Um mundo engolido pelas sombras, uma assassina motivada pelo ódio. Nem mesmo a morte poderia ser tão cruel.
Depois de presenciar o assassinato de seus pais e ser resgatada por um clã de assassinos, Katrina se vê diante de uma oportunidade única: tra...
A criança que foi lançada às chamas jamais esquece do seu calor.
— Provérbio aleddriano.
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Cada passo em direção à Ferassen fazia o sangue de Katrina rugir. A escuridão crescia ao redor do vilarejo, enquanto a lua permanecia escondida detrás das montanhas. Estava frio. Frio e seco.
A assassina encontrava-se de pé, parada na proa do navio, os olhos fechados conforme o vento úmido açoitava seu rosto. Nunca pensou que retornaria ao seu antigo lar. Aquelas eram lembranças mortas da última vez que estivera ali — fugindo, carregando o sangue das pessoas que mais amava consigo. Ela soltou o ar rapidamente, o gosto fresco e embriagado da maresia beijando seus cabelos negros feito a noite translúcida. Ali, tudo parecia tão silencioso, quase fúnebre, sendo o único som que rompia a noite o das ondas se desmanchando no casco do navio.
Devagar, abriu os olhos, na hora exata em que a velha embarcação chegava aos Portões Norte. Antes, as enormes grades de ferro eram uma junção de praticidade e beleza, mas a salina do Mar Negro tinha as corroído tanto que agora havia espaço suficiente para uma frota de navios adentrar a cidade.
Katrina empertigou-se levemente, o coração rugindo por dentro. À frente, podia ver as quatro faces do colossal Ferra: um monumento antigo, erguido num passado distante e já esquecido. E lá estava, logo após as Ruínas Solares, o local que assombrava seus pensamentos diariamente. Permanecia intocável, exatamente do jeito que se lembrava.
O silêncio pairava sobre o vilarejo, no momento em que a assassina saltou em terra firme. O cais — construído e onarmentado com a melhor madeira das redondezas — estava agora em pedaços. Por um breve instante, ela olhou para o seu reflexo tremeluzente nas margens do mar, e a garotinha que um dia vivera ali olhou-a de volta. De repente, a imagem de uma criança percorrendo aquelas docas inundou seus pensamentos. Era uma tarde de verão, e a menina pescava com o pai, o som dos risos misturando-se com o das ondas.
Katrina gostaria de poder voltar no tempo e parar o que acontecera apenas algumas semanas depois.
Contudo, agora era tarde demais.
Ela balançou a cabeça e caminhou pelo pavimento de pedras sulcadas, fazendo questão de manter os passos leves e precisos, ainda que parecesse não ter ninguém em um raio de quilômetros. A cidade dormia, alheia ao perigo que agora retornava.
Não ousou olhar por tempo demais para os campos extensos de girassóis, não quando as lembranças — há tempos aprisionadas —, queriam emergir. Ela respirou fundo e os seus pulmões arderam em protesto. Até respirar parecia doloroso demais. Qualquer ação exigia um esforço enorme e ela estava cansada. Nos ossos, no sangue, no fôlego e na alma, Katrina estava tão, tão cansada. Entretanto, não pararia, não quando tinha tanto a fazer.
Suspirou pesadamente e desceu a colina. À medida em que os pequenos casebres e as plantações ficavam mais próximas, a assassina sentia seu coração pulsar. Não queria estar ali. Não queria reviver aquela noite. Ainda assim, adentrou os portões de ferro do vilarejo.