Meu pai e eu não havíamos trocado uma palavra desde a conversa no escritório. Ele nem sequer olhava em meu rosto, mas mesmo assim eu sentia a sua raiva exalando no ar.
Mas apesar de sua negligência relacionada a mim, nada conseguia mudar a paz que eu estava sentindo, como se eu tivesse me libertado de algemas que me prenderam por anos.
Meu maior desejo naquele momento era que meu pai reconhecesse o mau estar que ele havia me causado, e o quão bem eu me sentia por pode fazer o que eu queria.
Me perguntava como meus irmãos haviam conseguido lidar com tanta pressão por tanto tempo, já que meu pai também controlava suas vidas desde sempre.
Todos seguiram os passos que meu pai mandava, cursavam a faculdade que ele queria, atuavam em áreas dentro da empresa que ele criou. E também escolhia quem seriam seus parceiros românticos.
No mínimo doentio, eu diria.
Sento sobre a borda da piscina e ponho meus pés na água gelada me sentindo relaxado. Fazia tanto tempo que eu não tinha um tempo livre sem meu pai enchendo minha cabeça com suas vontades, que eu nem sequer frequentava mais essa área de casa. Estava sempre ocupado com estudos, futuro, funções que eu assumiria na empresa ou aquele relacionamento falso.
Sinto uma mão em meu ombro, levanto meu olhar e observo minha irmã Diana sentar ao meu lado.
- Como você 'tá se sentindo? - ela pergunta lançando um olhar preocupado.
- Incrivelmente bem. - sorrio.
- O papai não pode dizer o mesmo. - ela ri fraco. - Ele tá bem puto agora, ninguém nunca disse "não" pra ele antes. E tenho que te dar os parabéns porque eu nunca teria coragem de ir contra nosso pai.
- Nem eu sei como eu tive coragem. Acho que estava tão cansado de não ter escolha sobre nada, e ser obrigado a fazer coisas que eu não queria, que eu simplesmente explodi. Ele já tem controle sobre vocês três, não é possível que ele precisa ter controle sobre mim também. - desabafo.
- No começo eu também me sentia assim, mas com o tempo você só aceita. Ele faz isso pro nosso bem Yann, ele quer o melhor pra nós, não esquece disso.
- Desculpa Di, mas pra mim ele só é um cara egoísta. Se você se conformou em não ter controle sobre sua própria vida, foi uma escolha sua, mas eu não vou aceitar. - me levanto e vou em direção a entrada da casa.
Eu não seria como meus irmãos, não mesmo. Eu nunca mais seria fantoche de ninguém.
Naquela manhã, assim que cheguei à mesa do café, meu pai se levantou e se retirou imediatamente. Minha mãe chamou seu nome mas ele também a ignorou.Me doía ver meu próprio pai me tratando assim, mas ele teria que dar o braço a torcer pelo menos uma vez.
Assim que cheguei na escola, algumas pessoas ainda me lançavam olhares maldosos, outros cochichavam com seus amigos. Eu odiava toda aquela atenção desnecessária.
Provavelmente Samanta estava se pintando como a pobre vítima indefesa que teve seu coração partido por um garoto babaca - que no caso seria eu. E boa parte da escola cairia nesse papo.
Mal sabe eles o quão podre aquela garota conseguia ser.
Me direciono a minha sala e apenas poucos alunos já se encontram nela, um deles era Anny.
Assim como de costume, ela estava com os fones em seu ouvido e portava um olhar vago, como se estivesse navegando em seu próprio mundo.
Estava sentada na carteira dos dias anteriores, então me pus a sentar na que ficava a sua frente. Mesmo após me aproximar, ela ainda não havia notada a minha presença.
- O que você 'tá escutando? - pergunto retirando um dos lados do seu fone e pondo em meu ouvido. Ela toma um leve susto e eu sorrio reconhecendo a melodia da música. - The neighborhood? Até que você tem bom gosto. - brinco.
- Você escuta música indie? - sua feição é de surpresa. - Por essa eu não esperava.
- Só quando ninguém tá vendo. - dou uma piscadela devolvendo o lado do fone. Ela sorri fraco e acho que era a primeira vez em que eu a via sorrir em muito tempo.
Mesmo sem nos falar por anos, eu ainda me sentia bem na presença dela. Como se eu voltasse no tempo, tínhamos 13 anos e éramos melhores amigos, e nada tinha mudado.
Eu tentava buscar na minha memória como de fato a nossa amizade tinha acabado, mas minha mente pulava para quando o lugar de Anny havia sido ocupado por Samanta.
Até que no começo da minha relação com Samanta tudo ia bem, eu gostava de estar com ela, mas nunca a tinha visto de outro jeito a não ser como amiga, mas bastou meu pai saber de quem Samanta era filha para nossa amizade ser substituída por um romance fajuto.
Eu desejava mentalmente para que Anny não tivesse ressentimentos do que havia acontecido no passado - por mais que eu não lembrasse o que fosse - e pudéssemos ser amigos de novo, pois ela era como uma luz em meio a todo aquele amontoado de relações falsas que eu havia me enfiado para ser o garoto perfeito pro meu pai.
Eu podia voltar a tomar as decisões, e naquele momento, eu queria poder ter Anny novamente em minha vida.
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As vantagens de ser invisível
RomanceAnny é uma menina simples e praticamente invisível. Yann é popular e desejado por todas. Dois adolescentes que vivem em mundos totalmente diferentes serão capazes de se envolver em um romance?