Lyon - Spirit of Fire

I. Ancro

- Cada dia que passa chegam mais! Em breve não haverá espaço para todos aqui.

- Não têm culpa. O que fazias se tudo o que conheces de um momento para o outro deixasse de existir?

- Bah, também não somos nós que os vamos manter – Ragnar praguejou – Ainda por cima parecem cães esfaimados e sujeitam-se a trabalhar por metade de um Nori. Em breve não haverá que trabalho nem para nós!

Ragnar batia na mesa completamente furioso. Era o ourives mais famoso de Arnok e fazia questão que soubessem disso. Além disso era um patriota e não gostava de ver o seu reino ameaçado. Bem como os seus tostões. Jayson ouvia a conversa no fundo da taberna mais procurada de Arnok. Era um sítio feio e o vinho barato sabia a mijo de ratos, mas tinha de desanuviar depois dos dias de trabalho. Os dias na forja eram bastante atribulados e desgastantes. O único bem de trabalhar na forja era o calor enquanto nevava lá fora. Mantinha-lhe o coração quente lembrando Wouga. E Ragnar fez lhe lembrar que não eram bem vindos ali. Enchia lhe o coração de raiva, pois não tinham alternativa. O que faziam já não era viver, nem sequer tentar viver. Era mais uma luta pela sobrevivência. Muitos não tiveram tanta sorte como ele e mesmo assim sentia que tinha de fazer algo em relação aos seus. Deu um trago no vinho e seguiu em direcção a Ragnar.

- E as mulheres que toma como prostitutas baratas? São do seu agrado? – Estava visivelmente embriagado. Olhou para o ourives e cuspiu no chão.

- Wougan insolente! Sabes quem eu sou?

Jayson sorriu.

- Obviamente, senhor. É o maior palerma fanfarrão que Drimer conhece. Além disso é feio como um raio!

A taberna explodiu em gargalhadas. Era preciso ser muito tolo para atacar alguém como Ragnar assim. Ou muito bêbedo.

- Como te atreves bicho da forja! Vais engolir essas palavras uma por uma!

- Veja, acabei de engolir o pior vinho de Ancro, acha que tenho medo das minhas palavras?

- Ăke! – gritou o velhote baixo e obeso.

Prontamente um Nori de cabelos brancos saltou para junto do grupo que discutia. Era bem constituído e estava armado com uma espada. Tinha longos cabelos atados de modo a deslocar-se agilmente sem que lhe tapassem a visão.

- Acaba com esse idiota! – Berrava furioso Ragnar.

- Alto! Esta discussão termina aqui! – Gritou Valburd, o taberneiro. – Não quero aqui mais confusões. Ou param ou vão embora.

- Tenho direito a defender a minha honra! – Protestou Ragnar.

- Então defende-a do lado de lá da porta! Não quero confusões na minha casa!

Ragnar continuou a barafustar e Jayson percebeu que não tinha nada a ganhar ali. Decidiu sair.

A noite era fria cá fora. Tinha saudades do tempo mais ameno de Wouga e da sua terra. Apesar de ter sido aceite em Drimer bem como os seus restantes compatriotas, sabia que não tinha sido aceite totalmente. Nevava nas ruas quando se encaminhava para a fundição onde trabalhava e tomava como lar. Ouviu um ruído atrás dele, assim que se virou para tentar perceber o que era, foi esmurrado no rosto. Caiu desamparado para trás sem sequer perceber o que tinha acabado de acontecer ou quem o tinha atingido. Seguiu-se um pontapé no abdómen. Retraiu-se de dor, encolhido na neve, gemendo na posição fetal enquanto continuava a ser espancado. Seguiram-se mais três pontapés e pararam. Tentou olhar e perceber quem era mas a visão tornou-se turva e desvaneceu-se no vazio.

A manha acordou fria e com neve em Arnok. Jayson estava deitado numa cama de palha junto ao chão e sentia se mais morto que vivo. Não se conseguia mexer e tinha três costelas partidas. Uma curandeira já o visitara ao amanhecer mas teria que ser visto por alguém que lhe pusesse os ossos no lugar. Estava em agonia e sabia o porquê dela. Desafiou um homem poderoso e ele deixou-lhe uma mensagem no seu corpo. Algo para pensar antes de cometer um erro de novo. Quando Yern soubesse do que tinha feito provavelmente nem a ferreiro iria ficar. Ragnar era um cliente importante e estar na oficina era um problema que Yern tinha com Jayson ali.