Em um certo momento de sua vida, H.P. Lovecraft disse: "A emoção mais antiga e mais forte do homem é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o medo do desconhecido." Essa simples frase se conecta com algumas ideias que o filósofo Rousseau apresentava, onde se interpreta que "A linguagem nasceu das necessidades mais primitivas do homem, moldada pelo medo e pelas emoções que clamavam por expressão."
O medo moldou nossa sociedade até os tempos de hoje, mas o mesmo sentimento que impulsionou a humanidade ao progresso também nos destrói de dentro para fora. Foi esse medo que nos paralisou naquela noite, quando eu, Deniz, Simão, Diper, Edy, Daniel e Stanley ficamos imóveis no breu que engolia nossos olhos.
A angústia e a impotência de não conseguir sequer me mexer tomavam conta de mim de forma tão intensa que as dores nas cicatrizes pareciam pequenas cócegas. Mesmo com a escola aparentemente vazia, no fundo da minha mente algo sussurrava, com uma certeza inabalável, que estávamos sendo observados.
Por alguns segundos ficamos parados, encarando o grande e medonho nada. Então, Stanley respirou fundo, enxugou o suor da testa e falou:
- Certo, calma... calma. Como vocês sabem, minha família costuma doar uma boa quantia para esta escola, mas, mesmo com essas doações, sempre ouço meu pai reclamar que nunca conseguem resolver o problema da rede de energia. Convenhamos, essa espelunca é tão velha que...
- Foda-se, ninguém liga para como sua família riquinha gasta dinheiro de merda. Vamos gravar esse vídeo logo e cair fora daqui - interrompeu Deniz, empurrando Edy para frente.
- Calma! Nesse breu não vamos enxergar nada, muito menos gravar algo que preste - disse Diper, segurando o ombro de Deniz.
- Era exatamente isso que eu ia dizer agora - Edy completou, com a voz séria. - Sugiro que a gente se divida e procure algum disjuntor ou algo que ligue as luzes.
- Na... Não de jeito nenhum! Vocês são burros? - protestou Simão, horrorizado. - Nunca assistiram fi... Filme de terror? É assim que os pe... Personagens se ferram.
- Pra sairmos mais rápido daqui, é o único jeito. Então, você vem com a gente ou fica sozinho aqui - rebateu Deniz, fechando os olhos e tentando enxergar através do breu.
Eu queria participar da discussão, dar ideias, apoiar nosso líder ou até mandar o Deniz calar a boca e parar de xingar, mas a neblina que dançava suavemente ao nosso redor me imobilizava. Quando me dei conta, Deniz já me arrastava pelo braço. O grupo havia se dividido: eu, Deniz, Diper e Stanley de um lado; Edy, Simão e Daniel do outro.
Pelo caminho, a neblina fina continuava a cobrir nossos pés, parecendo uma camada de água. Chegamos até a dispensa da escola.
- Vamos arrombar? - perguntou Deniz, já se preparando para dar impulso.
Stanley rapidamente tomou a frente, girou a maçaneta e abriu a porta, dizendo:
- Pensar antes de agir seria bom às vezes.
- E eu lá ia saber que essa porra tava aberta, seu bocó? - respondeu Deniz com raiva.
Entramos na dispensa, que era uma sala enorme e sem janelas. Havia cadeiras, mesas, estantes e uma bagunça acumulada de eventos passados.
- Procurem o disjuntor - ordenou Stanley.
Minha cabeça estava a mil, e eu sabia que, se tentasse ajudar, provavelmente acabaria atrapalhando. Então, me encostei numa mesa. Para minha surpresa, Diper veio até mim e se sentou ao meu lado.
- E aí, mano? Como você entrou nessa furada? Presumo que foi do mesmo jeito que eu - disse ele rindo enquanto cruzava os braços.
Dei uma risada sincera e respondi:
- Presumo que sim também.
- Você parece ser gente boa. Sempre te vi no pátio da escola conversando com a Pandora. Não sei por que nunca trocamos uma ideia antes - comentou ele descruzando os braços e coçando o ombro.
- Pra falar a verdade, todo mundo tem um certo receio de falar com você, já que anda com os Pines. Mesmo que eles sejam a família mais rica da cidade, dinheiro não compra carisma - respondi, ainda intrigado com a estranha neblina.
- Nada a ver, mano. Dinheiro é só papel. No fim das contas, estamos todos juntos nessa merda de cidade - diz ele soltando uma gargalhada. - Aliás, lembro de ver você de frente ao orfanato. Você brincava com aquele esquisito do Tomás, né? Que fim ele teve?
- Nossa, isso foi quando eu tinha uns sete anos. Não passa um dia sem que eu pense nos dias ensolarados em que eu, Deniz e o Tomás jogávamos futebol na frente do orfanato - respondi, pensativo. - Mas, por causa do envolvimento da família dele em umas coisas, as freiras proibiram a gente de brincar juntos.
- Entendi.
De repente, um clarão iluminou o lugar, seguido pelo som de um estralo. As luzes da escola haviam voltado.
- Aeeee, porra! Achei o disjuntor! - gritou Deniz comemorando.
O alívio de finalmente termos luz foi breve. Logo, ouvimos um grito desesperado vindo de longe:
- EDY! ACORDA! PAULO, DENIZ... ME AJUDEM!
Corremos em direção à voz e nos deparamos com o banheiro masculino. Ao abrir a porta, vimos Simão e Daniel encostados na parede, enquanto Edy, com os olhos completamente brancos, encarava um grande espelho imóvel.
Deniz correu até ele, tentando despertá-lo. Quando pensei em fazer o mesmo, um arrepio percorreu minha alma. A neblina se tornava mais densa no banheiro, e as luzes piscavam freneticamente.
Diante de todos, o espelho começou a ondular, como se uma pedra tivesse caído na água. De dentro dele, dedos começaram a surgir, seguidos por um braço e, finalmente, um corpo.
A figura que emergiu era inconfundível: uma menina de cabelos pretos e vestido branco flutuava diante de nós. Sua presença exalava morte. Minhas cicatrizes começaram a doer novamente, mas, ao olhar para meus braços, vi um lodo negro escorrendo pelas ataduras.
Com um grito ensurdecedor, a menina avançou em direção a Edy.
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Marcado pela morte
HorrorPaulo Cezar é um jovem com uma infância marcada por cicatrizes e memórias sombrias, vivendo em um orfanato pacato no interior de Minas Gerais. Quando a tranquilidade da pequena cidade é quebrada por uma presença inexplicável, ele descobre que o para...