Nova Orleans

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Música alta, as paredes pichadas. Nora estava sentada do lado de fora do bar, a cabeça contra a parede, olhos fechados. Se encontrava a maioria das noites naquele mesmo lugar, estava drogada. Os últimos meses de sua vida se resumiam em drogas, bebida e música alta.

Desde que perdeu sua memória se sentia um fantasma, perdida, vagando nas dimensões a procura de resquícios do seu passado. Sua amiga até tentava preencher suas lacunas, mas não parecia suficiente, se entregou completamente.

- Sabe que não gosto de te ver assim! - A loira se aproximou, estava acompanhada.

- E eu não gosto de cortar meus pulsos e eles cicatrizarem. - Fez pouco caso. - Sonhei novamente com aquelas asas negras.

Nora sabia que era uma nefilim, que era meio humana e meio demônio. Mas não aceitava, procurava em sua memória que parte do seu passado ela havia aceitado isso. Morava em Nova Orleans, coxas grossas, olhos cinzas e cabelos avermelhados, ondulados. Morava em um apartamento com sua única e melhor amiga Dabria, que lhe contava histórias e histórias de como se conheceram e de como foi sua vida até o último incidente, que lhe tirou a memória.

Depois de tudo o que Dabria lhe contou, parecia fácil de acreditar que estava bêbada num racha de carro. Se soubesse que isso lhe custaria sua memória, seria mais careta. O que mais odiava em tudo isso, era os pesadelos com as penas longas e negras que caiam sobre ela. Isso realmente a deixava irritada. Que tipo de animal teria aquele tipo de pena e porquê aquele sonho a assombrava? Se perguntava se começou depois do acidente, ou se sempre sonhou com isso.

Tinha mais perguntas do que respostas, e todos aqueles questionamento quase a faziam enlouquecer. Sempre foi de investigar as coisas, não lembrava sua história, mas sabia quem era. Não é mesmo? Precisava de endorfina, precisava dissipar todas as lacunas que não conseguia preencher, por isso se embriagava, se dopava. Toda sua investigação sempre acabava em lugar nenhum. Era uma nefilim, mas sempre que procurava mais sobre, levavam a varias histórias de folclore, arcanjos, anjos caídos. Tudo era familiar, mas Dabria confirmava que era fabula, eles eram filhos do demônio, não de anjos que gostariam de ser humanos. E ela nunca teve motivos pra desconfiar. Parecia louco ser de uma raça que sempre pareceu não sair da bíblia.

- Vamos embora, distrai a mente, não foca nos seus pesadelos.

Dabria era atenciosa, rude as vezes, mas era seu gênio forte que aparentava grosseria. Estava do seu lado quando não tinha chão. Foi ela quem a encontrou e parecia muito assustada.

- Fiz uma tatuagem, três penas na costela. Elas vão se desfazendo.

Nora se levantou, ainda escorada na parede, sorria sem humor algum.

- Sabe o que elas significam? Sou eu, cada dia, até virar pó.

- Para de dizer como se não tivesse motivo pra viver. Você está a salvo, em casa!

- Em casa? Nem sotaque daqui eu tenho. Difícil me achar de casa, não acha?

- Você tá alterada Nova, já disse que colocaram isso na sua cabeça. Sempre vem com o mesmo assunto quando está assim.

Nora sempre espancava Dabria de perguntas, interrogações que a loira não respondia. E isso era pra sua própria proteção, deviam deixar tudo aquilo pra trás. Mas as vezes tinha que cuspir as verdades em Nora. Principalmente quando estava daquele jeito.

- Quer que eu diga o que? Que você foi sequestrada e torturada por semanas por acharem que você é líder de um movimento nefilim, que obviamente sabemos que você não é? E depois que notaram a merda que fizeram, apagaram sua memória e te jogaram em um canto qualquer? Eles foram muito iniciantes, ou são muito maus pra apagarem sua vida toda, ao invés de só o tempo que você ficou fora. Que tipo de sotaque alguém que nasceu há alguns meses teria? Você renasceu, deveria dar uma chance a si mesma de recomeçar.

Não conteve o choro e voltou novamente ao chão, soluçava pois sabia que aquela era a verdade, sentia isso. Inventavam e recontavam a história da corrida centenas de vezes, pois a primeira e verdadeira versão não deveria existir. O que fizeram com ela? Arrancaram sua pele? Estupraram? Haviam feito algo mais doloroso e mais intimo, invadiram sua mente, e fizeram uma lavagem cerebral.

Não queria recomeçar do zero, queria sua vida de volta. Por mais que isso lhe custasse mais meses de procura e tiros de cocaína. Tinha que segurar a barra, era difícil focar, talvez por não ficar muito tempo sóbria. Mas quando estava limpa, o vazio inundava sua mente, era mais pesado do que podia suportar, era triste.

- Vamos pra casa, amanhã você vai estar melhor.

Pegou Nora pelo braço e acomodou ela em seu ombro enquanto ainda chorava. Repetia ao menos uma vez por semana essa cena. Todos tinham empatia pela garota, sabia o que ela sentia. Não ser ninguém, não ter ninguém. Era mais fácil recomeçar, na teoria claro. Nora tem 20 anos e uma vida apagada, que nunca deixaria para trás, mesmo que forçada pelas circunstancias.

Coldwater - Maine

- Não acredito que estou sepultando minha própria filha! - Blythe chorava.

Não estava certo, os filhos enterram os pais, não o contrario. Quase não havia pessoas no cemitério, chovia forte, mas eram lagrimas que inundavam o rosto daquela mãe. Não se conformava com o final de sua família, primeiro o marido, agora a filha. Se negava aceitar, mas o que podia fazer além de chorar em cima de uma lapide?

Continua...


Hush hush - FragmentosOnde histórias criam vida. Descubra agora