O sabor do dissabor

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Quem vê hoje este velhinho ranzinza com a pele mirrada pelos anos, sentado aqui à beira da janela, tomando café e olhando no quintal aquela escultura retorcida e seca que parece deixar o frio mais frio, o triste mais triste, o velho mais velho, o vazio mais vazio, pergunta-se:

-Por que aquele velho é tão solitário e silencioso?

Respondo contando a história que tanto me faz calar, afinal pessoas são as histórias que tem pra contar sendo verdadeiras ou não e a minha história logo chegará ao final. Vamos do início...

Plantei em meu quintal uma semente de uma fruta rara. Fiz tudo o que podia para que ela se tornasse uma imponente árvore, para um dia me dar a mais perfeita das frutas. Reguei, adubei, acabei com os insetos e a coloquei onde recebia a luz do sol. Enquanto vi a semente brotar, florescer em caule e este tornar-se tronco, o menino que fui tornou-se jovem, o jovem, homem.

Já com tronco, galhos enormes, folhas no mais lindo verde aquela árvore, começou dar as primeiras frutas. Observava cada fruta como um astrônomo estuda as estrelas, no entanto não ousava experimentar nenhuma. Uma era demasiadamente grande, a outra era pequena, houve também as sem brilho e as que brilhavam muito e ainda para algumas minha imaturidade inventou algum defeito. Esperava e esperava a fruta ideal. Vários cafés.

Esperei e esperei. Depois de algum tempo vendo as frutas ali, amadurecendo, caindo e desintegrando no solo, percebi que era só o que veria. O tempo não para e nada de fruta ideal, nada de fruta perfeita. Entrei em estado colérico e de densa aflição, abandonei-a.

Com o passar do tempo ela secou, parou de dar frutas, secou mais e tornou-se a própria lápide. Hoje minha maturidade palpitante não existe mais e depois de muito refletir cheguei à conclusão, simples, de que nunca houve nada de errado com a árvore. Percebi tardiamente que só teria descoberto a fruta ideal, se tivesse experimentado o sabor de cada uma daquelas que foram sugadas pelo solo e pelos insetos, devorada. Eles sentiram a perfeição e o sabor e a este velho tolo só restou o dissabor.


Mas meus Demônios Nunca AdormecemOnde histórias criam vida. Descubra agora