A caçada

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Londres, 25 de Maio de 1665.
Todos dizem que essa foi a data da minha morte mas na verdade foi o dia do meu renascimento, a peste negra ou peste bubônica como é conhecida hoje assolava o país e pessoas não passavam de apenas corpos em decomposição . A grande praga dizimou cerca de 100 mil pessoas, não sabíamos como combater a peste , cachorros e gatos foram isolados afim de evitar a proliferação, péssima ideia, pois eles controlavam o verdadeiro transmissor : o rato. Valas enormes foram cavadas para depositar os restos mortais. A cidade tinha cheiro de morte. Comigo não foi diferente, vi meus pais e minhas irmãs morrerem lutando contra a doença que dizimava sem piedade não importava a classe social, ricos ou pobres todos tínhamos o mesmo destino, um cadáver ambulante. O fim desse tormento se deu em 1666 com um grande incêndio aniquilando as favelas e lugares mais pobres. Nasci na América Latina e me criei em Londres isso explica muita coisa a começar pela forma que todos me olhavam como se eu fosse um animalzinho de estimação, meus traços marcantes nada combinavam com as damas da alta sociedade e vez ou outra eu era forçada a limpar as latrinas em troca de alimentos .Aos 20 anos fui deixada para morrer após ter sido violentada e espancada pelo filho de um senhor muito importante no vilarejo, minhas roupas rasgadas mesclavam-se aos corpos putrificados , mal conseguia pronunciar um som para pedir ajuda quando um lobo arrastou-me para longe do vale da morte. Pensei que seria devorada por aquele animal, a comida era escassa na região mas ele simplesmente sentou ao meu lado e ficou a me observar. Pensei ter ouvido vozes em minha mente que repetia sem cessar:
- Aguente firme minha senhorita, você ficara bem. Meu nome é Claus e serei seu guardião.
Uma tiara foi depositada em cima de mim e ao tocar minha pele ela reluziu, nada mais pude ver ou sentir, meu pulmão já não tinha mais forças e meu coração dava seu ultimo pulsar. Presa na escuridão vi meu corpo ser levado por aquele animal, e assim começa minha história .As lágrimas que correm por meu rosto revelam o que um dia eu fui e nada que eu faça poderá mudar isso. Conquistei meu espaço com luta e força, me sinto livre, capaz de superar meus limites e cada vez mais superarei a mim mesma. Por mais que você me odeie não posso deixar de ser o que eu sou e nada me fara mudar de opinião. Hoje sou capaz de lidar com meus instintos, minha força vem daquilo que todos julgavam que eu não era capaz, sou escorpiana nata, guerreira por natureza. Meus inimigos me chamam de... "Ashy".

Brasil dias atuais.
Mais uma noite como outra qualquer, a verdade é que o tédio está me matando, que irônico... como se eu pudesse morrer. Tudo está silencioso demais e a chuva fina não ajuda em nada, meu casaco sobretudo me protegeria do frio se eu ao menos pudesse sentir isso. Isso foi uma das coisas que perdi ao ser recrutada para o legado dos guardiões, se você me perguntar se estou viva minha resposta será sim e não. Minha alma está viva e isso é o suficiente para você saber, não sinto frio ou calor, meu instinto é assassino e para o azar de muitos tenho força e agilidade um tanto fora do comum. Claus meu guardião apesar de mal-humorado sempre me fazia companhia , as caçadas eram mais interessantes com ele.
- " in the dark always..." - não posso esquecer de colocar o celular em modo silencioso, isso sempre acontece e já tive muitos problemas com isso.
- Ashy falando.
- Ashy, tenho notícias importantes sobre o caso Hakan.
- Achei que esse caso já estivesse encerrado Claus.- o caso Hakan era algo que Claus insistira em desvendar, ele acha que os guardiões estão escondendo alguma coisa importante. Mesmo sendo um membro excluído jamais pudera se desconectar do submundo, assim como eu Claus teve seus dias de guerra e hoje trabalha a serviço da humanidade.
- Falta pouco mas posso garantir-lhe minha senhorita que terás muito trabalho, a começar por resgatar uma garota das mãos da sétima casa. Acho que isso será um deleite para senhorita. Ao que parece foi levada para ser sacrificada num ritual de passagem durante a lua de sangue.
- A casa de Libra...
- Sim a casa de Libra. Sei que a senhorita ainda está ressentida por kisha mas não será fácil, sua adoração pelo poder pode ser seu fracasso. Terá que dominar isso se quiser entrar na sétima casa, e, Ashy seu sentimento de vingança será saciado mas não hoje. Você adora solapar a alma da humanidade.
- Você sabe bem o porque, vejo a podridão que eles escondem e o fato dos guardiões permitirem isso só revela uma coisa. A balança está sendo alterada outra vez como no dia em que permitiram que me levassem, só não me tornei uma guardiã das trevas graças a você ,ao menos não inteiramente. - mais de 400 anos e não consigo esquecer aquele dia, tenho pesadelos todas as noites .Mesmo após ter acabado com a vida daquele covarde que abusou de mim da forma mais sangrenta que pude ainda tenho sede de vingança por todas as pessoas que por homens como ele foram torturadas. Por que meu coração ainda dói tanto? Pensei que com o tempo eu pudesse esquecer tudo isso, não possuo mais o que um ser humano normal possuiria mas ainda sinto a tristeza na alma... Apoiada no beiral da Catedral de Aparecida vi dois homens estranhos encurralarem um casal que estava namorando na praça minutos antes, um deles era alto e vestia um casaco surrado e touca ninja o outro usava uma jaqueta azul e calça jeans, sinceramente não me importo nenhum pouco com isso, não sou dada a romances. Desperdício de tempo. Míseros bandidinhos de segunda categoria!Algo reluziu ao ser retirado do casaco do mais alto e em questão de segundos o rapaz caiu no chão gemendo não teve tempo para se defender , o cheiro de sangue atingiu minhas narinas me deixando nauseada. Mais uma dadiva concedida ao me tornar o que sou hoje. Pobre garota! Ao tentar socorrer o namorado fora agarrada e jogada no chão, implorava por sua vida e em troca recebera um tapa na cara. Aguardei olhando atentamente esperando que algum policial flagrasse a ação. Mas onde está a policia quando se precisa dela? A garota fora agarrada pelos cabelos enquanto o mais alto tentava retirar-lhe a calça. Pelos guardiões! A mesma cena se repete após seculos... não se eu impedir.
- Ashy? Ashy, ainda está aí?
-Tenho uma caçada para resolver te ligo depois.- click.
Desci do beiral com uma bela aterrizagem , nem perceberam minha presença..
- Desculpe cavalheiros mais acho que deveriam brincar com uma mulher de verdade. Que tal deixar a garota ir?
Poderiam se passar por cavalheiros da alta sociedade se quisessem mas sua alma era podre e como tal exalavam o cheiro. Como Claus havia dito, adoro solapar a alma humana, entretanto, isso se deve ao dom a mim concedido... posso ver o oculto.
- Rá rá . Que tal nos divertimos com as duas? Hein sua puta?!
-Sua mãe não te ensinou que falar palavrões é muito feio? E mais uma coisa. Desculpe docinho mais acho que você não dará conta do recado depois que eu quebrar o seu pescoço.
- O que você disse sua vadia? Vou adorar rasgar você todinha mas antes vou te ensinar o que o papai aqui sabe fazer.- Retrucou o de calça jeans.
- Sério? Você não é o meu pai e se eu fosse você teria mais respeito pelos mortos já que você será um deles... -A garota choramingava e implorava para que a deixassem ir, vi em seus olhos a minha imagem - ... Vou dizer só mais uma vez solte-a agora!
- E se eu não soltar? Por que você não vem pegar no meu pau, hein sua puta?
Não pude conter o riso quando fiz o que ele pediu e antes mesmo que ele pudesse piscar, o liquido vermelho tingiu sua calça, o rosto pálido encontrou o chão e ele gritava de dor.
- C...Co...Como... como ela fez isso?
O olhar perplexo do rapaz de casaco e a boca escancarada só revelou aquilo me dava mais prazer, o poder... e meu alimento preferido, o medo. A garota ainda estava caída no chão.
- Hum, adoro isso. É tão delicioso...- não pude deixar de dizer, isso sempre acontece.
- Sua vadia maluca- gritou o homem no chão
- Oras, oras! Ainda pode falar?
- Sua puta! Vou matar você!
- Acho melhor você calar a boca, você fala demais.- o grandalhão já estava fugindo- Hey! Onde você vai? Você é o próximo...
O comparsa corria o mais rápido que podia mas deixava um rastro de medo pelo ar, seria fácil alcança-lo .Quanto ao que estava no chão era hora de cobrar o que ele havia prometido " diversão", apenas um giro no pescoço... como os humanos são fracos e quebram-se facilmente. Antes de ir atrás do outro precisava apagar a memória da garota ou isso me traria consequências, sem contar que Claus não me deixaria em paz por minha falta de descrição. Aproximei-me da garota, seus cabelos cacheados, negros como a noite eram bem parecidos com os meus mas o olhar eram os mesmo de Kisha antes de eu ter que fazer a escolha, suas palavras ainda reverberam em minha mente
"- Ashy termine com tudo isso de uma vez é a única forma, mate-me agora enquanto ele está preso em meu corpo.
- Não posso Kisha, deve haver outro jeito. - Senti a presença de Lilian a guardiã da sétima casa.
- Ashy, devemos sela-lo agora enquanto ele está no corpo desse humano . A única forma de destruir a alma dele é matando-o.
- Não! Existe uma outra forma, precisamos encontrar os manuscritos antigos há um meio de destruí-lo durante a lua de sangue. - eu não poderia matar meu melhor amigo.
- Você tem ideia de quanto tempo isso levará? Se selarmos ele agora enquanto está no corpo de Kisha haverá uma chance de destruí-lo mas se o deixarmos ir ele ficará mais forte e mesmo com todos guardiões unidos não poderemos acabar com ele. Aliás ele é só um humano- Antes que eu pudesse impedir Lilian tocou o peito de Kisha fez o sinal do selo e sussurrou as palavras ocultas. - Faça agora!
- Não posso!
- Não há outra forma... por favor Ashy ficarei feliz por ajudar... Você sempre será minha amiga, minha irmã de alma"- atendendo seu último pedido cravei em seu peito a única coisa que poderia matar um de nós, o artefato do próprio guardião e matar Marcius com a adaga da segunda casa também ,levara consigo Kisha.
- Nunca crie vínculos com humanos, Claus deveria ter lhe ensinado isso é a mais importante lição.
Lilian virou-se de costas para mim enquanto eu segurava o corpo de Kisha transformando-se em cinza. Debaixo de seu manto havia algo volumoso.
-O que é isso que você tem guardado? - levantei-me e a puxei pelo braço, o papiro caiu no chão.- O manuscrito! Você o tinha escondido. Por que? - Com pouca habilidade que possuía com artefatos ocultos empunhei o mais firme que pude porém Lilian fora mais rápida atravessando sua adaga em meu peito.
- A lua de sangue será minha e eu serei a única guardiã a dominar todas as forças ocultas.
Lilian fugiu pensando que minha iniciação não fora completada então eu morreria com o ferimento, o que ela não sabia é que escorpiões se regeneram e o que não te mata te fortalece, um dia me vingarei."
Eu tive que fazer aquilo e agora tenho que apagar meus rastros, ninguém poderia saber que eu estive por aqui. Deixei a garota inconsciente e quando fosse encontrada pela polícia iria se lembrar somente de ela e o namorado terem sido atacados. Ao inalar o ar meu desejo se intensificou o grandalhão não estava tão longe, segui seu rastro e como os ratos que transmitiam a peste negra ele estava encurralado em um beco.
-Pode correr mas não pode se esconder... Rá Rá Rá... O que você dizia que iria fazer comigo? Mal vejo a hora de saber.
- Sua vadia fique longe de mim. Sacou? - O grandalhão puxou um punhal e o apontou para mim.
- Um brinquedinho para nós? Isso vai ficar muito interessante, vamos ver o que você sabe fazer com isso.
Ele veio para cima de mim, desviei facilmente dos golpes acertando-o vez ou outra com golpe de Muai Tai. Ele se recuperava e a cada investida era novamente golpeado.
- É só isso que sabe fazer? Eu esperava mais de um cara com o seu tamanho.
- Sua vagabunda. O que acha disso aqui. - puxou uma barra de ferro que estava jogada no chão.
- Acho que agora podemos começar... Já que você encontrou um novo brinquedinho creio que devo te mostrar os meus.
Sempre carrego comigo a espada que me fora presenteada por um sheik , sua caravana havia sido atacada por mercenários quando cruzavam o Saara. Eu estava seguindo o bando, eles carregavam consigo um artefato que era importante, a espada do rei escorpião forjada na coragem dos emirados nômades de Kasar e pertencente a oitava casa da qual sou a guardiã. A espada reluziu em minhas mãos como da primeira vez que a toquei assim como a tiara de escorpion. Ouvi passos vindo em nossa direção, não eram passos comuns pois pude sentir o oculto de forma intensa. Toquei o chão com a ponta dos dedos... Pelos guardiões! É a primeira casa, não pode ser!Espere um pouco... esse decanato não é o dela, Ariane assim como eu faz parte do primeiro decanato e essa vibração é mais intensa e negra mas mesmo assim esse oculto é da casa de Áries. Antes que eu pudesse concluir e organizar as vibrações para descobrir quem estava se aproximando fui golpeada pelo grandalhão, isso serviu somente para me deixar irritada.
- Hora de acabar com isso docinho. -Guardei minha espada pois não seria necessário gastar meu tempo com brincadeiras, eu teria que ser rápida no momento. Com agilidade retirei a barra de suas mãos e antes mesmo que ele soubesse o que estava lhe atingindo o prendi contra a parede.- Hora de um beijinho de boa noite- toquei seus lábios com os meus, seu corpo ficou rígido e caiu no chão sem vida.
- Que pena esqueci de te dizer que o beijo do escorpião é puro veneno...
Qualquer profissional por mais bem treinado que tenha sido jamais identificará a causa real da morte, o veneno não deixa vestígios e assemelha-se a um infarto. A presença do oculto ainda era forte, saindo daquele beco camuflei-me em meio a escuridão. A roupa que Claus mandou projetar para mim me permite locomover sem maiores problemas, no entanto seu gosto por espartilhos me assombra. Ao julgar como o poder se aproximava rapidamente estava claro que o segundo decanato de áries me sentiria, como Claus havia me ensinado durante as batalhas sussurei as palavras em latim, fiz o sinal para selar minhas sombras. Senti o meu oculto recuar rapidamente obedecendo o meu comando, era como se milhares de ferrões de scorpions percorresse minha pele afundando-se em meu interior, meu cabelo tingiu de vermelho e meus olhos perderam sua cor negra. Saí de onde eu estava e indo de encontro ao guardião, sua presença era um tanto atraente mesmo sendo tão negra. Ao virar a calçada deparei-me com um homem de aparência jovem e de grande porte assemelhando-se a um Viking. Era um dever descobrir o que ele fazia aqui, manter a segurança de onde Kisha tinha como o seu lar era a única forma de preservar sua memória viva, assegurar que sua linhagem tivesse uma vida plena tornou-se minha obrigação. Com sorte eu poderia esbarrar naquele homem e descobrir algum rastro de Lilian. A rua estava escorregadia para um humano normal caminhar, decidi colocar em prática meu plano. Ao me aproximar simulei um desequilíbrio e o segurei onde a pele estava exposta, vi rapidamente seus lampejos. Oh céus, mas que azar!
- Sua imbecil! Por quê não toma cuidado por onde anda?
Ele puxou o braço bruscamente e fui lançada ao chão, claro que eu poderia ter me colocado de pé sem problema algum com classe e elegância , no entanto, eu era ali naquele momento uma jovem humana e fraca. Soltei um leve gemido que soou mais como indignação do que dor, não importava como soara pois o Viking aproximou-se de mim com receio de ser notado por quem quer que fosse, olhava com impaciência para todos os lados.
- Sua tola! Você está bem? Ande levante-se não quero ter problemas. - Estendeu a mão para que eu pudesse me levantar, novamente fingi, mas dessa vez com mais convicção.
- Ai, ai, ai... Não posso. Acho que quebrei o tornozelo.
- Que inferno! Ainda mais essa? Deixe me ver.
Rudemente pegou meu tornozelo em suas mãos, então pude ver mais sobre o misterioso da primeira casa.
- Não, não está quebrado. Vamos levante-se.
Eu já poderia acabar com a farsa, era hora de liberar meu oculto pois eu não estava lidando somente com um simples guardião mas sim com um guardião das trevas, segundo decanato de Áries. O que acontecera com Ariane? Sibilei as palavras de libertação " liberium umbre" ,assim que ordenei senti Scorpion surgir em minha pele caminhando por meu corpo até se alojar em posição de ataque em minhas costas.
Scorpion é o oculto mais temido do zodíaco e seu poder dificilmente poderá ser domado. Em tempos de guerra quando eu era dominada por ele raramente me lembrava do acontecido, a única coisa que eu via ao meu redor era a carnificina causada por meu oculto. A intensidade de seu amor infelizmente também é a mesma de seu ódio. Assim que Scorpion cravou suas pinças em minha homoplata senti minhas feições físicas voltarem ao original numa velocidade que olhos humanos não poderiam acompanhar, meus olhos e cabelos se tornaram negros como a noite novamente, o sabor do veneno vinha tingir meus lábios de vermelho sangue. Para a surpresa do belo espécime a minha frente levantei-me sem fazer um só esforço.
- Oras, oras! O quê você faz aqui? Seu nome é Ashy, não é? A guardiã da casa de Scorpion, a promissora... Engraçado, pensei que você fosse mais forte, mas o que eu sinto é o poder de uma jovem iniciada, uma recém-nascida. - Ele me avaliava como quem avalia um filhote de gato.
- Acho que não devo demonstrar meu poder aqui. Não acha, viking? Ou devo chama-lo de segundo?

AshyOnde histórias criam vida. Descubra agora