Pouco antes de amanhã, eu saí do trapiche a caminho da casa de Lavínia. O céu, que antes estava limpo, ficou de repente carregado, e a chuva começou a cair com força, como se o próprio tempo quisesse me deter. As gotas batiam no meu rosto e no chão com um ritmo frenético, criando poças que logo se espalhavam pela estrada de terra. Não havia mais tempo para voltar, e eu sabia que precisava seguir em frente, apesar da tempestade.
Quando cheguei à casa de Lavínia, respirei fundo, o ar pesado da chuva preenchendo meus pulmões. Sem pensar muito, pulei os arbustos que estavam atrás da casa. O impulso foi forte, mas o impacto no chão me atingiu com força, e eu não pude deixar de preguejar, sentindo cada músculo se esticar e protestar contra o esforço repentino. A dor era intensa, mas algo dentro de mim dizia que era necessária, como se o sofrimento fosse parte do processo para me aproximar do que realmente importava.
Me aproximei da porta de vidro, observando o interior da casa. Ainda estava amanhecendo, e tudo estava silencioso; todos provavelmente ainda estavam dormindo. Fiquei ali por um momento, sentindo o peso do meu próprio silêncio, como se a casa estivesse aguardando algo, ou talvez alguém. Dei um passo atrás e, então, olhei para a janela do quarto de Lavínia, que estava aberta. O vento balançava a cortina suavemente, criando uma dança tranquila entre as sombras e a luz do amanhecer. Olhei em volta, me sentindo como um intruso, mas, ao mesmo tempo, como alguém que pertence àquele lugar.
Sem pensar muito, entrei na casa de máquina, sabendo que ninguém me veria. Fiquei ali, no canto escuro, aguardando o amanhecer se revelar completamente. O som da chuva diminuía, e o silêncio da casa parecia envolver tudo.
Sem perceber, adormeci por um tempo. O cansaço e a chuva que continuava lá fora me embalaram, e antes que eu soubesse, o sono me dominou. Acordei com uma gota fria caindo diretamente no meu rosto. Era uma goteira, pingando sem cessar, e o som fez com que meus olhos se abrissem lentamente. Estava tudo quieto ao redor, como se o mundo lá fora estivesse congelado. Levantei-me com cuidado, sentindo o peso no corpo, e abri a porta da casa de máquina, verificando se não havia ninguém por perto. Tudo parecia estar em silêncio, mas eu sabia que não poderia ficar ali por muito tempo.
A chuva não dava trégua, ainda batendo forte contra o telhado e o chão. Eu me aproximei da porta de vidro novamente, forçando um pouco, até conseguir abrir uma brecha suficiente para espiar lá dentro. A casa parecia serena, mas logo vi a irmãzinha de Lavínia correr até a mesa, seu pequeno corpo se movendo rapidamente. A risada dela foi abafada pela voz de Lavínia, brava, dizendo para a menina parar de correr. "Não corre, você vai se machucar", eu ouvi claramente. Um nó se formou na minha garganta. Eu me senti mais distante, como se não devesse estar ali, observando, mas a curiosidade me prendeu àquela brecha.
Logo, a mãe de Lavínia apareceu, e eu, apavorado, me escondi rapidamente, ouvindo seus passos se aproximando. Ela caminhou até a cozinha. De repente, ela se dirigiu até a porta de vidro, e eu temi ser descoberto. A mulher a fechou com um suspiro impaciente, reclamando em voz baixa: "Quem deixou essa porta aberta?". Ela se afastou, e meu coração acelerou. Esperei alguns segundos, então voltei a olhar pelo vidro.
Foi quando vi o pai de Lavínia entrar na sala, e algo dentro de mim se apertou, uma raiva crescente queimando no peito. Lembrei-me do que ele tinha dito, sobre ela não querer mais me ver, e senti um ódio profundo tomando conta de mim. A visão dele ali, tão tranquilo, como se nada tivesse acontecido, me fez tremer de raiva.
Todos estavam ali, reunidos à mesa, conversando e rindo como uma família feliz, exceto o irmão mais velho de Lavínia, que não estava presente. A cena diante de mim me fez sentir ainda mais deslocado, como um intruso observando algo que jamais poderia ter. Eles pareciam tão unidos, tão completos, e eu, lá fora, sem poder fazer parte daquilo, sentia o vazio apertando meu peito. A dor da separação, da mentira, e da traição se misturaram, enquanto eu os observava, incapaz de agir, preso naquele momento em que o tempo parecia ter parado.
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Fearless
FanfictionConcluída Lavínia tem tudo o que sempre quis: uma família presente, riqueza e uma vida sem maiores preocupações. No entanto, sua busca por liberdade, algo que seus pais sempre lhe negaram, a faz se sentir presa em uma gaiola dourada. Em uma tentativ...