BIIIIIIIN

306 7 1
                                    

14 DE DEZEMBRO DE 1979


17 HORAS


SOL EM CONJUNÇÃO COM NETUNO


E EM OPOSIÇÃO A VÊNUS


Subi numa pedra e gritei:


- Aí, Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário


disfarçado.


Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabeça no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiiiiin.


Estava debaixo d'água, não mexia os braços nem as pernas, somente via a água barrenta e


ouvia: biiiiiiin. Acabara toda a loucura, baixou o santo e me deu um estado total de lucidez:


"Estou morrendo afogado." Mantive a calma, prendi a respiração, sabendo que ia precisar


dela para boiar e aguentar até que alguém percebesse e me tirasse dali. "Calma, cara, tente


pensar em alguma coisa." Lembrei que sempre tivera curiosidade em saber como eram os


cinco segundos antes da morte, aqueles em que o bandido com vinte balas no corpo suspira...


- Sim, Xerife, o dinheiro do banco está enterrado na montanha azul.


Por que o cara não manda todo mundo tomar no cu e morre em paz?


O fôlego tava acabando, "devem pensar que estou brincando". Era estranho não estar mexendo


nada, não sentia nenhuma dor e minha cabeça estava a mil por hora. "Como é que vai ser? Vou


engolir muita água? Será que vai vir uma caveira com uma foice na mão?"


- Venha, bonecão, vamos fazer um passeio para o mundo do além, uuuaaaaaaa!!!


Será que vou pro céu? Acho que não, as últimas missas a que fui eram as de sétimo dia dos


tios e avós. Depois, não sei se deus gosta de jovens que, vez em quando, dão uma bola, gostam


de rock. Pelo menos não é isso o que os seus representantes na Terra demonstram. É, meu


negócio vai ser com o diabo, vou ganhar chifrinhos, um rabinho em forma de flecha, e ficar


peladinho, curtindo uma fogueira.


De repente estava respirando, alguém me virou.
- Você tá bem? - Era o professor Urtiga, que me carregava no colo. Sem saber o que dizer,


pedi uma respiração boca a boca. Ele me olhou assustado e foi me levando pra margem


fazendo a respiração. Já em chão firme, os bêbados e loucos falavam:


- Ei, Marcelo, levanta!


- Que é isso, Paiva?


- E aí, tinha muito ouro?


- Levanta, que ele fica bom logo, é só dar uma chacoalhada.


- Isso, me levanta, eu devo estar meio bêbado.


Me levantaram, mas não deu em nada. Todos ficaram impressionados, logo começaram a


transar uma ida a um hospital qualquer: uma cabeça mágica arrumou uma tábua. Deitaram-me


e fomos até onde estavam os carros. Não havia dúvidas de que a Kombi era o melhor deles.


Entraram Urtiga, Florência, Marcinha, Gregor e não sei mais quem. Urtiga foi cantando em


castelhano, imaginei que fosse algum ritual maia, já que ele é mexicano. Gregor foi cutucando


meu pé e chamou seu deus que até hoje não sei quem é, a Marcinha apelou pro Pai-Nosso e a


Florência só chorava. O caminho tava demorando, mas eu nem me importava, tava gostoso ali,


deitado, ouvindo o canto maia, com a certeza de que nada de grave havia acontecido. No


hospital me dariam uma injeção qualquer e tudo bem. Urtiga começou a passar a mão na minha


cabeça. Reparei que ele tava preocupado, olhei pra sua mão e vi que estava toda


ensanguentada. Só poderia ser de algum corte da minha cabeça.


Chegando no pronto-socorro, percebi que o negócio era sério: maca, oxigênio, enfermeiros,


médicos, maca correndo, teto branco, todo mundo olhando, mesa de raio X.


- Sente aqui?


- Não.


- E aqui?


- Só acima do pescoço.


- Ih, meu deus...


Veio uma mulher: disse calmamente meu nome e pedi para avisar minha família em São Paulo.


- Ah! Avisa também o dr. Miguel aqui em Campinas. O telefone dele é 29045.


Não sei como consegui lembrar o telefone do pai da minha ex-girl. Comecei a pensar nela,


doce Lalá, faz quase dois anos e não teve outra paixão igual. Lembrei-me de que sempre que a


gente ia jantar fora, pedíamos vinho e ficávamos tão bêbados que todas as privadas de bares


campineiros estavam registradas com meu vômito.


- Não, moça, não corte minha unha, é que eu toco violão e vou fazer uma gravação neste fim


de semana.


Seria a primeira vez que ia entrar num estúdio profissional.


- Guarda esse colar, que ele é muito especial.


- Pô, meu cabelo não, é que eu sou muito vaidoso.


Me deixaram carequinha, carequinha. Apaguei.

Feliz ano velhoOnde histórias criam vida. Descubra agora