Nicole já teria feito alguma piada.
Ambos estão vestidos de preto. Nicolas uma camisa social e uma calça jeans um pouco surrada. Ana usa um vestido deslumbrante porém de tom um pouco sombrio. Ela sorri ao lembrar que Nicole sempre dizia que ela parecia a Mortiça quando usava aquele vestido. E agora de forma um tanto quanto irônica Ana está com esse mesmo vestido no enterro dela.
O silêncio entre Ana e Nicolas é tão desconfortável que quase se torna palpável.

- Tudo isso é uma merda. - Diz Ana, quebrando o silêncio. - Nunca imaginei ter que me despedir dela para sempre. Porque ela teve que ir em bora? - Se questiona enquanto encara o chão como se fosse algo extremamente interessante.

Nicolas demora pra responder, e por alguns segundos Ana realmente acredita que ele não vai. Mas então ele respira fundo e responde.

- Eu também estou me perguntando isso. - Ele levanta a cabeça para o céu nublado e fecha os olhos tentando imaginar Nicole. - Ela com certeza estaria fazendo piada da gente agora, vendo esses dois adolescentes tristes porque alguém se foi cedo demais. - Ele solta um sorrisinho fraco ao imagina-la fazendo piada sobre isso.

- Isso é tão irônico. - Suspira Ana.

Novamente o silêncio paira no ar.
Ana só queria estar abraçada a Nicole. Olhar nos olhos dela e dizer o quanto q amava e admirava. "Ela tocava tão bem."
Ela observa Alexandre o maestro deles em silêncio olhando para a lápide. Ana sabe que ele chorou antes de vir porque os olhos dele estão inchados. Nicole amava ele e todo mundo sabia que ele também amava Nicole. Pai e filha de consideração? Ana acha que não. Não chegavam ao ponto de se considerarem da família. Mas eles se amavam do mesmo jeito.
Nicolas também observa Alexandre, o olhar de tristeza de um maestro perdendo uma integrante que amava aquilo que fazia. É tudo tão triste.
Nicolas também nota Felipe observando ao longe a lápide dela. Ninguém nunca entendeu a relação deles dois. Ninguém nunca entendeu se eles se amavam ou se odiavam. Nicolas acha que os dois ao mesmo tempo.
O naipe inteiro da viola veio para o enterro dela. Ela era uma componente importante. Ela era a união do naipe, sem ela todo mundo sabe que eles serão apenas pessoas tocando juntas e não um grupo.
O sol começa a ir em bora. Ana e Nicolas sabem que precisam ir, mas eles não querem ir em bora. Não sem Nicole, não podem ficar sem ela.
Mas apesar desse sentimento Nicolas olha para Ana e fala:

- Vamos?

Ana apenas concorda com a cabeça e segue Nicolas em direção a saída do cemitério.

- Vamos sentir sua falta Nick.

Diz Ana antes de se afastar completamente do cemitério e deixar para trás o corpo agora enterrado de sua melhor amiga.