Essa garota não para

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Cor de Rosa Choque Rita Lee Roberto de Carvalho
Nas duas faces da Eva
A bela e a fera

(Esse capítulo será narrado pela Fera)

Eu não sou uma criatura paciente. Na verdade, diria que minha tolerância com qualquer coisa é quase inexistente. Então, imagine o meu humor quando um som estridente — uma música — começou a ecoar pelas paredes do meu castelo.

No começo, ignorei. Quer dizer, eu tinha coisas mais importantes pra fazer, como manter meu orgulho intacto e, quem sabe, encontrar um jeito de evitar mais encrencas com aquela garota que, por algum motivo, aceitou ficar aqui.

Sério, quem faz isso? Confesso que tenho medo da maluquice dela.

Mas o barulho continuou. Não, pior: aumentou.
Bufei, me levantei da minha poltrona e comecei a andar pelos corredores, os passos ecoando como um tambor. Meus ouvidos latejavam, e a paciência que eu fingia ter? Evaporou.

O som vinha do quarto dela. Claro que vinha. Já devia saber que essa Bela, Bela coisa nenhuma, seria problema desde o momento em que ela apareceu na porta do meu castelo, desafiando as regras e, pior, me desafiando.

Quando cheguei à porta, a música estava insuportável. Empurrei-a com força, sem cerimônias.
— O que é isso?! — rosnar, vejam bem, é minha maneira padrão de falar.

A visão que me esperava era... estranha, no mínimo.
Bela estava de costas para mim, mexendo o corpo como se não houvesse amanhã, com aquele som ensurdecedor saindo de uma pequena caixa. Ela parecia feliz. No meu castelo.

— Isso é música! — ela gritou, virando-se para mim com um sorriso atrevido. Não que eu tivesse perguntado, mas ela parecia fazer questão de explicar. — Quer dizer, não qualquer música. É minha música favorita.

Eu pisquei.
— Música? — repeti, como se fosse a palavra mais absurda que já ouvi. Talvez fosse.

— Sim! — ela respondeu, como se fosse óbvio. E o pior? Começou a mexer os ombros de novo, ignorando minha presença colossal. — Relaxa, grandona, é só diversão.

"Tchutchuca, com seu tigrão"
"Tchutchuca, sente a pressão"
"Vem, tchutchuca linda"

— Diversão? No meu castelo?

Ela me olhou como se eu tivesse dito que o céu era roxo.

— É, sabe, pra viver? Você já tentou?

A audácia dela era tão grande quanto aquele som irritante.

— Desliga isso — isso ordenei, tentando soar imponente.

Ela cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha.
— Por quê? Tá te incomodando?

Eu quis responder que sim. Que estava. Que aquele som estava ressoando no fundo da minha alma de um jeito desconfortável. Mas, em vez disso, só murmurei.
– Porque eu mandei

Ela revirou os olhos. E, para minha surpresa, foi até a caixa de som e desligou.

– Pronto, feliz?
Nem de longe. Mas saí antes que ela me desafiasse de novo. Essa garota era problema. Eu sabia disso desde o começo.

🌹

Enquanto descia o corredor, alguma coisa me incomodava. Não era só a música do tigrão que ficava ecoando na minha cabeça. Era o som da risada dela. Leve, como se ela não tivesse medo. Como se não me levasse a sério.
Quem ela pensa que é?

Fui para o meu quarto, mas a sensação de inquietação continuava. Até que ouvi um som diferente. Não música dessa vez, mas algo ainda mais irritante. Um barulho de passos apressados, seguido de um "ops!".

Franzi a testa e voltei pelo corredor. Os passos vinham de outro lado. Não do quarto dela, mas de um dos corredores que deveriam estar vazios.
Se for ela de novo...
E então eu vi logo que virei a esquina.
Lumière e Horloge estavam ali, parados no meio do corredor. Bem no meio. Lumière tinha uma expressão de quem tinha sido pego fazendo algo que não devia. Horloge, como sempre, parecia pronto pra dar uma bronca.

– Vocês dois! – Minha voz ecoou, grave e pesada.
Eles congelaram.
– Ah, mestre! Que surpresa agradável! – Lumière tentou sorrir, o candelabro tremendo levemente.
– Surpresa? – Repeti, olhando para a porta entreaberta ao lado deles. Era uma das salas do castelo que eu raramente usava. – O que vocês estão fazendo aqui?

– Bem, veja bem... – Horloge começou, ajeitando o bigode com um dos ponteiros. – Nós... estávamos apenas garantindo que tudo estivesse em ordem. Para a... hóspede.
Hóspede. Como se ela fosse uma visitante qualquer, e não alguém que eu tinha aceitado por pura obrigação.
– Vocês estavam bisbilhotando – acusei, estreitando os olhos.

– Jamais, senhor! – Lumière levantou um dos braços. – Mas, ah, talvez você deva dar uma olhada nesta sala.
Revirei os olhos, mas abri a porta de vez.
O que vi lá dentro fez meu estômago afundar.
Era a antiga sala de estudos. Livros alinhados nas prateleiras, móveis cobertos por lençóis. Parecia intacta, mas uma coisa estava diferente. Uma pilha de papéis e livros estava no chão, como se alguém tivesse derrubado tudo às pressas.
– Ela esteve aqui – murmurei, mais para mim mesma.

– Sim, sim – Lumière confirmou, empolgado. – Mas veja pelo lado bom! Ela está curiosa. Isso significa que ela está interessada no castelo, não acha?
– Interessada em mexer onde não deve – retruquei, os dentes cerrados.
Minha cabeça girava. Se ela estava fuçando pelo castelo, mais cedo ou mais tarde descobriria mais do que devia. Os objetos encantados. Os segredos.

Eu precisava impedi-la antes que fosse tarde.
Mas, antes que eu pudesse sequer decidir por onde começar, um som distante ecoou pelo corredor. Um barulho baixo e contínuo, quase como...
Água.
– Por favor, não – murmurei, apressando os passos em direção à origem do som.
Cheguei à cozinha. E, claro, lá estava ela. Bela, mais para horrenda, com um jarro de água na mão, tentando lidar com uma pia que agora transbordava pra todos os lados.

– Ah, ótimo – resmunguei. – Primeiro música, agora um dilúvio. Você tá tentando destruir o castelo inteiro, ou só fazendo uma lista?
Ela se virou pra mim, com um sorriso culpado. – Eu só queria um copo de água.
– Você conseguiu uma enchente
– Ok, essa foi minha culpa. Mas talvez o encanamento seja... meio velho?
Eu respirei fundo, tentando me controlar. Lumière e Horloge surgiram atrás de mim, observando a cena com uma mistura de pânico e diversão.

– Saia daqui – ordenei, apontando para a porta.
– Eu só queria ajudar – ela começou, mas parei ela com um olhar.
– Você já ajudou demais por hoje.

Ela saiu, mas não sem me lançar aquele olhar desafiador de novo. Aquele que dizia que ela achava tudo isso engraçado.
E, de alguma forma, no fundo, eu sabia: essa garota ia ser o meu maior problema.

A Bela e a Fera🌹(GL)Onde histórias criam vida. Descubra agora