Deixei a conta em cima da mesa com o dinheiro. Não fiz questão do troco. Não vi Kate para me despedir antes de partir e deduzi que ela estaria trabalhando nos fundos do bar.
E sai porta a fora para a brisa leve da manhã. Meu estômago revirou um pouco, em reação ao meu café da manhã nada saudável. Lembrei que Suze pedia sempre para que eu parasse de tomar cerveja de manhã assim, em demasia. Era inevitável. Desde que comecei a beber, uma garrafa de Heineken não podia faltar na geladeira.
Nada disso importava agora. Eu tinha que estar com Suze, dando forças a ela. Ela precisava de mim. Os médicos conseguiram tirar a bala, que não fizera um estrago tão grande comparado ao que podia ter acontecido. Realizaram uma cirurgia de urgência depois de meus pedidos e gritos desesperados que pararam os corredores do hospital. Para isso, precisaram dar uma anestesia geral em minha irmã. Essa hora ela ainda devia estar sob efeito da medicação e eu queria estar lá quando ela acordasse.
Assim que virei a esquina, vi Luan encostado no ponto de táxi, conversando com outro taxista cujo as feições eu não conhecia. O cutuquei assim que cheguei perto.- Sam! - Luan virou-se para mim, e sua expressão mudou imediatamente - o que houve?
- O que? - indaguei, confusa.
Luan me analisou. Seus olhos passaram do meu rosto para minha roupa e novamente para meu rosto.
- Que roupas são essas? E as olheiras... - ele disse levantando a mão para toca-las.
Estremeci com o toque. E droga! Eu nem passei em casa para tomar um banho se quer. Talvez estivesse fedendo também, só para melhorar a situação.
Tentei manter a suavidade cravada em minhas expressões, e segurei sua mão, levando-a a se afastar de meu rosto calmamente, como um ato involuntário, tentando não ofender Luan.
- Você pode, por favor... - minha voz desceu de tom quando notei que o taxista que Luan conversava, agora prestava atenção no que eu dizia - me levar o Hospital Santa Cruz? Estou sem dinheiro para passagem. E sei que posso te pagar depois.
- Não, de forma alguma. Quer dizer... não precisa pagar pela viagem. - repuxou um sorriso fraco - mas o que você vai fazer lá...? Se é que posso saber
- Dentro do carro - pigarreei e levantei o rosto, de forma meio teatral e proposital.
Lancei um olhar para o taxista, que desviou assim que entendeu que eu notara a sua excessiva atenção em nós. Ou melhor, em mim. Ele devia ter netas da minha idade, mas a vergonha na cara nunca teve a faixa etária como requisito principal. Seria um dos que eu adoraria ensinar uma pequena lição...
- Vamos? - Luan disse com a porta do carona aberta para mim
Demorei um tempo para perceber que estava fuzilando o senhor com o olhar. Recompus-me, sem deixar o ar confiante escapar. Uma das regras? Nunca deixe o ar confiante escapar de seus pulmões. Quando ele parecer ir embora, respire fundo levantando a cabeça, jogue o ombro sutilmente para o lado e ande. É o famoso "levante e ande". Com alguns segredos especiais. O ar confiante volta quando você deixa o recinto que estava o roubando de você.
Assim o fiz. Dei de ombros para o senhor e entrei no táxi de Luan, passando minha mão em cima da dele que estava apoiada na porta ao passar por ela.
Calculei que levaria uns 20 minutos para chegar até o hospital. Pelo menos foi o que consegui me lembrar da madrugada, quando o médico que estava acompanhando Suze praticamente me expulsou de lá e me obrigou a pegar um táxi até minha casa para que eu pudesse "descansar". Como se eu conseguisse. Insisti que tinha dinheiro para não ter mais que ouvir o doutor falando e fiquei devendo para o taxista que queria o resto do pagamento em sexo. Talvez fosse mal de taxista... Ou simplesmente dos homens.- Ok, Sam. - disse Luan como se concluísse algum assunto, e de inicio fiquei confusa por não lembrar de ter perdido nada que ele tivera falado. Não falamos nada desde que ele deu partida, alias. - Podemos fazer isso do modo mais fácil - ele continuou, e vi que ele acabara de iniciar o assunto - Você pode me contar o que houve do seu jeito, omitindo algumas partes da história, ou, eu terei que descobrir do meu jeito, e interpretar como eu quiser também.
Olhei para Luan um pouco espantada. Ele estava melhorando na argumentação-barra-manipulação.
Estávamos parados no farol vermelho, e ele me encarava com uma mão no volante. Seus olhos eram escuros e sua pele bronzeada o dava o tipo de beleza que você encontra na praia de um país tropical. Abençoado por Deus. E bonito? Luan era por natureza. Era um dos únicos homens que mereciam a minha trégua. Ele tinha um coração amoroso, e quebrantava o meu bem lá no fundo. Porém, não deixava com que ele percebesse isso. Muitas vezes, não era por maldade, mas porque fazia muito tempo que eu não conseguia expressar qualquer sentimento que fosse para quem quer que fosse.
- Eu e Suze fomos assaltadas noite passada e ela está no hospital - eu comecei a explicar, dando uma pausa fingindo que a lembrança me atormentava quando só estava ganhando tempo para desenrolar uma história qualquer - eu reagi e o cara não ficou nada satisfeito. Achei que tinha a situação sob controle, mas estava errada.
- Você é louca, Sam? Você arriscou sua vida e a da sua irmã por isso? - achei que Luan iria encerrar mas então ele olhou para frente e começou a tagarelar - Era só entregar o que ele estava pedindo! O que podia ter de mais valioso que a vida? Celular, documentos? Estavam usando alguma jóia?
Fui pega de surpresa com as perguntas disparadas dele. Suspirei antes de começar a falar.
- Eu sei... Foi uma idiotice. - concordei - mas eu não suportei, tá legal? O cara começou a mexer com Suze! - a ideia surgiu tão rápido quanto eu a pronunciei. Tão rápido que quase acreditei ser real. Minha voz embebedada de raiva, que na verdade tinha como alvo Liam, saiu perfeitamente frustrada como a de uma irmã mais velha protetora.
- Mexer...? - eu sabia que ele só queria ter certeza
- Sim, Luan, mexer! Quando vi que o assalto poderia virar um estupro não pensei duas vezes. - respondi.
- Você já foi a delegacia? - perguntou Luan
- Não adiantaria muita coisa. Já viu o policiamento funcionar por aqui? Muito menos quando você não viu o bandido que estava com a cara tampada. E Suze pediu para que eu não fosse. - essa última parte teria sido verdade se ela tivesse encontrado tempo para isso.
- Mas por quê? Sam... Não faz o menor sentido. - ele balbuciou
Na minha vida inteira, nada fez sentido algum. Não complica as coisas, Luan!
- Você confia em mim? - perguntei
- Eu não sei se devo - recuou ele, seu pomo de adão se movendo enquanto ele engolia em seco.
- Seu coração diz que deve? - senti um desconforto no estômago logo que aquela frase saiu da minha boca, era como se a repugnasse como sempre acontece quando tenho que apelar para frases clichês.
- Você sabe o que ele diz - ele não olhou para mim ao responder
Essa história de novo não...
- Então acredite nele. - conclui.
O silenciou durou o restante da viagem inteira. Quando Luan entrou no estacionamento do hospital, flashbacks da noite anterior começaram a me fazer visitas desagradáveis. Eu realmente precisava dormir. Acho que cochilei alguns minutos na mesa do bar. Meu corpo estava agitado. Comecei a bater o pé freneticamente no chão do carro.
- Só prometa me ligar se precisar? - Luan ainda não me olhava, mesmo depois do carro parado.
- Não vai precisar - sorri de canto, tentando convencê-lo.
Pousei uma mão em seu joelho, sem falar nada, só para força-lo a me olhar. Esperei alguns segundos... Pronto. Luan estava me olhando assim como eu queria que fizesse.
- Obrigada - abri o melhor sorriso que pude, em meio a cara achatada e a maquiagem borrada que provavelmente estavam me fazendo parecer um rascunho de palhaça gótica.
Luan assentiu e pude ver um sorriso leve em seus olhos. E eu sabia que agora podia ir,e ele não estaria magoado comigo quando nos reencontrássemos. Um sorriso com os olhos é o primeiro sinal de perdão. Toda garota - como eu - sabe disso.
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The Heartbreaker: As Estações de Samantha
AventureAo que parece, Samantha Clark já está imune a qualquer tipo de sentimento.Dona de um coração duro, perversa, e irresistivelmente perigosa, só consegue demonstrar afeto a sua irmã mais nova, Suze. Não economiza quando se trata de mostrar todo seu pod...