Olhei-me ontem no espelho, não ontem antes de hoje, e sim, ontem de meu pretérito mais que imperfeito, vi no rosto uns fiozinhos que chamei de "barba". Pensei com um sorrisinho tolo "poxa já sou simplesmente adulto". No entanto pensando bem cheguei à conclusão, que era o mesmo velho menino que se perdia perseguindo seus sonhos. O mesmo que bancou o otário acreditando que tudo ficaria melhor se o mundo girasse ao contrário.
Hoje sou um homem de barba e não de fiozinhos, sou sério, trabalho muito e rio pouco. Quando me resta um tempo na labuta atarefada, tomo um cafezinho forte, trago-o de casa, pois o daqui é muito fraco. Tem gente que espalha por aí que o fato de eu trazer café de casa significa mão de vaquismo. Porém acredito que mão de vaquismo tem o nosso chefe, pois o mesmo exige que compremos o café do escritório. Em todos os outros escritórios são os chefes que compram em alguns eles possuem sofisticadas máquinas que fazem até cappuccino, porém aqui, negativo. Por isso alcunhei os que me chamam de mão de vaca de puxa sacos. Puxa-saquistas.
Meu maior problema atualmente com a barba é quando bebo leite e meu bigode fica melado de branco. Não falo mais sobre isso perto dos amigos do futebol, já que pode haver uma ambiguidade muito sacana em "bigode branco e melado". O pior é quando almoço em algum lugar e acabo me atrasando, fico sem tempo de passar no banheiro, dar aquela olhada no espelho e sempre saio com um arroz ou algum outro resto de comida nos pelos hirsutos que trago na face. No caso de atraso sempre dou um jeito no hálito com uma balinha de hortelã, entretanto o arroz sempre fica ali pendendo, pra todos caçoarem de mim. Eta diacho.
Voltando ao meu pretérito mais que imperfeito, me lembro de antes de ganhar os fiozinhos, quando limpava na toalha de mesa o bigode de leite que se formava no café da manhã. Nessa época ainda morava no campo e tinha um primo que não ficava com bigode, ele tomava leite todas as manhãs direto da fonte. Argh.
Já tive vários bigodes e barbas: Jesus Cristo, Fu Manchu, Fred Mercury, Raul Seixas, suíças e muitos outros. Dentre todos, e todas as galhofas que os mesmos acarretaram, só tive problemas reais com o estilinho Hitler, tomei um sova daquelas de uma gangue de jovens cheios de brincos e cabelos estranhos, acho que o mais velho nem completara 18, e foi só aí que me lembrei com quem estava parecido, é, esse nanico alemão me trazendo problemas nos dias de hoje.
Depois de um tempo tive de adotar algo mais social pra conseguir um emprego, este mesmo que estou até hoje. No dia da entrevista entrei na sala e me deparei com o que hoje chamo de chefe, parecia um bode velho com uma barba nojenta e eu havia raspado a minha que já tinha até trancinhas, coisa de adulto que ainda houve um bom Heavy Metal.
Bons tempos eram aqueles, em que eu só desejava barba e corria atrás de meus sonhos, agora todos estão destruídos, não tenho a mulher que amo e a com quem casei vive reclamando da minha barba, meus filhos me odeiam (acho que é reciproco) e o meu emprego um dia ainda me mata, só que preciso dele ou me sinto tanto incapaz de conseguir outro que acredito que ele é a minha única alternativa. Tenho mais pelo no queixo do que na cabeça. E só agora com a experiência que todos os meus fiozinhos me proporcionam, percebo que meu maior ídolo, que fazia o mundo girar ao contrário, não tinha se quer um fio de barba.
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Aí está mais um cara que não se livra dos seus demônios.Gostou? Deixe uma estrelinha.
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Mas meus Demônios Nunca Adormecem
Short Story"Mas meus Demônios Nunca Adormecem" trata-se de uma compilação de contos obscuros, mórbidos, violentos e bizarros. Alguns mais leves e simples e outros mais pesados e pirados. O livro se chamaria "Malditos", pois a maioria dos textos se não todos aq...