Uma batida na porta fez todos se assustarem.
- Que maluco teria coragem de vir aqui? A uma casa de donos que são considerados mortos?-Cintia perguntou a si mesma, assim que se pôs de frente para a porta para abri-la. Ao fazê-lo exclamou:
- Cassandra! Oh! Que bom vê-la! Achei que tivesse se mudado pra bem longe!? O que faz aqui?- Cátia perguntou. Abrindo espaço para a ex-governanta da casa entrar.
- Oh, querida! Uma pergunta de cada vez. Sim me mudei pra bem longe, por isso a notícia chegou tarde...- a mulher, com alguns cabelos já grisalhos, pôs as mãos em cima da barriga, que tinha aumentado um pouco desde a última vez que estivera naquela casa, e suspirou com um semblante triste, exibindo algumas rugas.- Como minha pequena está?
- Nada bem Cassandra. Não saiu do quarto desde a morte, nem no enterro do pai foi, depois que tiraram o corpo de lá ela não saiu mais. Alguns empregados já me disseram que ela sai às vezes para ir a praia, mas é raro. Não come direito... E isso a três anos! - Cintia exclamou tristonha. - E quem é o rapaz que vejo atrás da senhora?- Cintia exclamou. Apesar de ser bem mais velha do que ele, Cintia não podia negar que era um tanto bonito.
- Ah! Desculpe... Este é meu filho, Willian! O que tanto falei e que as vezes o trazia pra a mansão quando pequeno, pra brincar com Maryanne.- Cassandra falou abraçando o garoto que tinha nas mãos duas grandes malas e uma bolsa pequena.
- Sim! Lembro-me dele eu devia ter uns quinze anos na época. Bons tempos!- Cintia exclamou relembrando da sua mocidade.
- E eu jamais esqueceria da senhora. Lembro que sempre me ajudava a achar a Maryanne nas nossas brincadeiras de pique esconde.- Falou Willian.
- Claro!- logo Cintia pediu que os serviçais pegassem as bagagens e colocassem em dois dos melhores quartos.
Logo conduziu os dois pra o terceiro andar onde ficaram, os três, de frente para a porta, que do lado de dentro, Mary estava.
- Cassandra tome cuidado com o que vai dizer! Ela está vulnerável, e desde a morte do pai nunca mais chorou. Acho que isso acabou com ela... Eu tentei conversar com ela mais sou apenas doze anos mais velha e não tenho tanta experiencia... Portanto ela não quis me dar ouvidos.- Cintia falou desconcertada. Cassandra colocou a mão em seu ombro e falou:
- Por que não mostra a mansão pro Willian? Sei que ele vai adorar a cozinha. Ele fez um estágio num restaurante.
Cintia apenas sorriu e conduziu Willian escada abaixo. Quando se viu sozinha, Cassandra abriu, cuidadosamente, a porta. Enfiou primeiramente a cabeça para dentro, mas não viu ninguém. Viu que a porta de vidro, que dava para a praia, estava entre aberta. Foi até ela então viu... Com os cabelos que quase chegavam a altura de seus joelhos, Mary estava em pé na areia da praia. Ela parecia uma estátua a não ser por seus cabelos negros, que agora estavam com um tom amarronzado claro, como ficava sempre que estava exposto ao sol, que balançavam com o vento do litoral.
Cassandra se aproximou de vagar, mas Mary ouviu os passos e disse:
- Já disse pra ninguém ficar me vigiando! Saia já daqui.- Maryanne disse ainda de costas.
- Acho que é por isso que todos os empregados estão com medo de você...- Cassandra falou. Mary se virou e quando deu por si já abraçava Cassandra com força.
- Cassandra! Eu estava com tanta saudade! Eu... Estou sozinha agora!- Então pela primeira vez em três anos, Maryanne derramou suas lágrimas de rancor.
- Não queridinha! Pequena olhe pra mim...- Mary obedeceu, mas sorriu de leve por ouvir o apelido amistoso que Cassandra sempre havia lhe chamado.
- Enquanto eu estiver viva, você nunca estará sozinha ta bom. E os empregados.... Sempre estiveram ali. Você nunca esteve sozinha. Quantos empregados têm naquela casa...? São mais de cem com certeza. Viu você nunca esteve sozinha, só nunca enxergou isso!- Cassandra a abraçou muito forte. E então Cassandra começou a rir, e logo Mary a acompanhou.
- Do que você está rindo Cassandra?- Mary a largou e olhou em seus olhos.
- Estou rindo de você... Como se deixou chegar a esse ponto?!- falou pegando as pontas do cabelo de Mary e puxando pra cima.
- Está muito ruim?- sinceramente Mary perguntou, passando as mãos pelo rosto.
- Não! Mas assustaria qualquer cavalheiro que quisesse falar com você.- disse Cassandra ilariamente.- Mas nada que eu não possa dar um jeito. Você está com fome? Vamos pra cozinha?
- Não estou com fome...
- Tudo bem, mas eu estou! Vamos!- e assim Cassandra a abraçou pelos ombros e as duas andaram para a cozinha.
Quando chegaram ao segundo andar, onde já haviam empregados trabalhando, todos ficaram boquiabertos ao ver Maryanne, a garota que por todos foi considerada morta, rindo e conversando animadamente.
Ao chegar à cozinha viram Cintia conversando com Willian, enquanto ele preparava alguma coisa.
- Cintia!- Mary sorriu um sorriso largo ao vê-la.- Me desculpe por ter dado tanto trabalho, por tanto tempo.- e dito isso a abraçou.
- Oh! Senhor, como esperei por este momento!- falou Cintia olhando pra cima. E em seguida agradeceu apenas movendo os lábios, a Cassandra. Que respondeu com um manear de cabeça.
- Oh! Não sabem como estava com saudade de ver pessoas novamente. Eu estava morta...- Maryanne corou ao dizer isso e abaixou a cabeça.- Mas não vai se repetir. Eu vou mudar, vou voltar a ser como era antes da grande tragédia acontecer, afinal já se passaram três anos... Que...meu pai se foi.- e com essas palavras Mary voltou a chorar. Logo Cassandra e Cintia foram consolá-la com um abraço.
- Pequena não fique assim.... Olha! Lembra-se de meu filho, Willian, você o chamava de Willi na verdade.- e Cassandra apontou pro filho, que agora sorria timidamente, com os olhos castanhos, que a fitavam, brilhando.
- Creio que me lembro vagamente. Acho que... Não estou apresentável agora não é?!- disse Mary lembrando-se do que Cassandra havia dito a pouco tempo atrás sobre ela estar horrível, além de perceber que estava de camisola.
- Não se preocupe você acabou de sair de um momento difícil, eu não seria um cavalheiro se não entendesse sua situação.- Willian afirmou, mas Maryanne não se convenceu. Ela pediu que Cintia desse ordens aos empregados para que tirassem tudo do quarto de seu pai e jogassem fora, ela transformaria aquele quarto em um lugar que ela ficasse alegre ao entrar nele. Assim pediu que colocassem seu violancelo, seu piano, suas flautas, sua harpa, seus utensílios de pintura e desenho, junto com um armário que contivesse todas as suas partituras, e ainda todos os desenhos que fizera, e também que pendurassem os seus melhores quadros nas paredes. Depois de ter pedido isso e se certificado que Cintia tinha entendido tudo, se deslocou pro seu quarto, onde um banho a esperava, com tudo que tinha direito, e depois de um tempo de molho, Karla foi designada para a tarefa de cortar os cabelos de Mary para que ficassem mais apresentáveis, e ainda ajudá-la a se vestir e melhorar as olheiras.
Karla estava cortando os cabelos de Mary com máxima atenção para não dirigir nenhuma palavra a ela, pois depois do que tinha acontecido mais cedo ficou com muito medo, o que foi difícil, pois Karla era muito comunicativa.
- Eu... Queria me desculpar, pois não agi muito bem da última vez que nos vimos, eu te humilhei e te tratei como se fosse um cavalo que só faz o que os outros mandam. Me perdoe.- Maryanne falou tentando não mexer muito a cabeça pra não atrapalhar o corte.
- Não se desculpe senhorita. Eu entendo que, apesar de eu ter ficado muito assustada, a senhorita estava passando por um momento difícil.- Karla falou dando ênfase em suas palavras, além de mostrar que estava bem surpreendida com a educação de Mary, uma coisa que ela não tinha a muito tempo.
- É! Que bom que entende... Eu acho que só precisava de alguém pra chorar comigo e dizer que eu não estava sozinha, o que eu me sentia, e muito...- Mary falou se referindo a Cassandra.
- Sim... Mas nós sempre tentávamos falar com a senhorita, mas você não queria... A senhorita nunca esteve sozinha, nós sempre tentamos apoiá-la!
- Eu sei! Agora eu enxergo isso. Mas eu quis dizer que precisava ser alguém que me conhecesse e que conseguisse chegar e passar pela barreira que eu tinha criado nos anos anteriores...
- E esse alguém foi a Cassandra! - exclamou Karla que já se sentia bem mais livre pra falar.
- Isso! Na verdade não poderia ter sido outra pessoa. Ela me conhece a muito tempo, ela foi uma mãe pra mim. Você deve se lembrar.
- Claro que lembro. Ela era uma mãe pra todos. Pra mim também foi. - Karla disse lembrando-se da maravilhosa mulher que a tinha criado.- Senhorita... Eu poderia fazer uma pergunta bem pessoal?- ao ver que Maryanne assentiu Karla continuou- O que aconteceu com sua mãe? Sei que ela faleceu, mas não sei como. Desde pequena ninguém falava dela, mesmo quando eu perguntava.
- Ela morreu num acidente de carruagem. Eu poderia ter ido junto, mas antes de morrer ela foi operada e me tiraram de sua barriga, nasci prematura de oito meses. Todos achavam que ela iria sobreviver, afinal não foi nada grave, tanto que eu e meu pai sobrevivemos ao acidente, mas meu pai me contou que ela simplesmente desistiu.- Karla sentiu a tristeza na voz de Mary.- Mas e você? Vive na mansão desde muito tempo lembro que brincávamos eu, você, Willian e as vezes Cintia, já que na época ela já trabalhava. E a sua mãe? Seu pai?
Karla levantou-se e começou a lavar os cabelos de Mary, para tirar os fios cortados que ficaram. Depois disso estendeu um roupão para que Mary vestisse enquanto ela secava o cabelo dela. Esta saiu da banheira e, depois de ter colocado o roupão, sentou-se numa cadeira, e Karla continuou o serviço.
- Bom, minha mãe morreu, e meu pai me deixou aqui pra trabalhar, como fez com todas as sete filhas, mas sumiu. E eu nunca mais o vi. E aí você sabe a continuação da história,... Eu cheguei aqui com sete anos e nunca mais sai!- Karla falou assim que terminou de secar o cabelo de Mary, depois elas saíram do banheiro e se dirigiram para o quarto onde Karla terminaria de vestir e arrumar o cabelo de Mary.
- Sim, e me desculpe pela sua mãe. Quanto anos você tem?- Mary perguntou enquanto Karla terminava de fazer um coque com apenas a parte de cima do seu cabelo.
- 19 pra fazer 20 no final do ano.
- Ótimo, podemos voltar a ser amigas, como quando éramos crianças e também adolescentes, nos daremos muito bem. E por sorte ainda fomos criadas pela mesma mulher a Cassandra, nossa "mãe"!- Mary falou com empolgação.
- Claro senhorita será um prazer!
- Só mais uma coisa, não me chame de senhorita, somos amigas lembra-se?! Apenas Mary.
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Presa no Passado
Historical FictionDepois da morte de seu pai Maryanne fica sem chão e não sabe o que fazer. As últimas palavras de seu pai foram " Seja forte." Mas ela se mostra indefesa ao mundo depois desse trágico acontecimento. O que fazer? Depois de três anos presa no grande ca...