Um pouco sobre ser escritor

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 Muita gente me pergunta o que precisa fazer para ser escritor e coisa do tipo. Eu não tenho uma resposta exata e perfeita para isso, para mim funciona da seguinte forma: Eu sento e escrevo. Isso é um fato, a gente senta e vai enfileirando palavras até que formem um sentido mais ou menos coeso. Por isso que decidi não falar sobre regras, dicas e coisas do tipo, prefiro falar sobre o que envolve o trabalho e como ele acontece. Porque gostar de escrever é só o primeiro passo, na verdade é tão básico quanto respirar e se você não tem isso, se não tem amor por livros desde o início, é melhor nem começar – tenho certeza de que existem outras artes que podem trazer mais satisfação e atender as necessidades. Como canta o Emicida: Fazer rima é a parte mais fácil. Claro, quando digo isso estou me referindo ao tipo de pessoa que realmente quer entrar no mundo literário, naquilo que eu chamo – tomando uma expressão do mundo do rap – de O Jogo. Porque, acredite ou não, o mundo literário é tão jogo quanto o mundo da música, onde temos que pensar o que vamos fazer, como fazer e mantendo os olhos no prêmio.

A primeira coisa de todas é ter o estado de espírito certo, estar disposto a ir até o fim e com os olhos bem firmes onde se quer chegar. Aquele que entra nesse meio precisa ter uma fome de palavras, pensar nelas o dia todo, sem parar, frequentemente e pensar na história que quer contar até que a cabeça comece a doer. É preciso estar tão afogado em sua própria arte que provavelmente algumas coisas vão para segundo plano – pode ser uma matéria na faculdade, pode ser o almoço ou até mesmo aquele sonho de ser cantor de rap. Para mim a escrita deve engolir, obliterar e deixar em segundo plano qualquer coisa que não posso ser absorvida por ela – é preciso um exercício de obsessão, que pode, claro, causar sofrimento, mas quem entra nesse mundo está disposto a trabalhar. Uma atividade de abandono e de se jogar de um penhasco sem uma corda para te puxar de volta.

É nesse primeiro momento que a gente tem que abraçar as palavras como um todo e ter uma curiosidade infinita. Ler sobre tudo, descobrir quais são as técnicas literárias existentes e como os grandes autores faziam cada manobra, ter curiosidade sobre tudo o que tem a ver com literatura, mesmo que seja uma forma de poema da Índia que você nunca vai usar. E, mesmo que você queira ser um(a) autor(a) de fantasia, literatura juvenil ou qualquer coisa, você precisa absorver tudo. Seus talentos vão melhorar com o tempo, é um processo que pode levar anos, mas o importante é estar trilhando o caminho.

Tem pessoas que sentam – por pura obra de Chtulhu – e escrevem poemas perfeitos e romances maravilhosos do nada, mas isso é a exceção. Precisamos cada vez mais produzir nossa arte de forma consciente, sabendo o que queremos fazer com aquele capítulo, aquela frase – precisa ser uma coisa que vai guiada da cabeça para a mão. Escrever é um trabalho, precisa ser encarado como tal, com seus deveres e obrigações, não apenas emoções e vontade de ser celebridade. É como pensar em esculturas, você precisa quebrar muita pedra para tirar seu Davi de dentro.

A outra coisa é lidar com o desespero para ser publicado. Muita gente escreve um primeiro e segundo livro apenas para ficarem bravos porque a editora X ou Y não aceitou o manuscrito. Isso é normal e ficar xingando o céu não vai resolver muito. E nem mesmo ficar reclamando: Ah, por que a blogueira tal conseguiu publicar? Tal pessoa só conseguiu publicar porque namora aquela pessoa lá. Ou: Eu escrevo tão melhor do que essa pessoa, mas ela consegue publicar porque tem amigos. Pode ser que você não publique em um ou dois anos, mas pode ser que publique no terceiro. Pode ser que você não publique no ano de 2014, mas pode ser que 2014 seja o ano em que você vai encontrar a pessoa que irá te ajudar nesse processo. Nesse meio tempo, escreva sem parar, amplie sua rede de conhecidos e continue se aprimorando. O importante é usar esse tempo para encontrar aquilo que vai ser a sua voz – aquela coisa que só você vai conseguir fazer. Sempre existirão autores melhores do que você, mas nenhum deles vai fazer o que você faz. Tente focar no seu trabalho o tempo todo, se afundar nele e não deixar que nada te abale, pelo menos não enquanto você escreve.

Isso não quer dizer que você deve ser uma rocha – gente, eu sou a pessoa mais emo que conheço. Você pode ser a pessoa mais emocional no seu dia-a-dia, chorar sua tristeza de autor com todo mundo que você conhece, mas uma vez escrevendo você precisa ser mais durão que o Van Damme e o Stallone juntos, ter um bisturi afiado e não tremer – porque escrever é como fazer uma cirurgia no cérebro, o menor erro e tudo cai. E a outra coisa, você precisa cuidar com a forma com que interage na internet e pessoalmente, regras de etiqueta e de como lidar com as pessoas. Eu sempre gosto de pensar no filme O Grande Truque, em que mostra o quanto um mágico dedicava cada parte da sua vida ao trabalho que fazia – SPOILER: chegando a ocultar um irmão gêmeo – e esse senso de que levamos nosso trabalho conosco o tempo todo.

O texto de hoje é apenas uma dica de que antes de nos preocuparmos com a publicação, com uma "editora grande" e lançamentos grandes, temos que voltar para o início e encontrar aquela paixão primal em escrever histórias. Encontrar aquele sentimento de que apenas a história importa, sem isso - sem o "sangue nos olhos" - não vale a pena.

Palavras aleatórias - Dicas de escrita e inspiração para jovens autoresOnde histórias criam vida. Descubra agora