Me dirigi até o balcão onde uma moça jovem de cabelo castanho escuro penteado perfeitamente em um coque cujo nenhum fio escapava lixava a unha da mão esquerda.
A recepção do pequeno hospital tinha as paredes pintadas em um tom pastel que deixava o ar calmo. As cadeiras em cinco fileiras de quatro cadeiras logo a sua frente. Havia um corredor a esquerda da sala. Foi reparando nesses pequenos detalhes, que percebi que não havia prestado atenção em nada desse lugar na noite anterior: estava aflita demais para isso. A última coisa que vira foram os braços da médica que me empurraram para fora da sala - a qual eu tentei entrar atrás de Suze - de uma forma gentil demais para a reação do meu corpo contra o dela. Desmaiei depois disso.- Boa tarde! - coloquei as mãos no balcão batendo os dedos como um ato involuntário, porém com a intenção de tirá-la de sua concentração.
- Olá! - ajeitou-se ela no assento ao responder com um sorriso no rosto - você está melhor?
- Eu...ér.. Sim, estou! - respondi um pouco confusa.
Droga, todo mundo nesse hospital deve me conhecer agora. Devem me chamar de "aquela escandalosa da noite passada."
- Houvi boatos que sua irmã reagiu bem a cirurgia! - ela sorriu e eu também - Quer visita-la?
- Ah! Claro... Claro que sim! - eu disse com um pouco de entusiasmo demais, quase esquecendo que ela falava comigo como se me conhecesse a anos. - Por favor, é o que mais quero agora! - acrescentei.
- Tudo bem - a moça abaixou o olhar e ouvi alguns clicks de seus dedos batendo delicadamente no teclado.
Aguardei impaciente por alguns minutos. Nesse breve silêncio apenas preenchido pelo toque da moça, ouvi uma música baixa. O som era de violão e uma voz masculina que acompanhava cantando. Quase inaudível, não consegui reconhecer de que música se tratava, ou nem mesmo a língua da canção. Acho que o som vinha do andar de cima.
- Pronto. - ela me disse entregando-me uma carteirinha - apenas passe com o código virado para a direita na catraca, e diga seu nome a enfermeira que irá te receber na porta. Boa sorte, Sam.
Sam? Quem essa garota acha que é? Minha Melhor Amiga?
- Obrigada - assenti ainda confusa. Como ela conseguiu fazer um cadastro sem perguntar nada sobre meus dados pessoais?
Tentei não pensar muito nisso, já que qualquer detalhe era banal em relação ao que viera fazer aqui. Suzanne estava bem e eu precisava vê-la.
Fiz como a estranha da recepção me orientou. A enfermeira me acompanhou e abriu a porta para mim.
- Você tem 20 minutos - disse ela gentilmente ao abrir e me dar passagem.
Assenti sem me importar muito com o ela disse ou protestar o curtíssimo tempo de visita.
Ouvi a porta se fechar atrás de mim. E em alguns segundos eram apenas eu, Suze e seus batimentos cardíacos que quebravam o silêncio da sala. Não foi preciso dar muitos passos para chegar perto do leito dela. Observei-a por alguns instantes. Meu coração parecia querer saltar para fora do peito com aquela imagem.- Sam? - sua voz fraca era quase um sussurro, e ela não abriu os olhos ao me chamar. Talvez estivesse sonhando...
- Hey, garotinha - inclinei para beijar sua testa, logo depois acariciei seu cabelo escuro que lembrava os meus delicadamente. - Estou bem aqui, está tudo bem.
O silêncio voltou, mas Suze me surpreendeu quando ele foi quebrado por sua voz segundos depois.
- Sam, por favor, para...
- Shhhh... - eu disse ainda acariciando seu cabelo - Não deve se preocupar com nada agora, Suze.
- Por favor, me escuta - ela abriu os olhos, as pálpebras pesadas e a voz falhando - Repare nas pessoas com quem você anda se metendo! Para, Sam! Só... Pare... - ela respirou fundo, cansada com o esforço da forma rápida como pronunciou as palavras.
Eu sabia exatamente o que ela queria dizer. E sabia também que não poderia atender seu pedido. Ainda mais agora. Liam ia pagar cada gota que derramou dela.
- Suze, não se preocupe com isso, tudo bem? Só se recupere. Gaste forças apenas com isso. - tentei acalma-la
Ela respirou fundo, derrotada. Estava tão pálida
- Ainda não me interrogaram. Não tiveram tempo para isso. - ela deixou no ar.
- Tudo bem... É o seguinte - olhei ao redor da sala procurando câmeras ou qualquer coisa que pudesse fazer esse papel - Fomos assaltadas. Não sabemos muita coisa porque estávamos muito nervosas. Eles estavam de moto, eram dois. O rosto? Não fazemos ideia, estava coberto. Eles tentaram te assediar e eu reagi, e isso causou a irritação deles que atiraram em mim, e você se arriscou para me salvar - essa última parte saiu engasgada por eu saber que era real. Totalmente real.
- Você mente tanto, que acredita no que inventa. - pude ver um fraco sorriso se formar em seu semblante.
- Eu detesto te induzir a isso, Suze. Desculpe.
Sua mão procurou a minha e apertou-a com a maior firmeza que suas forças permitiam. Retribui ainda acariciando seus cabelos e seu rosto pálido.
Trocamos mais algumas palavras e o assunto variou do quão horrível e suja eu estava até seu primeiro dia de aula na nova escola. Consegui arrancar algumas risadas fracas dela, e isso me aliviou muito. Ou pelo menos, me fez não ficar pensando em todas as formas de vingança sangrenta possíveis que eu queria realizar assim que encontrasse Liam outra vez. Ou... quando ele me encontrasse. Nenhum de nós deixaria barato o que aconteceu na noite passada.
A enfermeira abriu a porta depois de um tempo. Eu a olhei como quem não acreditasse que o tempo havia se esgotado.
- Já deixei você ficar 10 minutos a mais do que devia, se me pegarem... - ela não finalizou mas a careta que fez já dizia tudo.
- Entendi. - fiz a boa moça, ao invés de protestar e manda-la ir à merda. - Eu volto, garotinha. Vou passar a noite aqui.
- De forma alguma, Sam! Você tem que ir cuidar da Dona Adelaide.
Revirei os olhos. Pelo amor da deusa! Já havia me esquecido da velha.
- A filha dela pode fazer isso por hoje - eu disse dando-lhe um último beijo e me afastando antes que ela pudesse discordar e tentar me fazer mudar de ideia.
Dei um tchauzinho e soltei um beijo no ar antes de sair pela porta. Suze fingiu capturá-lo e colocar junto ao coração, como sempre fazia quando eu encenava dessa forma.
Parecia que um pedaço de mim ficara dentro da sala. Ou talvez, tudo de mim.
Agradeci a enfermeira que não falou nenhuma palavra ao me acompanhar até a recepção onde a maluca metida a minha amiga me encarava com os olhos ansiosos e esbugalhados.- Então...? - ela perguntou.
Aquele tipo de reação estava começando a me incomodar. Era mais que simpatia; era quase... Forçado?
- Então que hoje a noite eu volto para passar com ela. - eu disse.
- Você não pode, Sam... Digo, não sem antes ter uma autorização do médico que está acompanhando a recuperação.
- Com licença... eér.. - olhei o crachá pendurado em seu avental - Catarina, eu vou passar com a noite com Suzanne Clark, independente do que a equipe médica diga. - levantei minha carteirinha de visitante e acrescentei - Isso fica comigo. Até mais tarde.
Virei-me em um andar firme, e fui em direção à porta. Minha tentativa de uma saída teatral foi interrompida por um cara que tentava sair pela porta de vidro junto comigo. Ele bateu o violão dentro da capa que carregava em uma das mãos nas minhas costas, e eu o encarei sem na verdade reparar nele, um pouco furiosa.
- Me desculpe, senhorita - a voz grave do homem tinha um tom brincalhão, o que me fez ter quase certeza que ele fizera aquilo de propósito.
- Manuseie melhor seus instrumentos. - eu disse tomando meu lugar a sua frente e saindo primeiro que ele.
- Vou tentar - ouvi ele dizer no mesmo tom risonho atrás de mim.

VOCÊ ESTÁ LENDO
The Heartbreaker: As Estações de Samantha
AdventureAo que parece, Samantha Clark já está imune a qualquer tipo de sentimento.Dona de um coração duro, perversa, e irresistivelmente perigosa, só consegue demonstrar afeto a sua irmã mais nova, Suze. Não economiza quando se trata de mostrar todo seu pod...