Janeiro – 2003
Dublin – Irlanda
~ Maire ~
Eu sempre fui diferente. E, o pior: eu sempre soube disso.
As pessoas não percebiam. Aos olhos dos meus pais, eu era apenas uma garota como todas as outras: gostava de brincar de bonecas, de pegar as roupas da minha mãe, de me maquiar, de acessórios cor-de-rosa... Mas o que eles não sabiam é que, mesmo gostando de tudo isso, eu também gostava de meninas.
Eu tive um namorado. Um carinha bonito, carinhoso, dedicado, inteligente... que só tinha um defeito: gostar de alguém que nunca conseguiria corresponder corretamente a isso. Mas ele logo percebeu isso... E os motivos disso também.
Passamos umas três ou quatro horas na sala do apartamento que ele havia acabado de alugar com o dinheiro de seu primeiro emprego, no intuito de ser o lar do casal de noivos que planejava se casar dentro de um ou, no máximo, dois anos. Longas horas, de uma conversa dura, mas definitiva. Três ou quatro horas em que rimos, choramos, nos abraçamos e até levantamos o tom de voz duas ou três vezes. Lembro que a confusão na minha mente era tanta, que alternei nossa conversa com frases paradoxais como “A gente pode tentar” e “Eu não quero continuar te enganando”. Eu realmente queria tentar, porque, de fato, eu o amava. E ainda o amo, mas não como uma mulher deve amar um homem com quem planeja construir um futuro. Não como um homem maravilhoso como ele merecia ser amado. Mas, exatamente por saber que ele merecia muito mais do que eu tinha a oferecer, é que me convenci de que não poderia condená-lo àquilo.
E, assim, nós terminamos o noivado. Ele foi muito mais forte do que eu, que caí no choro. Quando me abraçou, disse ao meu ouvido que tudo ficaria bem, que torcia por mim e sabia que eu iria encontrar a pessoa certa e que seria feliz. Disse que eu deveria parar de tentar negar quem eu era. E eu decidi que por um tempo, só por um tempo, iria seguir esse conselho.
Mas, pra isso, fui para longe... Fui estudar em outro país, pra conseguir viver a liberdade de saber que, lá, talvez eu pudesse ser eu mesma.
Lá, onde ninguém me conhecia. Onde ninguém teria qualquer direito de me julgar.
Madrid – Espanha
Maio - 2004
~ Micaela ~
Eu tinha acabado de acordar quando a campainha tocou. Fazia uns dez minutos que eu havia ligado o computador para concluir um trabalho antes de sair para a faculdade.
Enquanto caminhava até a porta, perguntava-me quem poderia ser. Além de não ter parente algum da Espanha, não costumava receber visitas de colegas. Pensei logo que só poderia ser algum vizinho ou um vendedor tentando me importunar com algum produto inútil. Se estivesse mais distraída, teria até me assustado quando, ao abrir a porta, quase fui atropelada pela ruiva que adentrou o meu apartamento.
─ Bom dia! – e ela sorria, pra variar.
Como alguém poderia ser tão feliz às sete da manhã?
Permaneci parada junto à porta, olhando abismada para a invasora.
Também não fiz cerimônia para perguntar:
─ O que está fazendo aqui?
─ Vim conhecer a sua casa. – ela respondeu, enquanto olhava ao redor, como uma criança curiosa – E te contar as novidades. Falei para a minha mãe que te conheci.
Continuei olhando-a, perguntando-me qual a relevância daquele diálogo.
─ E? – indaguei.
─ Oh, ela ficou radiante! Disse que ela e sua mãe eram ótimas amigas e que faz bom grado que eu faça amizade com a “pequena Mic”.
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Micaela&Maire
RomansaMaire Goldsmith é irlandesa e cursa Biologia na Universidade de Madrid. Linda, delicada, simpática, agradável, extrovertida e ambientalista ferrenha... Não é a toa que é chamada pelos amigos de "garota-perfeição". Já a italiana Micaela Angeli seria...