Cap. 10: Presença que traz a morte

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Em um certo momento de sua vida, H.P. Lovecraft disse: "A emoção mais antiga e mais forte do homem é o medo, e o medo mais antigo e mais forte é o medo do desconhecido." Essa simples frase se conecta com algumas ideias que o filósofo Rousseau apresentava, onde se interpreta que "A linguagem nasceu das necessidades mais primitivas do homem, moldada pelo medo e pelas emoções que clamavam por expressão."

O medo moldou nossa sociedade até os tempos de hoje, mas o mesmo sentimento que impulsionou a humanidade ao progresso também nos destrói de dentro para fora. Foi esse medo que nos paralisou naquela noite, quando eu, Deniz, Simão, Diper, Edy, Daniel e Stanley ficamos imóveis no breu que engolia nossos olhos.

A angústia e a impotência de não conseguir sequer me mexer tomavam conta de mim de forma tão intensa que as dores nas cicatrizes pareciam pequenas cócegas. Mesmo com a escola aparentemente vazia, no fundo da minha mente algo sussurrava, com uma certeza inabalável, que estávamos sendo observados.

Por alguns segundos ficamos parados, encarando o grande e medonho nada. Então, Stanley respirou fundo, enxugou o suor da testa e falou:

- Certo, calma... calma. Como vocês sabem, minha família costuma doar uma boa quantia para esta escola, mas, mesmo com essas doações, sempre ouço meu pai reclamar que nunca conseguem resolver o problema da rede de energia. Convenhamos, essa espelunca é tão velha que...

- Foda-se, ninguém liga para como sua família riquinha gasta dinheiro de merda. Vamos gravar esse vídeo logo e cair fora daqui - interrompeu Deniz, empurrando Edy para frente.

- Calma! Nesse breu não vamos enxergar nada, muito menos gravar algo que preste - disse Diper, segurando o ombro de Deniz.

- Era exatamente isso que eu ia dizer agora - Edy completou, com a voz séria. - Sugiro que a gente se divida e procure algum disjuntor ou algo que ligue as luzes.

- Na... Não de jeito nenhum! Vocês são burros? - protestou Simão, horrorizado. - Nunca assistiram fi... Filme de terror? É assim que os pe... Personagens se ferram.

- Pra sairmos mais rápido daqui, é o único jeito. Então, você vem com a gente ou fica sozinho aqui - rebateu Deniz, fechando os olhos e tentando enxergar através do breu.

Eu queria participar da discussão, dar ideias, apoiar nosso líder ou até mandar o Deniz calar a boca e parar de xingar, mas a neblina que dançava suavemente ao nosso redor me imobilizava. Quando me dei conta, Deniz já me arrastava pelo braço. O grupo havia se dividido: eu, Deniz, Diper e Stanley de um lado; Edy, Simão e Daniel do outro.

Pelo caminho, a neblina fina continuava a cobrir nossos pés, parecendo uma camada de água. Chegamos até a dispensa da escola.

- Vamos arrombar? - perguntou Deniz, já se preparando para dar impulso.

Stanley rapidamente tomou a frente, girou a maçaneta e abriu a porta, dizendo:

- Pensar antes de agir seria bom às vezes.

- E eu lá ia saber que essa porra tava aberta, seu bocó? - respondeu Deniz com raiva.

Entramos na dispensa, que era uma sala enorme e sem janelas. Havia cadeiras, mesas, estantes e uma bagunça acumulada de eventos passados.

- Procurem o disjuntor - ordenou Stanley.

Minha cabeça estava a mil, e eu sabia que, se tentasse ajudar, provavelmente acabaria atrapalhando. Então, me encostei numa mesa. Para minha surpresa, Diper veio até mim e se sentou ao meu lado.

- E aí, mano? Como você entrou nessa furada? Presumo que foi do mesmo jeito que eu - disse ele rindo enquanto cruzava os braços.

Dei uma risada sincera e respondi:

- Presumo que sim também.

- Você parece ser gente boa. Sempre te vi no pátio da escola conversando com a Pandora. Não sei por que nunca trocamos uma ideia antes - comentou ele descruzando os braços e coçando o ombro.

- Pra falar a verdade, todo mundo tem um certo receio de falar com você, já que anda com os Pines. Mesmo que eles sejam a família mais rica da cidade, dinheiro não compra carisma - respondi, ainda intrigado com a estranha neblina.

- Nada a ver, mano. Dinheiro é só papel. No fim das contas, estamos todos juntos nessa merda de cidade - diz ele soltando uma gargalhada. - Aliás, lembro de ver você de frente ao orfanato. Você brincava com aquele esquisito do Tomás, né? Que fim ele teve?

- Nossa, isso foi quando eu tinha uns sete anos. Não passa um dia sem que eu pense nos dias ensolarados em que eu, Deniz e o Tomás jogávamos futebol na frente do orfanato - respondi, pensativo. - Mas, por causa do envolvimento da família dele em umas coisas, as freiras proibiram a gente de brincar juntos.

- Entendi.

De repente, um clarão iluminou o lugar, seguido pelo som de um estralo. As luzes da escola haviam voltado.

- Aeeee, porra! Achei o disjuntor! - gritou Deniz comemorando.

O alívio de finalmente termos luz foi breve. Logo, ouvimos um grito desesperado vindo de longe:

- EDY! ACORDA! PAULO, DENIZ... ME AJUDEM!

Corremos em direção à voz e nos deparamos com o banheiro masculino. Ao abrir a porta, vimos Simão e Daniel encostados na parede, enquanto Edy, com os olhos completamente brancos, encarava um grande espelho imóvel.

Deniz correu até ele, tentando despertá-lo. Quando pensei em fazer o mesmo, um arrepio percorreu minha alma. A neblina se tornava mais densa no banheiro, e as luzes piscavam freneticamente.

Diante de todos, o espelho começou a ondular, como se uma pedra tivesse caído na água. De dentro dele, dedos começaram a surgir, seguidos por um braço e, finalmente, um corpo.

A figura que emergiu era inconfundível: uma menina de cabelos pretos e vestido branco flutuava diante de nós. Sua presença exalava morte. Minhas cicatrizes começaram a doer novamente, mas, ao olhar para meus braços, vi um lodo negro escorrendo pelas ataduras.

Com um grito ensurdecedor, a menina avançou em direção a Edy.

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