O papel amarelado

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Caminhando, em uma estrada longa, minhas pernas já não aguentam mais, elas pedem por descanso. Olho para o lado, toco no ombro de minha irmã, e percebo que Sarah está com uma péssima aparência. Visivelmente cansada.

Vejo um tronco na beira da estrada, onde seria ótimo  para encostar e dormir um pouco, permitindo que a fome parasse de lutar contra a nossa vontade.

Me sento na terra fofa, olhando para o céu estrelado e penso o quão impossível seria ter a oportunidade de ver todas essas estrelas no "velho mundo". 

Apenas quem sobreviveu a catástrofe pode perceber como o ser humano estava acabando com o planeta ,o quanto que a vida estava sendo automática, simplesmente tínhamos esquecido o quanto uma chuva poderia ser agradável,  quão gelado poderia ser a neve, a primavera ser bela ou  prazeroso tomar um gole de água...

- Hellen, você acha que ainda existe pessoas boas no mundo? - Pergunta Sarah quebrando o meu raciocínio e o silêncio.

- São poucas, mas acredito que sim - Respondo em voz baixa e volto a olhar as estrelas no céu.

Faço o lance de olhar as estrelas todas as noites quando possível, é um tipo de passatempo que me ajuda muito quando estou com fome.

***

A noite estava prazerosamente fria, em comparação dos dias anteriores e a lua iluminava a estrada. 

Escuto a respiração leve e quente de Sarah, parece que ela finalmente conseguiu dormir.

Encosto melhor no tronco para tentar dormir um pouco e percebo que um plástico toca a minha cabeça.

Me viro cuidadosamente para que Sarah não viesse acordar.

Uma folha de papel estava no tronco de uma maneira estratégica para que pudesse ser vista com facilidade, mas ao me aproximar do tronco, a fome e o cansaço não me permitiu ver nada além de um local para descansar.

Puxo o plástico retirando o papel de dentro.

A folha se tratava de uma carta, já está um pouco amarelada e desgastada devido à chuva e o sol, mesmo assim, a umidade não conseguiu retirar o grafite do papel.

A curiosidade do papel havia retirado o meu sono, talvez a leitura poderia me ajudar a dormir, a uns dois anos atrás ler durante a noite sempre me ajudava com isso.

Viro a carta em direção da lua e começo a ler o papel que, por sinal a letra não era tão ruim.

***

1ª Página

Primeiramente não quero colocar o meu nome na carta e não me pergunte o motivo.

Vou escrever como se o meu apelido fosse "Rabisco" e na verdade a carta não vai ser nada mais do que isso...

Para falar a verdade, não sei nem mesmo o que escrever, apenas gostaria de falar com alguém, mesmo sabendo que não terei nenhum tipo de resposta e que há pouca possibilidade de alguém encontrar esse papel. Lembro que no filme Náufrago, aquele ator que nem mais me lembro do nome, conversava com uma bola, Wilson, ainda não cheguei a esse ponto de loucura por ficar sozinho, mas a escrita foi a única forma de me manter em contato com alguém.

Acho que seria um bom começo falando sobre mim.

No dia em que tudo aconteceu era de manhã, sete e meia, não exatamente dizendo, me lembro, daquele vento ainda gelado, alguns pássaros acordando e cantando o seu repertório diário e minha mãe com o som das panelas no fogo. Entre tantas coisas na cozinha, o que mais me fascinava era o aroma que viajava por todos os cantos da casa, o aroma de café era uma forma de como a minha mãe nos cumprimentava com o seu doce "Bom dia".

Diário de um solitárioOnde histórias criam vida. Descubra agora