𝟎𝟎𝟏 - 𝐒𝐀̃𝐎 𝐏𝐀𝐔𝐋𝐎

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Eu me sentia culpada por estar voltando para São Paulo, bom, voltar para São Paulo não é o problema pelo qual me sinto culpada, mas sim a forma que estou voltando

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Eu me sentia culpada por estar voltando para São Paulo, bom, voltar para São Paulo não é o problema pelo qual me sinto culpada, mas sim a forma que estou voltando.

Assim que os batimentos cardíacos da minha mãe pararam e aquela linha reta simbolizava que ela estava morta, eu não senti tristeza, não a tristeza que se deve sentir com a perda de uma mãe. Eu me senti livre, me senti livre de um fardo que eu carrego desde os 10 anos, pareceu como se eu fosse um pássaro liberto da gaiola.

Depois de 11 anos eu senti a liberdade presente no meu corpo mais uma vez. Me sinto culpada por sentir isso e mais culpada ainda por estar pisando o pé em São Paulo no momento que enterram minha mãe.

Meu coração batia rápido, ansiosa para encontrar minha avó depois de tanto tempo vendo-a apenas pela tela do celular.

Desde que fui embora de São Paulo para o Rio de Janeiro, minha cabeça só consegue sentir saudade da minha avó e pensar na falta que sinto do meu melhor amigo.

Rogério, meu melhor amigo de infância desde que me conheço por gente. Quando fui embora, não consegui me despedir dele, mais tarde tentei contato pelas redes sociais, mas o garoto que antes brincava de comidinha comigo, virou um mc de batalha de rima famoso, com o direct cheio então nunca mais tive contato com ele.

Rogério além de melhor amigo foi meu primeiro amor, sofri até a adolescência de amor por ele, sentia a saudade queimando no meu peito, só então percebi como ele me afetava, como ele me fazia sentir vulnerável, sempre odiei me sentir assim.

Quando percebi que o meu sentimento por ele me fazia ficar frágil, enterrei meus sentimentos.

Sem amor, sem problemas.

Desde que me mudei para a casa da minha mãe, contava os dias para ficar de maior e voltar para a casa da minha avó. Meses antes do meu aniversário de 18 anos, minha mãe descobriu uma doença rara, além da dificuldade para tratar da doença, o seu corpo totalmente fudido pelo álcool e drogas não ajudou muito.

Passei os últimos dois anos da minha vida presa, ficando totalmente exausta enquanto cuidava da minha mãe, aos poucos ela perdeu os movimentos da perna, depois os dos braços, até que ficou imóvel, meses depois ela parou de falar.

Com um ano e sete meses, eu me sentia cuidando de uma morta em uma cama de hospital, ela não reagia mais e abrir os olhos era um evento raro de se acontecer. Chorei por noites me sentindo exausta, me sentindo uma verdadeira prisioneira.

Antes da minha mãe ficar doente, eu já cuidava dela, sempre bêbada, drogada ou os dois juntos, sempre cuidei dela, mas quando ficou doente, cuidei mais que nunca.

Sentia que estava fazendo uma obrigação, não era por sentir amor pela minha mãe, até porque ela não me amava. Se fosse eu, ela nunca teria cuidado de mim como eu cuidei dela.

Dediquei dois anos da minha vida apenas para ela.

Dentro daquele Uber, eu olhava as ruas, as ruas que eu cresci, brinquei de esconde-esconde, pega-pega, andei de skate e outras mil coisas.

Quando o Uber parou em frente à casa da minha avó, eu tirei o dinheiro do bolso e entreguei para o homem, desci do carro levando minha mochila nas costas e uma mala, não tenho muitas coisas e a maioria que eu tinha, eu não trouxe, não quis ocupar meu tempo fazendo mala, só queria sair de lá logo.

Olhei em volta, tudo ainda parecia igual para mim, nada por aqui mudou. A casa da minha avó continuava a mesa, cerca branca de madeira, um grande quintal que eu cansei de brincar e correr por ali quando era pequena e sua casa que ainda era pintada de azul. A nostalgia me atingia por completo, foi aqui que vivi minha verdadeira infância, foi aqui que fui feliz.

Tomei coragem e bati palma, tem meses que não converso com minha avó, tenho medo dela não morar mais aqui ou talvez o pior tenha acontecido, eu torço para que não.

- Já vai - a voz muito bem conhecida por mim disse lá de dentro e eu senti meu coração se aquecer antes mesmo de vê-la.

A porta de madeira se abriu e assim que me viu a mais velha soltou um sorriso largo, vindo em passos rápidos até mim.

- Jasmine - ela disse assim que abriu o portão, me puxando para um abraço, ela ainda sorria animada.

- Que saudade, Nona - eu falei apertando ela no abraço, sem que eu percebesse, meus olhos já se enchiam de lágrimas, lágrimas de felicidade.

Odeio chorar.

- Entra, fia, deixar as mala lá dentro - ela me guiou para dentro de casa com uma das mãos nas minhas costas.

Entrando dentro de casa, eu senti o cheiro do meu lar, o cheiro que me fez ficar mais nostálgica ainda sobre a minha infância.

Tudo igual, parecia que a casa da minha avó havia parado no tempo, mesmo depois de todos esses anos, assim que eu entrei aqui me senti com 10 anos de idade de novo, me senti feliz assim como eu costumava ser antes de ser arrancada do meu verdadeiro lar, do verdadeiro lugar que eu podia chamar de casa.

Na estante onde a TV ficava, haviam vários porta retratos, um deles tinha uma foto minha com o Rogério, estávamos sentados no sofá sorrindo com os rostos e braços sujos de tinta assim como nossas roupas.

Soltei um sorriso ao me lembrar desse dia. Foi na manhã seguinte do meu aniversário, Rogério havia dormido na casa da minha vó e nós fizemos uma noite de filmes. Na manhã seguinte, nós fomos usar o kit de tintas que eu havia ganhado de aniversário, isso resultou em uma grande bagunça colorida junto com uma bronca que levamos, mas depois da bronca, minha avó achou tão bonitinho que resolveu tirar uma foto nossa.

- Sua mãe tá melhor? - minha avó pergunta se sentando no sofá.

Engoli em seco, por mais que elas não tivessem contato, ela ainda era filha dela.

- Vó, hoje de manhã, a mãe teve uma piora, os remédios mal estavam fazendo efeito nela - comecei, sem a mínima ideia de como conseguiria amparar a minha avó - Teve uma hora que parou. O coração dela parou, os médicos me perguntaram se eu queria que eles tentassem reanimar ela, mas eu não quis. Não quis que ela continuasse vegetando na terra.

Vi os olhos da mais velha se enchendo de lágrimas, a tristeza tomou conta da mulher que a minutos atrás sorria com um enorme brilho nos olhos.

Ela se levantou, foi até a cozinha, pegou um copo de água e se trancou no quarto, eu suspirei, sabendo que ali ela passaria o resto do dia chorando.

Quando era criança e acontecia algo que deixava minha avó triste, ela sempre se trancava no quarto para não demonstrar para mim que estava mal, ela nunca quis me contagiar com qualquer sentimento negativo que ela estivesse sentindo.

Andei pela casa, sentindo o ar de infância a cada passo que dava, me sentia uma verdadeira criança de novo.

Peguei minha mala e mochila, seguindo para o quarto que costumava ser meu. Parei em frente à porta rosa que tinha uma placa de madeira com letras de cola colorida, na placa tinha meu nome escrito junto com algumas florzinhas mal desenhadas e um coração.

Abrindo a porta do quarto, respirei fundo entrando e fechando a porta atrás de mim, tudo como sempre esteve, como era arrumado pelo menos, porque em dias normais, meu quarto sempre era uma bagunça.

Desenhos grudados na parede cor de rosa, a cama arrumada com um cobertor da Barbie estendido em cima e os travesseiros com roupa de cama brancas. As prateleiras com brinquedos, escrivaninha com folhas, cadernos e lápis de cores, ao lado do pote dos lápis, havia um porta retrato com uma foto minha dando um beijo na bochecha do Rogério.

Meu quarto transmitia infância, transmitia a minha personalidade de quando era pequena, eu me sentia tão bem em estar ali, parecia que todos os traumas que eu tinha passado, haviam ido embora, parecia que a casa me protegia e me blindava de todos os sentimentos negativos.

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Amo escrever personagens traumatizadas, beijo

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