Eu ainda te amo

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Beirava a madrugada quando fui me deitar. Ele estava no sofá vendo televisão. Brigamos hoje, uma coisa besta, ciúme dele e meu, deu ruim. Quebrei seu CD da Madonna, me deu um soco no peito, mordi sua orelha, com força, começou a chorar. Deixei quieto. Ainda no banheiro olhei meu rosto cansado, as olheiras profundas, a barba por fazer, o peito cabeludo e as gotas de água contornando minha barriga um pouco proeminente, uma que eu não tinha antes dele. Procurei meu pênis entre os pelos pubianos e olhei por alguns segundos, lembrei do gosto dele ao me chupar e lembrei seu sabor e sua fogosidade, fiquei a meio mastro mas não fui atrás dele, fui pra cama.

Senti seu corpo se aconchegar ao meu uma meia hora depois. Veio fungar no meu pescoço, sua língua na minha orelha, fiquei duro, ele também. Não retribuí seu beijo, disse que ele estava com mau hálito, mentira, sua boca cheirava a desejo e menta. Ficou chateado, me deu as costas com raiva, não consegui dormir, nem ele. Antes de acordar lembro de ver as horas, três da manhã. Ouvi seu ronco suave quando peguei no sono. Acordei com seu peso em cima das minhas costas. Estava gelado.

Fiquei irritado, ele sabe das minhas dores de costas, o mandei sair e lhe dei um tranco, caiu do outro lado sem reclamar. Ele tem o sono leve, deveria ter resmungado. Fiquei com pena, o cobri e tentei voltar para o meu sono, não pude. Relembrei nossa briga, pedaços de nossas transas se misturavam a ela. Parece incrível que após dez anos juntos ainda temos essas brigas bobas, e eu ainda sinta esse desejo doido por seu corpo e mente. Virei-me para ele, na pouca claridade do abajur vi seus olhos abertos. Falei com ele mas não me respondeu. Cheguei perto para um beijo, não respirava, estava morto.

Levantei da cama em um pulo. Acendi as luzes, tentei reanimá-lo, mas não havia mais volta, estava gelado já. Tentei chorar, mas meus olhos estavam secos. Sentei na cama, ao seu lado e mirei seus olhos parados, sua boca entreaberta, seu nariz levemente adunco, seu maxilar proeminente, imaginei seu sorriso cálido, sua voz tão macia. Fiquei pensando que talvez eu devesse ter feito amor com ele. Uma última vez.

Andei até a sala, o CD ainda no chão, em duas partes. Na cozinha enchi um copo com água, tentei beber, mas foi impossível, a garganta estava travada. Revirei entre os potes de biscoito para encontrar o maço que sempre mantive escondido. Não havia um maldito fósforo na casa. Acendi o filtro vermelho na boca do fogão e dei um longo trago. Joguei a água na pia e enchi o copo de conhaque. Três tragos de conhaque e outro de cigarro e já estava mais calmo.

Sentei no sofá sem saber o que fazer. Ainda tentei chorar, segurei meus olhos abertos tentando fazer com que uma lágrima caísse, mas nada, eles estavam absurdamente secos. Quando a guimba queimou meus lábios sensíveis apaguei o capiroto no sofá. Queimou nosso couro branco, um buraco estilístico. Liguei o rádio bem alto, Scorpions. Gritei a letra junto, "I'm still loving you / I'm still loving you". Alguém viria bater à porta, me mandar calar a boca, abaixar essa merda e eu poderia perguntar o que fazer. Chamar a polícia, os bombeiros? Esconder o corpo? Dar aos porcos? Alguém na internet me daria a resposta?

Mas ninguém veio. Ninguém me ouviu. Meus gritos desesperados foram ignorados. "I'm still loving you". Enquanto a bebida e a melodia corriam pelas minhas veias andei a firmes passadas até o quarto.

- Meu deus, baby! Volte para mim.

Desnudei seu corpo, seu belo corpo, que tanto prazer me deu. Virei de bruços, alisei suas nádegas. Na gaveta da cômoda peguei o K-Y, mas descartei a ideia, ele não iria mais sentir dor alguma. Fiz um trabalho com a língua, tive a impressão de ouvi-lo gemer, mas pode ter sido o solo da guitarra. Me deitei sobre seu corpo, não precisei de esforço para entrar nele, estava gelado mas ainda macio. Esta nova experiência me deu um tesão maravilhoso. Bombei como um virgem com a primeira mulher, o orgasmo veio flutuante, arrebatador, sonoro. Gritei seu nome, clamei seu amor, pedi desculpas. Perdoe o veneno na sua comida, perdoe, eu não queria, eu não queria...

Após o gozo o choro veio profundo.

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⏰ Última atualização: Aug 13, 2015 ⏰

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