4. De volta ao presente

42 4 3
                                    

Hoje acordei assustada com o pesadelo que tive (de novo) e como recomendado pelo senhor,dr.Roberto, resolvi escrever dessa vez sobre meu sonho. Como já disse nas minhas análises, esse sonho como os anteriores segue um padrão,e sempre começa com as mãos de Heitor que me puxam e me arrastam pelo chão,aonde quer que eu esteja, e depois ele para abruptamente e me fala alguma coisa...mas dessa vez eu lembro do que ele falou porque é uma estrofe de um poema muito conhecido de Vinícius de Morais.
"Eu deixarei...tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu."
Mesmo já tendo lido esse poema milhares de vezes, nunca o tinha visto como uma mensagem de Heitor para mim, mas agora faz um pouco de sentido o fato em si. Toda a repetição,ele me puxando para si,torna menos macabro os meus sonhos porque talvez não seja nada além de... ciúmes e eu consigo entender.
Hoje,antes de voltar a escrever, recebi a visita de minha filha mais velha,Amanda, e minha netinha Joana, que está tão linda e esperta! Mas o mais importante além da visita rotineira nos domingos,foi a conversa honesta que tive com Amanda acerca de Heitor. Nenhum dos meus filhos sabem dessa parte da minha história, então já que estou disposta a me abrir em um livro,porque não mostrá-lo para meus filhos? No momento só Amanda pôde saber porque é a única que ainda mora em São Paulo. Sofia e Tomás, os gêmeos, estão estudando na Austrália,fazendo biologia. Mas no fim do ano eles voltarão para o Natal e eu contarei tudo.
A primeira reação de Amanda foi de surpresa e depois de um tempão sem dizer nada ela me perguntou:
-Então você nunca amou o meu pai?
-Existem vários tipos de amor...
-A senhora me entendeu.
-Não desse jeito, o meu amor por seu pai era um amor de infância misturado com admiração.
-O que esse tal de Heitor tinha que meu pai não tinha?
-Amanda,eu sei que é difícil para você me escutar falando isso,porque se trata da memória do seu pai, mas ele sabia de tudo,sabia desde o início, ele conheceu Heitor...- ela me interrompe no meio da fala
-Você está me dizendo que meu pai foi casado com você todos esses anos sabendo que você amava outro homem? Isso é loucura!
-Não minha querida,isso é amor! Não é uma opção, você não escolhe Amanda! O seu pai se sacrificou por mim e eu não tenho como descrever a minha gratidão!
-Você não merecia o meu pai!- ela disse com lágrimas nos olhos e doeu em mim,de verdade, porque eu sabia disso,sempre soube,mas nunca tinha escutado em voz alta. Me senti envergonhada, suja e indigna. A minha própria filha! Ninguém nunca tinha ousado me falar isso,nem mesmo Clarissa. Foi aí doutor que eu me senti murchar por dentro, porque a culpa de toda essa merda é minha! Mas não podemos enxergar a infinidade de consequências que resultam de nossas pequenas decisões. Pois se eu soubesse, mesmo que remotamente, que aquela garota que só queria ser livre iria causar tanto sofrimento...Ah meu caro doutor,eu jamais teria feito. Talvez Heitor estivesse vivo,talvez meu falecido esposo não fosse meu esposo de qualquer maneira e mais ainda,evitaria toda a dor que se espalha por onde eu ando. Como se já não bastasse o olhar de desprezo dos meus falecidos pais,agora eu tenho que lidar com o mesmo olhar da minha própria filha!

Naquele Tempo...Onde histórias criam vida. Descubra agora