Dia um (parte II): food for thought

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-Me passa essa faca em cima do balcão.

Dezoito pegou a faca de carne e entregou para Amanda enquanto dizia:

-Sabe, acho que você é a única pessoa que cozinha em viagens para a praia. Esses são os dias de comer besteira em horários aleatórios, sabe?

-É? Bom, acontece que gosto de cozinhar. E não é sempre que tenho a oportunidade de fazer isso sem minha mãe por perto.

A loira puxou uma cadeira e sentou-se, voltando a observar os movimentos rápidos de sua "inquilina". Elas haviam voltado com Daniel para o pequeno apartamento no final da tarde, mais ou menos quando o sol se punha. Ficava em um prédio de três andares à cerca de 1km da praia, que Amanda havia alugado num ótimo preço por esses dias.

Para a sorte de Amanda, a cozinha era um dos maiores cômodos do apartamento. A sala era apenas grande o suficiente para o sofá e a pequena TV de tubo (Dezoito lembrou-se de como era preciso colocar no canal 3 para jogar videogame ao instalar o Nintendo Wii de Daniel), e mal era possível se mexer no quarto com a cama de casal. No outro quarto, havia um beliche em frente à um armário com alguns jogos de tabuleiro abandonados e cobertores velhos.

-Qual o problema de cozinhar com sua mãe por perto? - ela retomou a conversa.

-Ah, ela fica no meu cangote... "O que você está fazendo? Por que está picando a cenoura? Que colher vai usar para misturar isso?". Sei que é idiota, mas... É que ela faz isso com tudo. E como nessa hora a mania irritante dela fica bem evidente, eu perco a paciência.

-Hm... Acho que você não quer ajuda, então?

Amanda virou e começou a rir assim que viu a cara de Dezoito.

-Que foi??

-A esperança nos seus olhinhos de não precisar ajudar com o jantar, só isso.

-Ah, qual é. Se você pedisse eu não ia recusar, nem nada. Não sou tão folgada. Mas você gosta de cozinhar sozinha e eu não gosto de cozinhar. Todo mundo sai ganhando.

Ainda sorrindo, a mais velha voltou a fatiar a carne em pequenas tiras.

-Você vai ter que aprender a cozinhar um dia, Dezoito. Não me importo de te ensinar.

-Nah... Pedir comida e armazenar congelados parece uma opção melhor pra mim.

-Aham. A cara da saúde.

A garota deu de ombros, mesmo sabendo que Amanda estava de costas pra ela.

-Nem acho que vá conseguir morar sozinha tão cedo, de qualquer jeito.

Estava esperando alguma piadinha com sua idade, mas ao invés disso a outra fez uma pergunta em tom sério, como se respondesse à melancolia que Dezoito pensou ter conseguido esconder de sua própria voz.

-Você queria?

-Sim, bastante. Pensei em ir estudar no interior, mas não sinto que contaria como "morar sozinha" se meus pais ainda estivessem pagando por uma república ou apartamento.

-Bom, se você quisesse morar sozinha pela experiência da coisa, provavelmente seria uma boa. Independente deles estarem pagando, você teria que se virar pra fazer mercado, arrumar as coisas e tudo mais. E isso faz crescer, né. Mas, se é pela independência, acho que não serve de muita coisa, mesmo.

Dezoito não sabia se seu próprio silêncio era por finalmente ouvir em palavras aquilo que sentia e tanto a atormentara quando ela precisou tomar essa decisão, ou se era por se surpreender, novamente, com esses momentos de Amanda.

-Hm... Está tudo bem? - a garota a despertou de seus pensamentos.

-Tudo! Tudo. É, exatamente o que você falou. Além disso, sou viciada em cidade. Não acho que conseguiria morar em um lugar onde não posso pedir China in Box às 3 da manhã.

Dezoito e TantosOnde histórias criam vida. Descubra agora