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  O loiro estacionava seu pequeno carro verde-oliva na vaga habitual, com toda a facilidade que o tamanho do automóvel permitia. Todos os seus colegas de farda tinham carros grandes, era algo meio que cultural do país e entre os policiais esse aspecto era ainda mais exagerado. Todo mundo naquele batalhão queria ter "o maior" carro, e dessa forma o pequenino carro chinês de Niall era o que mais se destacava. De fato, ele nem gostaria de ter um carro, estaria muito bem indo de bicicleta para o trabalho todos os dias ou até mesmo de metrô, já que havia uma estação do outro lado da sua rua e outra bem próxima ao Departamento de Polícia de Atlanta. Mas o problema é que seu pai não deixaria nunca de pegar no seu pé e, bem, ele não estava acostumado a aguentar por muito tempo que ficassem reclamando em sua cabeça, portanto tratou de calá-lo com o carro novo mais popular que pôde encontrar. Com o dinheiro que economizou na compra do barato veículo – saiu de fábrica pelo preço de um Toyota usado da década passada, sério, esses chineses estão dominando o mundo – ele conseguiu investir na própria segurança. Ser policial não é mais um serviço como antigamente. E apesar de ser durão, ele sabia que não era à prova de balas. Pelo menos seu carro, então, era e isso tinha que ser o suficiente.

Niall era um cara que genuinamente se preocupava com o meio ambiente: depois de cuidadosa pesquisa, comprou o maldito automóvel sobre o qual seu pai estava enchendo-o por meses. Burt era um daqueles caipiras com jeito bruto e o loiro só havia visto o pai ceder uma vez na vida: quando ele saiu do armário aos dezesseis anos. Geralmente, era impossível argumentar com ele e ter opções divergentes era o inferno, porque o homem sempre achava que se impor era a melhor coisa a fazer. Depois de anos morando com ele, Niall já não aguentava mais e finalmente achou que estava livre quando comprou seu primeiro flat. Ledo engano. Mesmo indo morar bem longe dele, embora ainda na mesma cidade, a dor de cabeça não terminou. Ele não se contentava em preencher sua vida com Carly – sua nova esposa chata e fútil que fingia que gostava dele – e tinha que ficar correndo atrás do filho para cima e para baixo. No fundo, ele sabia que era uma coisa de orgulho, por ele ser filho único e ainda por cima homem. Mas, pelo amor de Deus, ele tinha se mudado de Toronto justamente para escapar de sua mãe. Ficar aturando o pai não estava em sua agenda quando aceitou vir para Atlanta. Niall era o tipo de cara que gostava de espaço, emocionalmente falando.

Com um sorriso superior no rosto, por conseguir encaixar o seu carro na vaga com a maior facilidade enquanto do outro lado do estacionamento o babaca Richard Jones tinha um mau tempo com sua caminhonete enorme, Niall entrou no edifício da Polícia Metropolitana de Atlanta. Sua casa oficial por um ano e meio. O agora Detetive Horan teve que lutar muito para conseguir o seu cargo atual, e ele se lembrava bem de cada obstáculo no caminho. Desde a sua inscrição na academia, teve que aguentar um monte de merda de meio mundo.

A princípio, ele foi remanejado para um oficial nas ruas, como qualquer outro. Passou duas semanas como guarda de trânsito, mas o seu bom relacionamento com o chefe e sua política de tolerância zero com espertinhos que decidem adaptar o código de trânsito acabaram lhe rendendo uma promoção – nesse caso, uma transferência. Na repartição de combate ao narcotráfico, ele não foi tão bem-sucedido assim. Geralmente os policiais com mais tempo na força o tratavam como capacho e o mandavam nas piores missões possíveis, como estourar bocas de fumo em guetos e bairros tradicionalmente dominados por facções criminosas. Se Niall já não fosse um alvo nesses lugares à luz do dia por causa de sua pele alva como leite – culpa de sua mãe e seus malditos genes canadenses –, durante a noite sua farda tinha o efeito de um letreiro de neon anunciando "atire em mim". As coisas ficaram ainda piores, se possível, quando um dos caras o viu saindo de uma boate. Piadas começaram a correr entre seus colegas de profissão e até mesmo seu capitão passou a tratá-lo de forma diferente. Sendo filho de quem era, Niall nunca deixaria isso barato. Ele armou o maior estardalhaço da história da Polícia de Atlanta. Fez gravações e recolheu provas dos assédios e então ligou para o Prefeito, a Câmara de Vereadores, todos os órgãos liberais que conhecia, todos os amigos (basicamente toda a comunidade LGBT do condado), o Ministério Público e a imprensa. Denunciou que estava sofrendo homofobia dentro da corporação e até protestos foram organizados a seu favor. Diversos outros policiais assumidos apareceram para lhe dar apoio. Eles trocaram seu parceiro e seu chefe, e a partir de então os ânimos no trabalho tornaram-se suportáveis. Entretanto, o loiro estava cansado de estar em uma instituição parada. A polícia mal podia fazer algo contra a criminalidade exorbitante da cidade. Era como se os policiais estivessem ilhados, tentando manter apenas uma aparência de ordem no cartão-postal da Geórgia. Ele nunca podia ir a um lugar e realmente prender o traficante, porque o cara era protegido de algum figurão da cidade envolvido com política e... Esses tipos de caso sempre morriam antes de chegar na justiça. Embora ele tentasse seguir a lei da melhor forma possível, Niall não era ingênuo. Ele entendia como o mundo verdadeiramente funcionava. Assim, desgastou-se no seu emprego e precisava de uma saída. O loiro queria subir na carreira, e a menina dos olhos de qualquer agente era o cargo de "Detetive" na repartição de homicídios. Tinha a maior remuneração da força, altas bonificações, poder e prioridade sobre outras operações. Ser um detetive de homicídios era o topo da cadeia alimentar que um simples policial podia alcançar sem ter que recorrer aos truques sujos da política (Exemplo: se coligar com um vereador a fim de conseguir cargo de Capitão). E o melhor de tudo: não era obrigado a usar uniformes caso trabalhasse como homicídios. Assim ele poderia largar aquela farda cafona e que, apesar de ressaltar a cor de seus olhos, era horrível para se usar na rua. Ele teria a oportunidade de finalmente poder se gabar sobre suas habilidades fashion no trabalho e deixar todos os colegas de trabalho (e suas esposas) morrendo de inveja.

Shoot love ↪ NiamOnde histórias criam vida. Descubra agora