Ao levantar-se da cama, Iara, uma moça de 18 anos, de pele clara e cabelo castanho batendo nos ombros, radiante, se movimentava tão sofisticadamente como uma bailarina de porcelana, evitando se quebrar. Escova seus dentes, abre seu guarda-roupa e escolhe uma blusa branca com detalhes de renda, calça jeans azul claro, sapato de cano baixo azul com cadarços brancos e um chapéu de palha pequeno decorado com búzios do mar. Dava para ver que ela tinha estilo e uma personalidade própria. Em seguida, olha sua guitarra azul-marinho brilhante, decide então pegá-la e começa a tocar um rock bem pesado. À medida que deslizava seus dedos, que pareciam tão delicados, nas cordas de forma agressiva, a melodia era de rasgar os ouvidos, mas era bom. Ela estava desligada do mundo lá fora, dos problemas ao seu redor, e apenas aproveitava, desabafando com seu som e um breve sorriso no rosto. Com aquele som alto, vinham ao fundo abafadas as batidas de alguém subindo as escadas depressa e, em seguida, batendo na porta de seu quarto.
— Iara! Iara! — Gritava uma voz grave, brava e masculina atrás da porta.
Iara não escutava, ainda estava tocando seu som.
— Pare já com isso! Juro que vou arrombar! – Gritava, mais furioso.
Desta vez, ela escuta, para de tocar e abre a porta. Era seu pai, Henrique Dias, bravo, com olheiras pesadas, cabelos castanhos bagunçados e roupa social amassada. Seu pai era dono de um escritório de contabilidade, um homem bom que se preocupava com o melhor para sua filha, mas também amargurado com a vida após o falecimento de sua esposa.
— O que pensa que está fazendo? Acordar os vizinhos? — Questiona seu pai, Henrique.
Iara, meio abalada, percebendo o que fez, se desculpa:
— Desculpe, pai... Não vai se repetir.
— Acho bom. Vamos, arrume suas coisas, preciso te levar ao seu curso de pré-vestibular. Ficar tocando nessa guitarra não vai lhe tornar médica e já estou atrasado para o escritório! — Disse seu Henrique, às pressas, arrumando o cabelo com as próprias mãos.
— Sim, pai... — Responde Iara.
A caminho do cursinho, no carro luxuoso, um sedã preto do seu pai, Iara estava distraída no banco do carona, observando a paisagem onde passava por casas e estruturas históricas desgastadas. Era uma visão que não lhe agradava naquela cidade, exceto quando, no exato momento, observava o Forte São Marcelo de longe e a parte mais alta da cidade, onde era possível enxergar todo aquele cenário e o que ela mais amava, um oceano verde-claro extraordinário. A sensação era de seu coração explodindo em emoções magníficas e fazendo seu corpo todo arrepiar.
— Preste atenção na aula e lembre-se que hoje à noite temos igreja. — Disse Henrique à sua filha, após embarcá-la e dar uma arrancada sem ao menos ouvi-la, sem despedida e mais nada.
Iara deu de ombros, estava acostumada com essa relação, mas mesmo assim, no fundo, se sentia triste, pensando que nada poderia voltar a ser como antes. Na aula, estava sentada no fundo, distante de todos, ouvindo seu professor:
— O tema da redação do vestibular este ano pode ser algo relacionado ao meio ambiente, já que é um assunto muito abordado atualmente, principalmente obras que estão prejudicando toda a fauna e a flora. Ultimamente, foi o tópico nas mídias sociais e jornais... — Dizia o professor aos seus alunos. Ele tinha a aparência semelhante àqueles cientistas reservados, calvo, de suéter, gravata e uma barba cheia.
Enquanto isso, Iara estava na cadeira, parecendo não prestar atenção, com a mão apoiada em seu rosto, cantarolando baixo em meio aquele barulho entrosado de alunos e professor. Na sua outra mão, ela estava anotando em seu caderno, ao invés de assuntos, fórmulas de matemática e língua portuguesa, escrevia melodias, com cifras, letras e rimas.
Uma garota de sua idade, olhos puxados, cabelos lisos e compridos, uma franja no rosto e de etnia asiática, cutucava Iara com o indicador, parecia querer conversar algo. Seu nome era Érica, além de colega de turma, também era uma grande amiga de Iara. Se conheciam desde a época do ginásio da escola, se tornaram amigas com algo em comum: a medicina. O sonho de Érica era se tornar uma excelente médica e o de Iara bem... Não era seu sonho, mas era a profissão de sua mãe. A única coisa que ela e seu pai concordavam era que sua mãe era incrível.
— Ei, psiu! Iara... Alô! Terra chamando Iara, está viajando, louca? Está querendo perder a chance de entrar na faculdade pública? Precisamos entrar juntas em Medicina. — Sussurrava Érica.
— Cara, foi mal... Hoje acordei naqueles dias. — Respondeu Iara.
— Huuuum, entendi. "Naqueles dias", você só precisa de um chocolate, toma. — Ofereceu Érica com uma barra de chocolate.
— Não era bem isso que eu estava falando, mas aceito, vai! — Riu Iara, pegando o chocolate na mão de Érica.
Curiosa, Érica perguntou:
— Conversou com seu pai sobre a celebração à Iemanjá amanhã?
Dia 02 de fevereiro é o dia que comemora a celebração à Iemanjá, uma divindade feminina conhecida como rainha do mar, protetora do mar, dos pescadores, crianças e mulheres. Uma cultura religiosa bem conhecida na Bahia, onde se oferece flores e objetos ao mar.
— Claro que não, ele iria ficar furioso, pode me proibir de sair de novo e até pior, confiscar meu violão... Me preparei o ano todo para tocar amanhã em homenagem a ela. — Respondeu Iara ansiosa.
No término das aulas, Érica se despediu na saída do curso:
— Tchau, amiga! Nos falamos mais tarde!
— Tchau! Beijo! — Replicou Iara.
Parando com o veículo bem na sua frente, seu pai lhe perguntou:
— E aí, como foi a aula?
— Foi bom... Ei pai, como amanhã não terá aula, posso ir na casa de Érica assistir um filme? — Perguntou Iara.
— Com Érica é? Amanhã iríamos ver a missa da Nossa Senhora da Conceição, mas como Érica é uma boa menina e de influência pra sua futura profissão, tudo bem, pode ir. Ainda mais que você anda bem estressada ultimamente, seria bom se distrair. Está "naqueles dias" é? — Argumentou seu Henrique.
Sem graça, sua filha respondeu imediatamente:
— Não pai! Meu Deus!
Chega à noite, sentam-se no banco da igreja Iara e seu pai. Os dois estavam casualmente arrumados, Henrique com o cabelo penteado a gel e uma roupa cinza social de mangas compridas. Enquanto Iara estava com um vestido verde liso escuro cobrindo seus tornozelos e de mangas compridas, seu cabelo estava preso também com um coque. Ela estava séria, mas de bom semblante, com o seu violão coberto com a capa em suas costas, ouvindo o padre falar. Terminando a missa, vai à frente, Iara junto com outras irmãs de fundo, ela com seu violão já em sua mão tocando e as noviças no coral. Era algo lindo de se ver e ouvir. Realmente parecia que estava no céu, a sensação de paz e calma que vinha dali abraçava seu corpo. Era surpreendente. Mas incrível mesmo era Iara cantando naquele momento, ela tinha a voz belíssima e poderosa que lembrava uma multidão de anjos, chamando a atenção de todos ao seu redor. Principalmente de seu pai, que estava sério com um pequeno sorriso nos lábios, mas seu coração disparava com a mesma sensação do seu time de futebol fazendo o gol no último minuto e ganhando o campeonato.
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O som das ondas
RomanceMergulhe nesta aventura e romance de dois jovens: um garoto chamado Enki Fernandes, de 18 anos, de uma família humilde, surfista, que sonha ser biólogo e luta contra uma ameaça ao ecossistema marinho no Farol da Barra, em Salvador, Bahia, onde seu c...