Prólogo

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A brisa do entardecer trouxe o cheiro das flores. Begônias. Margaridas. Gérberas.

Uma notável combinação de aromas bucólicos que fizeram Romilly repuxar os lábios num minúsculo sorriso, enquanto avançava pelo caminho de pedras da entrada principal. Ela tinha acabado de chegar em casa, após um dia difícil na delicatéssen, e tudo o que mais queria naquele momento era ter um longo encontro com o colchão.

Fazia quase dois anos (ou será que seriam três?) que ela não tirava férias. E, embora realmente gostasse de ser chef na cozinha da Grandma's House, a cada dia ficava em evidência que a rotina estava começando a deixá-la mais exausta do que chegara a imaginar. Isso  não era um bom sinal. Não quando o estabelecimento dependia, sobretudo, de suas habilidades culinárias.

Mas, por mais que o orgulho lhe impedisse de admitir em voz alta, era difícil concordar em ter que deixar suas responsabilidades pesar nos ombros de outra pessoa. O motivo? Nenhum dos candidatos possuía a experiência desejada ou não demonstravam cuidado o bastante ao manusear o livro de receitas de Adelaine, sua falecida avó.

A obra, escrita numa caligrafia incrivelmente bonita para uma senhora de setenta e cinco anos que sofria de Parkinson, havia sido um presente registrado em testamento. Além do significado emocional, Romilly considerava aquilo uma preciosidade, dessas que merecem ficar expostas num museu, há vários metros de distância dos visitantes. Não poderia, portanto, simplesmente deixá-lo à mercê de qualquer mão suja de açúcar.

— Seria uma completa falta de respeito à sua memória — murmurou ela, encaixando a chave no buraco da fechadura.

Não tratava-se de um exagero, como escutara certa vez, mas apenas uma medida cautelosa que qualquer indivíduo teria, caso tivesse algo semelhante em mãos, certo? Romilly, ao menos, tinha certeza de que sim. Quase do mesmo jeito que também estava certa de que precisaria escolher um substituto antes de ser pega pela fadiga.

Pensando bem, talvez (só talvez) alguém em especial pudesse estar capacitado a ocupar aquele cargo temporariamente: Philippa Daniels. Tudo bem que ela estava longe de ser a mulher mais delicada do mundo — sem mencionar o fato dela conseguir deixar qualquer um de cabelo em pé em menos de um minuto —, mas ao menos parecia ser o único ser humano a compreender suas aflições a respeito do livro.

Isso valia alguma coisa.

Ou melhor, valeria.

Porque Philippa andava com os pensamentos sobrecarregados com tudo quanto é coisa que envolvesse matrimônio. Desde forminhas para doces até o tipo de enfeite que as daminhas usariam nos cabelos. Ultimamente, para infelicidade geral da nação, a cada dez palavras dela, onze eram sobre os preparativos do seu casamento. E como Romilly não tinha paciência para treinar iniciantes, ela acabaria aguardando até que sua melhor amiga estivesse, enfim, casada.

Foi nesse instante que, ao girar a maçaneta e empurrar a porta, a chef confeiteira deu-se conta de algo que a fez vacilar. E se, depois do casamento, Philippa começasse a preencher a mente com tudo quanto é coisa que envolvesse a decoração do seu novo apartamento? E, na sequência, com tudo quanto é coisa que envolvesse a chegada do primeiro bebê?

— Que ótimo — resmungou Romilly.

Assim que jogou o chaveiro em formato de xícara próximo ao telefone, ela chutou as sapatilhas para longe e deixou-se cair no sofá botonê cor de creme, suspirando pesadamente. Estava tão cansada que seria capaz de adormecer ali mesmo. Porém, antes que tivesse a chance de sequer tirar um cochilo, sobressaltou-se ao notar que um par de olhos azul-safira a observava com carinho do topo da escada em espiral.

— Sebastian! — exclamou, sentando-se depressa. O coração galopava desenfreadamente sob a palma da mão. — Minha nossa, você quase me mata de susto...

Enquanto eu te esqueciaOnde histórias criam vida. Descubra agora