CAPÍTULO 3 - Tris

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Naquela manhã acordo com o zumbido do barbeador eletrico, Tobias está parado em frente ao espelho, a cabeça inclinada para que possa enxergar o maxilar.
Eu abraço meus joelhos cobertos pela manta, e o observo.
- Bom dia - diz ele. - Dormiu bem?
- Sim.
Levanto - me, e quando ele inclina para raspar o queixo com o barbeador, eu envolvo em meus braços em torno dele. Pressionando minha testa em suas costas onde as chamas da Audácia aparece. Ele abaixa o barbeador e coloca suas mãos sobre as minhas. Nenhum de nós quebra o silêncio, eu escuto ele respirar, e ele acaricia meus dedos devagar.
- Vou tomar um banho - digo. Estou relutante em sair de perto dele, se eu pudesse ficaria abraçada nele pelo resto da vida ou até cair de exaustão, mas sei que não posso, não porque não quero.
Tomo banho, visto minhas roupas e saímos do apartamento e vamos em direção ao refeitório. Quando chego me sento com Lynn, Marlene e Uriah, Tobias vai conversar com Zeke e outros membros. Após alguns minutos eles se aproximam.
- Vamos nos reunir agora, Uriah chame o restante do grupo. Vamos nos reunir na sala de controle. - diz Tobias. Me levanto e o sigo depressa.
Quando chego na sala de controle, sento-me em uma mesa do outro lado da sala. Aos poucos vai chegando as pessoas que vão participar da reunião, Tori é a primeira a chegar, em seguida chega Lynn, Marlene, Christina e Uriah.
- Essa reunião foi marcada para que possamos encontrar uma solução para retirar os discos e atacar a erudição. - diz Tobias.
- Alguém tem alguma sugestão sobre o que devemos fazer?
- Eu acho que devemos atacar - diz Uriah.
- Espertão, não podemos fazer isso, porque se atacarmos Jeanine pode ativar os simuladores então mais da metade estará sobre o efeito da simulação. - diz Zeke..
- Então vamos retirar os dispositivos primeiro. - diz Lynn.
- Não dá, eu tentei retirar os discos de uma mulher, ela sofreu demais entao parei, é como se o disco emitisse alguma onda ou veneno que causa uma dor terrível. - digo.
- Então você nos chamou aqui para o que? Para dizer que não vamos atacar, e vamos ficar esperando Jeanine ativar os simuladores e nos matar? - diz Christina irritada.
- Não Christina, não vamos fazer isso, mas precisamos encontrar uma outra solução, se você tiver alguma outra coisa em mente, fale. - diz Tobias.
- mas não entendo, porque invadir apenas para lançar esses discos? Porque não tentaram nos matar de uma vez? - diz Lynn.
- Não sabemos... o único uso para que eu vejo isso é para descobrir quem é divergente, e então atacar. - diz Tori.
- Mas esse não deve ser o único motivo, Jeanine sempre quer mais. - diz Zeke.
- Não entendo o que eles querem, quero dizer, quando eles estavam tentando controlar nossa mente para fazer um exército, tudo bem, mas qual o propósito disso? Apenas nos matar? - diz Marlene.
- Jeanine não quer matar todos nós. - digo lentamente. - Ela sabe que seria ilógico, nossa sociedade funciona com cada facção, porque cada um treina para atividades distintas. O que ela quer é controle. Mas os divergentes não podem ser controlados então ela irá matar quem não for controlado.
- Ela está planejando outra simulação, a mesma coisa de antes. - diz Tobias.
- Mas a simulação só dura por um período de tempo, não é útil, a menos que esteja querendo realizar algo específico. - diz Zeke.
- Então de qualquer forma precisamos atacar... - diz Uriah.
- Mas temos poucos soldados, precisamos de aliados. - diz Marlene.
- Não podemos contar com a Franqueza, Jack kang praticamente nos entregou para morrer nas mãos da Jeanine, e a amizade tem aquele papinho de neutralidade. - diz Christina.
- Ainda temos um grupo que acho que podemos pedir ajuda. - diz Tobias - os sem facções.
Olho para Tobias e ele desvia o olhar, não acredito que ele sugeriu isso.
- O que? Porque os sem facções? - pergunto.
- O exército dos sem facções é duas vezes maior que o da Audácia completo. Então pensei neles por dois motivos: eles tem o maior número de audaciosos e já estão treinados.
Para ele sugerir isso, é porque esta pensando nisso há muito tempo, antes quando a mãe dele fez o convite para se juntar a eles, ele negou, e o que fez mudar de ideia? E porque não me contou que pensava em se aliar a eles? Será que não confia mais em mim? Estou brava, ele pede confiança, mas não confia em mim a ponto de falar sobre os planos que têm pensado. Não concordo com essa decisão, mas todos parecem concordar pois não foram contra a sugestão.
- Então, vamos contabilizar aqueles que estão com o disco e vamos tentar remover. - diz Tori. Os outros concordam e a nossa reunião está terminada, não acredito que realmente vamos se juntar aos sem facções.
Aos poucos eles vão saindo, eu ainda estou sentada no mesmo lugar, Tobias caminha na minha direção e para na minha frente. Todos saem até que eu e ele ficamos sós.
- Porque você não me contou que estava pensando em se aliar aos sem facções? - pergunto estou claramente irritada.
- Você quer que eu faça o que exatamente? Não temos aliados e estamos em pouco número. Se juntar a eles é o melhor que podemos fazer agora.
- Sim, mas eu achei que ao menos você me contaria o que estava planejando fazer ou pediria minha opinião, se você não confia em mim como vou confiar em você?
- Agora eu tenho que dizer tudo de imediato para você? Preciso pedir permissão para tomar as minhas proprias decisões?
- Tobias, eu não acho uma boa ideia...
Eu me sinto tão frustrada, que eu não consigo nem falar por alguns segundos. O calor e a raiva enchem cada pedacinho do meu corpo.
- Tris você não está entendendo...
- Estou entendendo sim! ... Agora que vc descobriu que sua mãe está viva, vc quer ficar juntinho com ela... - agora eu já estou gritando.
- Isso não é verdade..
- Você está carente e está querendo fazer de tudo para ficar próximo a ela, até mesmo fazer aliança indevida. O que eles vão querer em troca? Ela está te usando, só espero que você não demore a perceber... - Eu grito de forma bruta com ele.
Eu estou andando de um lado para o outro, para tentar me acalmar, sinto que aos pouco a tensão no meu corpo vai sumindo gradativamente.
- Tobias, isso nao é apenas problema seu.. é meu também. - digo de forma mais calma.
Por alguns instantes ele não responde, seus olhos azuis me encaram.
- eu não estava planejando me aliar aos sem facções, eu estava apenas considerando a ideia. Se eu já tivesse tomado a decisão, eu teria dito alguma coisa a você. - ele parece calmo e tranquilo. Tobias calmo é sinal de que nada está bem, ele não olha para mim por um longo tempo. Ele está com a cabeça baixa, até que não aguento mais, sinto que eu poderia gritar. Eu podeia dizer mais alguma coisa, que ele está errado, mas não sei o que dizer, tento falar mais alguma coisa mas a voz não sai da minha boca, eu poderia pedir desculpas, mas não posso, porque eu só disse a verdade, e eu não posso mudar a verdade. Espero ele explodir e brigar comigo, mas ele não diz mais nada, se vira e vai embora. E eu fico sozinha ainda não acreditando no que acabou de acontecer. Lágrimas enchem meus olhos e eu solto um grito de frustação. Não quero chorar novamente, não quero. Meus olhos embaça com as lágrimas, eu desço correndo.
Não quero ir para o dormitório ou para o refeitório, não quero ver ou falar com ninguém.
Vou para a sala de treinamento, quando chego sou bombardeada pelas lembranças, lembro-me de quando derramei meu sangue sobre o carvão fumegante, lembro-me da expressão do meu pai quando escolhi outra facção, quando os traí, lembro-me de quando fiquei no lugar de Al enquanto Tobias lançava facas em minha direção, lembro-me de quando desci na tirolesa... Onde está aquela Tris corajosa, forte, altruísta, que escolheu a Audácia para se tornar livre, que enfrenta os próprios medos para poupar os amigos... poupar um amigo.. não poupei a vida de Will, poderia ter atirado em qualquer outra parte de seu corpo.. com Tobias eu estava disposta a morrer do que mata-lo, poderia ter feito a mesma coisa com o Will... não consigo conter as lágrimas que insiste em vir, permito - me desabar, se antes eu estava chorando com alguma dignidade agora a coisa ficou feia, estou com a boca aberta e meu rosto contorcido, solto sons que parece que um animal esta morrendo no fundo da minha garganta, se isso continuar, irei quebrar, e talvez seja melhor assim, me quebrar, despedaçar e não precisar suportar mais nada. Não sei quanto tempo fico aqui, tento juntar as partes que sobrou de mim e saio. Caminho pelos corredores em direção ao dormitório dos iniciados.
Quando chego, percebo que o quarto continua exatamente como estava: é comprido e largo, com beliches um ao lado do outro, tem um quadro pendurado em uma das paredes, ninguém se preocupou em apagar os nomes escritos no ranking. Deito na cama que eu costumava usar, alguns membros estão usando esse quarto, mas agora não há nenhum deles por aqui. Sinto meu corpo pesado como uma pedra, antes que possa pensar sobre mais alguma coisa, já estou dormindo.
Alguém me sacode e eu acordo.
- Tris, levanta.
Ouço um grito, rapidamente eu jogo minhas pernas sobre a beirada da cama e deixo uma mão puxar-me para a porta
Meus pés estão descalços e o chão é irregular por aqui, posso ver quem esta me puxando, Uriah, o medo e o pavor está nítido em seu rosto. Ele está quase arrancando meu braço.
A última vez que alguém me tirou da cama foi porque Al tinha se jogado no abismo. Eu cerro os dentes e tento não pensar sobre isso. Acho que já sei o que está acontecendo. Não pode estar acontecendo de novo. Não pode.
-Uriah... uriah... Paramos por um minuto..
- Simulação... esta acontecendo uma simulação perto do fosso, não são todos que estão, apenas quem está com o disco. - diz ele esbaforido.
- Precisamos sair daqui. - completa ele.
- Você quer fugir antes de descobrir o que está acontecendo? - digo, mas antes que ele possa responder dou de ombros e corro. Escuto os passos dele atrás de mim e sei que ele está me seguindo.
Corremos o mais rápido possível, até meu peito arder. Corremos pela caverna, o ronco do rio nos segue pelo caminho. Quando chegamos, eu me pergunto: Afinal, o que eu pretendo fazer? Eu não sei, mas dentro de mim eu sei a resposta: estou sendo imprudente. Provavelmente eu nao vou ganhar nada, provavelmente vou morrer. Viro-me para Uriah, pela sua expressão ele esta aterrorizado.
- Uriah, procure Tobias e os outros, diga o que esta acontecendo, eles precisam saber. - digo.
- E você? O que vai fazer?
- Vou ficar, preciso ver se todos realmente estão na simulação.
Ele concorda e sai.
Eu vejo ele ir correndo pelos corredores de onde nos vimos. Eu sei que todos estao na simulação, mas eu não podia deixa- los, sei que é tolice da minha parte, mas se os traidores fosse invadir nesse instante, eu tentaria proteje- los, pelo menos tentaria. Eu entro e vejo pessoas inconscientes vestidas de preto. Christina esta entre eles. Sinto um nó na garganta. Ao passar por cada pessoa, cada rosto sem expressão lembro de uma canção que as crianças da franqueza costumavam cantar quando achavam que não tinha ninguém olhando.

A Audácia e a mais cruel das cinco, eles despedacam-se entre si.

Isso nunca pareceu tão verdadeiro para mim quanto agora, traidores estão induzindo uma simulação que não é tão diferente daquela que nos obrigou a matar os membros da Abnegação a nem três meses atrás. Nos somos a única facção que poderia fazer isto, a Amizade não faria, ninguém da Abnegação seria tão egoísta, a Franqueza argumentaria até que encontrassem uma solução comum e mesmo a Erudição não faria algo tão ilógico assim. Somos realmente a facção mais cruel. Eu continuo andando pelos corpos totalmente parados, e cantarolo o verso seguinte:

a Erudição é a mais fria das cinco, o conhecimento custa caro...

gostaria de saber quando Jeanine percebeu que Erudição e Audácia fariam uma combinação mortal. Crueldade e lógica fria, ao que parece pode realizar quase tudo, inclusive colocar uma facção para dormir. Eu examino rostos e corpos enquanto ando. Vejo a mulher que ajudei no dia do ataque, ela também está sobre o efeito da simulação. Eu penso, pra mim é bastante lógico, agora que a metade dos membros que restou esta em uma simulação, os traidores podem invadir e nos matar. Será o fim.
Do outro lado do fosso, esta Tobias e outros soldados que chegaram a pouco tempo, eles estão arrumando as armas e a munição. Corro até ele.
- Tobias, se acontecer um ataque, o que faremos? - pergunto.
- Se acontecer um ataque, lutaremos como audaciosos. - responde ele, posso ver em seus olhos a preocupação. Os outros membros que não estão sobre o efeito da simulação concordam com gritos e vaias.
- Eu estou desarmada. - digo.
Ele estende pra mim uma arma, quando minha mão toca o metal frio, vejo Will, de pé, ambas as nossas armas estao entre nós, depois a bala acertando sua testa. Recolho a mão, não consigo segura-la, balanço a cabeça. Ele retira do cós da parte de trás da sua calça uma faca e me passa. Pego e guardo no meu bolso. Ouço passos, acho que os traidores começou a invadir mas não tem ninguém.
Vejo três pessoas inconscientemente andando em direção ao abismo, uma dessas pessoas é a Christina. Não tenho tempo para pensar, apenas agir. Corro em direção a ela e a seguro, Tobias faz o mesmo com um rapaz loiro. O terceiro homem para e abre a boca.
- Isso não é uma negociação, é um aviso. - diz uma voz que não pertence a aquele homem, sei disso porque a voz carrega uma arrogância que somente os eruditos tem, mas como é possível Jeanine conseguir usar as cordas vocais dele? Zeke tem razão, Jeanine sempre quer mais.
- A cada dois dias, até que todos os seus divergentes se entreguem na Erudição, isso irá acontecer.
O homem da um passo para o abismo, mas antes que eu possa fazer qualquer coisa, ele se joga no abismo. Uma menina de cabelo rosa também cai ao chão, zeke confirma, está morta. Eu e tobias nos entreolhamos, ele sabe o que estou pensando. A simulação acabou, todos que estavam na simulação agora estao acordando. Christina começa a tossir.
- O que aconteceu? - pergunta ela.
- Jeanine ativou a simulação, você e duas pessoas estavam andando para o abismo e eu..
- Você me segurou. - completa Christina, já se levantando.
-Sim.. mas duas pessoas morreram e Jeanine disse que se os divergentes deve se entregar.
Meu corpo todo esta tremendo, não consigo respirar e ouço meu coração bater nos meus ouvidos.
Christina faz movimentos com a boca, mas eu a ignoro. Olho para o interior do abismo, não vejo o corpo do homem mas vejo sangue, muito sangue. Ando em qualquer direção, nao aguento mais essas mortes... nao aguento mais ver pessoas inocentes morrendo no meu lugar, eu sou uma divergente, sou eu que Jeanine quer.
Eu cruzo a multidão próxima ao abismo e corro para o mais longe daqui.
- Tris... Tris... - ouço Tobias me chamar mas não olho para trás.

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