[Cap. 7] Não pode estar acontecendo

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Três semanas depois

Nos dias que se passaram eu descobri que Leona estava bem com seu namorado. Parte de mim sofreu ao ler sua mensagem dizendo tal coisa. Isso já era bem idiota, ainda piorava quando ela dizia que sentia muito, eu sabia o significado daquilo. Não queria que ela se preocupasse, não mais. A outra e pequena parte de mim se sentia feliz por ela estar feliz. Nós não nos falávamos com tanta frequência, mas ainda nos encontrávamos as vezes. Quando o grupo se reunia era mais fácil e mais discreto. Isso só existia na minha cabeça, encontrar com ela discretamente, fingir ir pra ficar com a galera e na verdade ficar conversando com ela, mas no fundo eu queria acreditar que ela fazia o mesmo, pensava o mesmo. Mesmo querendo e não querendo atrapalhar o relacionamento da garota. Eu sou muito indeciso.

Todos os dias que saíamos do colégio, eu, Daniel e Elizabeth íamos juntos pra casa. Nossas casas ficavam a quarteirões de distância. Era fácil de um chamar o outro pra fazer qualquer coisa. Leona sempre voltava com James pra casa, naquela parada que eu nunca mais ousei voltar, no centro haviam várias com ônibus destinados a ruas próximas a minha casa. Talvez não tão próximas.

Hoje era uma sexta feira. Outra sexta feira, como aquela do dia da Praia-negra. Aquele foi um dia bipolar, mas eu gostei. Nós três saímos da escola felizes, as férias estavam chegando. Até na escola de Elizabeth. Fomos até uma sorveteria ali perto e ficamos apenas conversando, matando o tempo. Decidimos que íamos voltar andando até nosso bairro. 30 minutos andando. Apesar de estar com preguiça, seria bom.

- Então Diego, falou com a Leona hoje? - Daniel perguntou, mordendo o copo de plástico descartável do sorvete.

Eu nem sequer o olhei pra responder, não queria falar sobre isso, mas ele sempre insistia em começar o assunto. Todo santo dia.

- Falei Dan, ela tá bem ocupada com uns trabalhos. Coisa que nós sempre deixamos pra fazer dois/um dia antes. - Respondi, terminando o sorvete e assistindo a tv que tinha no estabelecimento.

- Ela parece ser uma garota legal. - Elizabeth disse, em um tom meio esquisito. Como se tivesse dito apenas pra nos agradar.

- É, o Dan é legal, você é legal, eu não sou legal, muitos são legais. Que maravilha. Agora vamos indo? - Perguntei sorrindo.

Elizabeth e Daniel riram, me olhando estranho. Daniel se levantou e foi até a garota cochichar algo que eu não ouvi. Eles continuaram me olhando, mas Elizabeth parou e desviou o olhar, deixando Daniel sozinho, e ele não parou por ai.

- É tão obvio cara, nós já sabemos que você gota dela. Eu sei, mas a cada conversa sobre ela, você só deixa mais óbvio. Tá tão apaixonado assim? - Ele perguntou. Eu não gostei muito, não entendi como conselho, foi mais como uma curtição comigo, mas eu não fiquei chateado. Era uma verdade que eu queria esquecer.

- Se você ficar me lembrando de três em três dias eu nunca esqueço né? Seu idiota. - Sorri e dei um tapa atrás da cabeça do garoto. - Relaxa, isso tá passando. Eu vou ficar bem. - Olhei para Elizabeth que estava apenas observando calada a conversa. - E você garotinha dos mares, tudo bem? - Perguntei.

Ela não mudou muito a expressão quando sorriu com o apelido, mas ao menos pareceu gostar. Elizabeth estava sendo uma boa pessoa até agora. Nunca tive amigos assim, de lugares que não são os mesmos que os meus. Ainda sim ela dizia que nós eramos melhores do que todos da sua sala. Dizia que lá só havia futuras prostitutas e futuros presidiários. Eu não duvidava, mas talvez fosse um exagero generalizar.

- Eu.. eu.. tô bem sim. Vou ficar melhor se você ficar também. Diego, ficar triste não legal, não gosto de ver ninguém triste sabe? Dá uma tristeza. - Ela disse, tentando sorrir e um pouco nervosa.

- Iiih, quando gagueja assim. - Daniel levantou e começou a andar, com sua mochila na costa. - Vou deixar os... - Ele recebeu um chute de Elizabeth, o que me deixou totalmente confuso quanto a situação. - AAAAI! - Daniel berrou, chamando atenção. Eu comecei a rir e peguei a minha bolsa e a de Elizaebth, andando até eles.

- É, eu acho que já vamos. - Falei e joguei a bolsa para a garota que olhou séria para Daniel e começou a andar.

Eram exatamente 18:30. Estava um pouco frio, e nós três andávamos pela calçada da avenida, chegando a um mini super mercado. Lembrei que eu estava com uma vontade imensa de comer macarrão instantâneo no jantar e falei que não demoraria. Eles me esperariam na porta. Dentro do estabelecimento, eu fui seguindo pelas fileiras até chegar na que eu avistasse os pacotes. Não tinha quase ninguém no lugar. Apenas eu, um casal olhando fraldas na ala infantil, dois caras no fundo e homem no caixa eletrônico. Não havia reparado no que os dois faziam, mas senti algo estranho, uma desconfiança repentina. Tentei ignorar e sair logo dali. Peguei o pacote de Nissim e fui até o caixa. Eu paguei e justamente quando ia pegar a sacola senti algo encostando na minha costela, na parte de trás. Eu queria muito pensar que era só um pessoa querendo informação, ou algo assim, mas no fundo eu sabia o que era. Só não queria acreditar.

- Não se mexe, e nem você. - Um homem falou.

Senti um cano gelado de um provável revolver 38, pelo formato em círculo que tocava minha costa. No mesmo momento eu congelei ali, com a mão parada pouco acima da sacola do nissim. Não sabia se falava algo, ou se fazia algo, não conseguia pensar em nada. Só em obedecer. Não queria morrer e estava apavorado.

- Olha cara, o caixa é seu, pode levar o que quiser só não faz nada com a gente. - Nós vamos cooperar, sem problemas certo? - Apesar do nervosismo, o homem do caixa agiu bem.

Na porta havia um guizo que avisavam se alguém entrasse ou saía. Eu estava de costa para a vidraça da loja, não conseguia mais ver Elizabeth e Daniel. Comecei a pensar no lado de dentro e rezar pra que eles não entrassem. Não ouvi os guizos antes, então o casal foi abortado pelo outro homem, provavelmente. Podia ser que os dois estivessem armados, ou não. A intimidação é fácil.

- Eu vou fazer o que eu quiser cara. Tu não manda em mim. - Ele riu como se seu dedo estivesse coçando pra apertar o gatilho mirando na cabeça do homem do caixa.

Ele saiu de perto de mim e foi até o caixa tirar o dinheiro, após isso ainda pegou vários produtos nas prateleiras. Eu fiquei imóvel, no mesmo lugar. Ninguém pode fazer nada nesses momentos, é morte certa, mas só bastou um acontecimento para a minha opinião mudar. Eu ouvi o guizo.

- Ou cara, você tá demorando muito aqui e... - Daniel entrou e logo também ficou imóvel, mas seu falatório foi surpreendente de mais para o bandido.

Eu escutei de perto, pela primeira vez na vida o som de uma arma disparando. Daniel caiu e eu gritei, olhando Elizabeth por fora da vidraça se jogar no chão, olhando tudo desabar, tudo em câmera lenta. Me virei para o bandido que pareceu mover o braço pra mim demorando três minutos. Eu levantei os braços. Apesar de ele ter parado, dava pra ver nos olhos do homem que o mesmo não ia parar. Ele estava tão apavorado quanto eu, mas eu não queria mesmo morrer. Me abaixei segundos antes e após o disparo levantei o braço, batendo e jogando a arma dele pra bem longe. Quando o mesmo tentou correr eu enrosquei minha perna nas dele e o mesmo caiu. Surtado, o homem do caixa atirou o seu monitor na cabeça do bandido, desmaiando o mesmo. Quando olhei pro outro cara, ele estava igual. Graças a toda distração o homem que escolhia fraldas com a sua mulher também acertou o outro vagabundo. Eu quis ajoelhar ali e suspirar até repor as forças, mas lembrei de Daniel e arregalei os olhos. Corri até o garoto.

- Dan, cara, calma. Eu tô aqui, não vou sair. Vou pegar seu celular e avisar sua família. - Ele nem estava ouvindo, estava tentando manter os olhos abertos.

Eu mantinha a cabeça dele levantada e sacudia algumas vezes pra mantê-lo acordado. O projétil se alojou na barriga, no chão já era visível um pequeno círculo de sangue em baixo de seu corpo. minhas mãos e minha farda, junto a dele, estava ensanguentadas. Elizabeth chegou chorando, tentando ajudar a manter o garoto acordado. Ela já tinha ligado a ambulância antes de mim, e ligou aos pais também. Graças a Deus Daniel seguiu vivo até o hospital, com nós dois na ambulância. A notícia se espalhou muito rápido. Pais contando a pais, alunos e mais testemunhas próximas. Rapidamente chegamos lá, quase ao mesmo tempo que os pais de Elizabeth, obviamente os de Daniel, dos quais eu já conhecia, e me surpreendendo, Leona e seus pais também tinham chegado. Acho que não foi uma grande surpresa, eu sabia que ela gostava do Daniel e havia se tornado minha amiga e dele. Ele foi levado e nós ficamos na espera. Só os pais dele seguiram mais adentro do Hospital. Eu não tinha palavras pra nada. Eu não podia perder o melhor amigo que eu já tive, o único. Ele sempre me tirava do sério, sempre fazia piadas, eu sempre ria, sempre gostei no fundo. Ela não pode mesmo ir.

- Mas o que aconteceu Diego? - Leona perguntou.
- Eu.... isso... eu não sei, foi muito rápido. - Minha mente não parava de produzir mil e outros pensamentos sobre tudo aquilo. - Tinha um cara no super mercado, ele colocou a arma em mim e o Dan entrou, então ele atirou nele. Não sei nem como eu estou aqui. - Me sentei e abaixei a cabeça, eu queria chorar, estava quase, até que senti os braços de Leona me envolvendo. Reconheci pela cor da pele. Elizabeth estava bem ao lado, junto com as duas famílias, a minha não estava lá. Eu não havia avisado ainda. Leona encostou a cabeça no meu ombro e eu senti que ela estava quase chorando também.

- Calma, ele vai ficar bem meu amor. Eu sei que vai. - Ela disse. Eu entendi a expressão carinhosa que ela teve. É como minha mãe fala comigo as vezes. Ao menos foi o que eu pensei, mas alguém chegou na hora errada.

- Amor? - Ele falou, James.

Eu levantei a cabeça, de olhos vermelhos. Não me surpreendi em nada, não tirava o pensamento de Daniel. Nem me importava com aquele cara agora, nem lembrei de desejar a Leona boa sorte mentalmente pela futura "DR". A garota se levantou rápido e começou a tentar se explicar. Eu não queria ouvir, mas não estava conseguindo ignorar. Até que Elizabeth puxou meu braço e me levou até a lanchonete próxima, dizendo aos pais que já voltava e deixando Leona apenas nos olhando ir, ou não. Eu nem percebi o trajeto que fiz. Estava desnorteado demais pra isso. Ele comprou uma água e me fez tomar. Eu quis voltar pra lá, mas ela me segurou e olhou nos meus olhos.

- Di, a gente não pode fazer nada agora. - Ela disse, sentada num banco alto. A lágrima no rosto meio queimado de sol da garota brilhava com a luz da lâmpada da lanchonete, que na verdade era um automóvel, um trailer.

Eu continuei olhando o vazio.

- Vocês tem alguém no hospital? - O moço de bigodes que parecia ser o dono da lanchonete móvel falou. -
- Sim, um amigo nosso levou um tiro em um assalto no Vicente de Sá. - Ela respondeu o homem.
- Bairro perigoso, sei bem como é. Já fui assaltado e quase morri. Já vivi na pele o que o amigo de vocês está passando. Olha, vocês não podem fraquejar agora, sejam positivos, ele vai sair e vai precisar de vocês fortes junto dele. - Ele falou, me fazendo levantar a cabeça. - Vocês devem estar com fome. Aqui, dois hambúrgueres, por conta da casa. - Ele parecia já ter preparado alguns e apenas os ofereceu a nós dois.

Eu fiquei olhando por um bom tempo o Hambúrguer, parado. Ele estava certo, mas como fazer qualquer coisa sabendo que ele está lá só porque eu queria comer macarrão instantâneo no jantar? Eu ia começar a chorar, mas senti as mão de Elizabeth tocando a minha e a levando até a boca com o alimento.

- Pense positivo. - Ela falou e tentou sorrir e parecer o mais reconfortante possível.

Eu consegui devolver o sorriso mais estranho que já dei na vida e então tivemos nossa refeição. Eu olhei pra trás e reparei que Leona ainda discutia, bem ao longe. Ela virou no mesmo momento, sem querer. Me olhou lanchando com Elizabeth e não esboçou tristeza. Sobre o que realmente seria? Eu ou ele? Elizabeth reparou meu olhar.

- Eu sei que você gosta dela, e sei que esse é o melhor momento pra te falar algo assim. Eu não preciso de resposta alguma, só preciso enfim falar pra você. - Ela falou, me deixando nervoso. Não conseguia esquecer Daniel, não era realmente uma boa hora, e eu comecei a entender o que era.


- Di, eu gosto de você.



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