A origem de Sandor - Parte I

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Tirando a venda

As florestas que cercavam o vilarejo onde Achim vivera por toda sua vida não eram em nada diferentes das matas por onde o jovem aventureiro agora andava, semanas após ter deixado seu lar. Os mesmos cheiros, os mesmos sons. Até o brilho nas multicoloridas penas dos pássaros falantes era o mesmo.

De certa forma, o mundo parecia ser uma infinita réplica do que encontrava no entorno de sua antiga casa. Seus olhos enxergavam a magia como a fonte de vida que ela era e que, portanto, precisava ser respeitada. Tentava de todas as formas fazer com que seus pares entendessem isso, contudo aparentava ser um conceito por demais difícil para ser assimilado.

As ideias martelavam sua cabeça. Ainda haveria salvação?

Com passadas firmes, sentindo o solo trocar energia com seu corpo, Achim caminhava apressado pela mata buscando encontrar algum lugar onde mais pessoas vivessem. Outros vilarejos, outras ideias. O mundo não poderia ser da forma que se apresentava e tal crença era assediada pelas lembranças de sua infância.

Como todos os moradores do mundo mágico de Thystium, Achim tinha sua habilidade especial, um traço mágico que acompanhava cada um dos seres inteligentes e dotados de consciência.

Seu dom era enxergar as possibilidades que se apresentavam no futuro. Para os seus conterrâneos, tal habilidade era uma maldição, visto que o jovem Achim sempre sabia quando algo de ruim estava para acontecer, por isso não tardou até começarem a desconfiar dele. Xingamentos e algumas ofensas físicas não eram incomuns na rotina do jovem, que conforme crescia, escondia suas habilidades e aspirava por um local onde fosse compreendido.

Por semanas caminhando na imensa floresta que cercava seu vilarejo, o jovem vidente se encontrava sozinho, embalado apenas por seus pensamentos e lembranças. Ansiava por repostas para perguntas que ainda não haviam sido feitas.

Sua sorte estava por mudar.

Acostumado a viver sozinho, Achim trabalhara seus sentidos a ficarem sempre alerta, nunca podia imaginar de onde o próximo ataque viria. Não foi difícil para ele notar a movimentação metros à frente. Pessoas, pessoas de verdade pensava ele. Depois de tanto tempo vagando pela mata!

Com cuidado para evitar uma aproximação brusca, Achim largou seus pertences no meio da folhagem de cor amarelada que o cercava e saudou o estranho com um cumprimento característico da região onde morava. Um aceno com a mão direita estendida e uma vocalização similar ao canto do Gum, um pássaro feioso daquela região - famoso por dizer Olá.

O homem estava de costas e ao continuar se aproximando, dotado de uma curiosidade capaz de causar encrencas, Achim notava as diferenças que tal criatura apresentava. Cabelos vermelhos e uma pele alva dotada de uma tonalidade que os olhos recusavam de algum modo. As cores poderiam pregar peças em Thystium, mas o jovem sabia muito bem o que enxergava.

- Se aproxime, não há o que temer. - disse o homem com sua voz carregada de ternura.

- Eu... - Achim perdia sua voz e tinha dificuldades de encontrá-la em sua garganta. Ansiava por encontrar outras pessoas, mas não esperava ninguém como a pessoa que via agora. - Eu só estou passando...

- O destino lhe trouxe até mim, não foi sem motivo. - retrucou o homem, que se virava de frente expondo um brutal ferimento no tórax. A laceração parecia letal, ainda que o homem não demonstrasse nenhum sinal de dor.

Percebendo a reação espantada de Achim, o homem continuou.

- Não há o que temer jovem. Eu sou do Povo das Estrelas, para mim não existe a morte. Apenas retorno para meus irmãos.

- Como assim Povo das estrelas? - perguntou Achim curioso e apontando para a imensidão dos céus. - Você vivia nas estrelas?

O rapaz que vagava pela mata era ignorante acerca da realidade dos deuses cultuados em vilarejos isolados e nas distantes terras dos elfos de pele negra.

Um sorriso. Mesmo ferido, a gentileza do homem de cabelos vermelhos era perceptível e quase palpável. O olhar atento mostrava que o local onde se encontravam, havia sido cena de uma feroz batalha.

Restos de garras, pedaços de carne, árvores retorcidas e estraçalhadas. Nenhum sinal de criatura no entorno, talvez o homem tivesse encontrado a derrota no embate em que se enfiara.

- Vivemos no mundo dos mundos, mas nos ocupamos em manter a magia viva. Somos protetores, vigilantes e criadores. Somos as estrelas que os protegem enquanto dormem, somos de certa forma a luz. - disse o homem de cabelos vermelhos enquanto esticava suas duas mãos para Achim. - Eu sou Dûn, senhor do despertar. Permita que lhe mostre uma coisa.

Contrariando todas as precauções, Achim se aproximou e tocou as mãos de Dûn. Sentiu seu corpo entrar em um estado de dormência, enquanto toda energia mágica do homem de cabelos vermelhos viajava entre os corpos. O jovem sentia em seu âmago que poderia dobrar a realidade, o tempo ou fazer qualquer coisa que desejasse. Os dois faiscavam e suas mentes se encontravam em uma esfera maior de energia e espiritualidade. Luzes, cores e sons formavam uma mistura surreal e fantástica, um verdadeiro quadro dos sonhos.

- De hoje em diante se chamará Sandor. - dizia a voz de Dûn com imponência. - Aquele que cuida da magia, no linguajar do Povo das estrelas. Sua missão será viajar até a terra de seus ancestrais e fazer com que o local prospere. Tem a minha benção.

A voz não dissera mais nada, Achim não dissera mais nada. O silêncio que se fazia presente era opressivo e ecoava dentro da cabeça como a pressão de estar em um local alto demais. Todo conhecimento agora repousava em um canto obscuro e quase inacessível de sua mente, pronto para ser usado, difícil de ser encontrado.

Achim abriu seus olhos e se viu deitado nas folhas de cor amarelo ouro que avistara anteriormente. Estava sozinho, mas sabia exatamente aonde deveria ir e de hoje em diante, se chamaria Sandor, aquele que cuida da magia.


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