Capítulo I - Jacqueline (I)

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Em algum dia de inverno de 1975, Jacqueline, uma linda mulher morena de olhos pretos e um belo corpo esguio cheio de curvas, andava pelas ruas cheias de pessoa em São Paulo. O seu corpo seguia o caminho de seu apartamento, mas dentro dela ela estava em estado de choque, feliz por ter ganhado muito e triste por ter perdido uma boa amiga.

  Há duas horas atrás ela se chamava Jacqueline e tinha vinte e um anos, tinha um carro - que ainda estava pagando, lembre-se disso -, um apartamento consideravelmente bom na parte nobre de São Paulo - mas não se gabava por isso -, a garota que vivia de artigos em revistas de moda e de cozinha já estava terminando de escrever o seu primeiro livro e não tinha mais do que alguns cruzeiros no banco. Isso tudo há duas horas atrás.

  Agora não mudará muito. Ainda se chamava Jacqueline, ainda tinha vinte e um anos, ainda tinha um carro pequeno e quadrado, um apartamento na parte nobre de São Paulo, e ainda estava terminando de escrever o seu primeiro livro, havia acabado de herdar uma mansão - que por sinal foi por um tempo, um marco arquitetônico - de uma mulher para quem trabalhara e também herdara o seu dinheiro, uma quantia bem grande de dinheiro. Como ela não tinha filhos e Jacqueline era a única pessoa que ela conseguia ter afeição e podia considerar uma filha, a mulher que nesse momento andava pensante e feliz numa tarde fria com máxima de treze graus na Avenida Paulista levará a melhor.

  Nossa, como o mundo dá voltas, pensou Jacqueline, passando pelo amontoado de pessoas agasalhadas por causa do frio horrível que fazia. Ela recapitulava a conversa que tivera com o advogado de Ana, um homem que aparentava ter 50 anos e usava terno, tinha cabelo liso branco penteado para trás, era pálido como um vampiro, tinha longos dedos e era alto, muito alto. Quando Jacqueline o viu, sentiu medo. Porém, quando ele sorriu para ela, Jacqueline se sentia confortável com ele. Teve um estranho pensamento que se ela fosse assassinada por ele e ele desse um sorriso no momento de sua morte, ela não veria a morte tão ruim assim.

  - O quê?! - disse ela quando o advogado lhe parabenizara com o sorriso confortável - Isso só pode ser brincadeira!

  Ele deu uma gargalhada alta. Estava sentado numa mesa de costas para uma enorme janela que ia do teto ao chão e se estendia por toda a sala e tinha uma visão de boa parte de São Paulo. Ele se levantou da mesa e ela se sentiu uma anã quando ele se ergueu.

  - Não, não é brincadeira. É tudo seu. Isso é muito considerando que você é uma mulher independente vivendo num mundo machista.

  Ela deu um sorriso tímido. Ele continuou com o seu pequeno discurso sobre a opressão que as mulheres sofriam no mundo e finalizou assim:

  - Sabe, ainda sonho com o dia em que todo mundo vai ser igual, mas eu sei que não vou viver a tempo. Não acredito em diferença de sexo e também não acredito em raças.

  - Somos todos iguais aos olhos de Deus - disse Jacqueline, quase zombando.

  Ele sorriu.

  - Também não acredito nessa besteira de que existe algum Deus. Enfim, acabei falando uma coisa que você nem dá a mínima, não é?

  - Não, achei bem interessante. Seria legal se o mundo existisse mais caras legais como você.

  Ela se levantou.

  - Quando posso ver a casa?

  - Quando quiser.

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