O primeiro dia ♥

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06h00
- Mas já?!
Viro para o lado e tento dormir de novo, para convencer a mim mesma que esse dia não chegou. Não se passam nem 20 minutos minha mãe entra no quarto; eu finjo estar dormindo mas ela senta na ponta da minha cama e passa a mão pela minha perna. Não quero levantar, não quero ir para escola, mas ela não merece isso, vem tendo tanto esforço, ela sabe da minha dificuldade com mudança de escola, mas isso não é culpa dela e ela vem se esforçando para me dar o melhor. Quando ela me chama, com aquela voz fina e meiga, eu não resisto e viro para ela.
- Filha, já está na hora. Em menos de 1 hora você tem que estar na escola.
Sem pensar eu me viro para a parede e dou um suspiro que saiu mais alto do que eu esperava.
- Bom, se arrume e vá tomar café. - ela sai do quarto e posso perceber a tristeza em sua voz.
Vou para o banheiro e enquanto escovo os dentes tento me convencer de que esse dia ainda não chegou. Quando volto para o quarto, olho para a roupa que tinha separado antes de dormir e prefiro sem pensar duas vezes o meu pijama. Eu odiava o uniforme da minha antiga escola, mas pensando bem era melhor usar uniforme, porque nessas situações nunca sei que roupa usar.
Desço para a cozinha e me sinto muito melhor quando sinto o cheiro de café forte. Eu estava usando uma calça jeans, uma camiseta preta e meu all star branco, como costumo dizer: meu amigo de todas as horas. Até ontem de noite eu tinha decidido que não iria passar maquiagem, mas não resisti, passei apenas um protetor (o que minha mãe insiste que eu passe todos os dias, pois sou muito branca e qualquer raio de sol me deixa super vermelha), corretivo para tentar esconder minhas lindas olheiras, máscara de cílios e um blush para não assustar ninguém com a minha palidez. Meu cabelo eu apenas escovei e o prendi em um rabo de cavalo alto... É acho que estou "pronta" para meu primeiro dia de aula!
Quando termino minha segunda xícara de café, minha mãe aparece na cozinha: - Filha, já acabou? Está na hora.
A vontade de chorar bate forte em meu peito, quero sair correndo deitar na minha cama e dormir até acordar e ver que isso é apenas um sonho. Respiro fundo e abro um sorriso falso. - Sim mãe.
Volto para o meu quarto, pego minha mochila, passo um perfume qualquer e me olho no espelho - Eu vou Conseguir. - Falo para mim, com essa esperança viva dentro de mim.
Entro no carro e espero ouvir apenas o som do rádio, até a escola. Eu não acredito ainda que esse dia chegou, odeio mudar de escola, sou péssima em fazer novas amizades... Estudei na minha antiga escola desde os 5 anos, porém ela não tem o ensino médio. Minha mãe queria ter me mudado de escola no 7° ano, mas eu não quis e consegui convencê-la de me deixar lá, mas agora não teve jeito; estou começando o ensino médio e precisava mudar de escola... Depois de 15 minutos ouvindo apenas o rádio, que agora tocava Never Be Alone, minha música preferida, vejo a escola se aproximando... Minha barriga já começa a doer e eu sinto uma vontade imensa de chorar! Minha mãe para no estacionamento da escola, olha para mim e posso perceber que ela também sente vontade de chorar.
- Pronto filha, você ainda tem 5 minutos antes do sinal bater. Entre e vá direto a secretaria e pergunte onde será sua sala. 12h estarei aqui para te pegar. Cuidado com o celular e qualquer coisa me liga. - ela pega na minha mão, respira fundo e sem pensar duas vez me abraça. - A mamãe te ama muito Alice. Agora vá
- Mas mãe...
- Mas nada filha, vá!
- Também te amo mãe. - Falo já saindo do carro e respirando fundo para não chorar e já pagar mico no 1° dia.
Entrei na escola e fui direto para a secretaria. Estou extremamente grata a minha mãe por ter me convencido a vir no dia que ela fez a matrícula, uma monitora nos levou para conhecer a escola inteira e confesso que na hora foi um saco, mas agora me sinto muito agradecida.
Sem olhar muito ao redor, vejo uma mulher no balcão com uma camiseta que indicava ser funcionária da escola. Vai ser ela mesmo. - Bom dia, hoje é o meu primeiro dia e eu gostaria de saber onde é minha sala. Você pode me ajudar? - Falo esfregando uma mão na outra, sentindo meu rosto corar, o que por sinal sempre acontece quando falo com desconhecidos.
- Ah! Claro. Qual seu nome completo?
- Alice Mendes Bittencourt.
- Qual ano?
- 1° do ensino médio.
- Ótimo, você faz parte da turma B, sua sala é no 2° andar, número 9, como hoje é o primeiro dia você já pode subir, o sinal bate daqui a 1 minuto - diz ela, conferindo no relógio. - mas nos outros dias, você espera o sinal bater para subir com os outros alunos, ok? Boa aula.
Dou meia volta e tento me lembrar onde é a escada, quando percebo que fui mal educada e nem agradeci a moça. Que vergonha, mas ela tinha que entender... Precisava chegar na sala antes de todo mundo, assim poderia evitar muitos olhares dirigidos a mim.
Assim que piso o pé dentro da sala 9, o sinal bate. Escolho a última cadeira da última fileira e respiro fundo enquanto me sento, sei que em menos de 5 minutos essa sala estará cheia. O som de pessoas vai ficando cada vez mais alto e em um piscar de olhos várias pessoas e vários grupinhos entram na sala, alguns olham para mim e cochicham, o que já era esperado, mas isso me incômoda muito, eu quero minha casa, minha cama.
Um professor alto, musculoso e muito bonito entra na sala, todos os alunos simplesmente se arrumam em suas cadeiras e ficam em silêncio.
- Bom dia alunos do 1°B, sou o professor Lucas. Darei aula de matemática para vocês. - Ele se apóia em sua mesa e observa a sala - Alguns aqui eu já conheço, mas estou vendo carinhas novas. Vamos se apresentar, um de cada vez vem aqui na frente, e responde as perguntas, ok?
Quase que falei "não", mas me contentei apenas com um aceno negativo com a cabeça baixa... Minha cabeça continua baixa quando escuto:
- Vamos começar com a ruiva da última cadeira. - o professor olhou para mim e meu mundo caiu. - Vem mocinha...
Minhas mãos começam a tremer e eu faço o que ele pediu. Fico na frente da sala, com as mãos nas costas, não poderia ser melhor, primeiro dia de aula, eu faço de tudo para não ser notada e isso me acontece.
- Qual o seu nome?
- Alice. - minha voz sai tão baixa e tão falhada que o professor faz uma cara de quem quase não escutou.
- Lindo nome, quantos anos Alice?
- 14.
- Veio de que escola e qual o motivo?
- Escola Maria Paula e lá não possui o ensino médio.
- Entendi. Já percebi que é uma garota de poucas palavras então, seja bem vinda, espero que faça bons amigos aqui no colégio.
Eu agradeci com um movimento de cabeça e quando estava indo para o meu lugar o professor me chama.
- Alice?
- Sim? - respondo com medo. Será que não era para eu sair da frente da sala? Meu coração está batendo tão rápido que sinto tontura.
- Você é muito bonita.
- Obrigada professor. - Sento na minha cadeira e só consigo sentir meu coração forte demais. Como assim o professor me chamou de bonita, na frente da sala toda? Procurei minha garrafa de água na mochila com a intenção de ficar calma, pois sentia minhas bochechas pegando fogo.

♥♦♥♦

A aula de matemática até que passou rápido, confesso que não prestei atenção em nenhuma das pessoas que foram na frente se apresentar, apenas fiquei escrevendo trechos de músicas na última folha do meu caderno. Quando o professor Lucas saiu da sala, entrou uma loira, linda, de salto alto e vestido. Depois de 5 minutos arrumando seus materiais em cima da mesa ela olha para a sala e se apresenta - Olá turma, meu nome é Bruna e eu sou a professora de física de vocês, sou nova aqui na escola e como não conheço ninguém, gostaria que vocês fossem se apresentando. Apenas o nome e a idade, ok?
Posso ouvir os cochichos dos meninos maravilhados pela beleza da nova professora. Não quero fazer isso de novo, odeio mudar de escola, odeio primeiros dias. Todos já sabem que me chamo Alice ou pelo menos a maioria. Aula de física foi legal, professora não jogou tempo fora já foi fazendo uma revisão e nos deixando por dentro da nova matéria.
Próxima aula... Geografia. Uma das aulas que eu mais detesto, espero que nessa escola o professor seja mais legal, o que de fato era. Ele se apresentou e ao invés de pedir para que nos apresentármos ele fez a chamada pedindo para que o aluno falasse "presente" e levantasse a mão para que ele pudesse se familiarizar, o que eu achei muito melhor! O professor fez uma brincadeira, o que me fez rir pela primeira vez nesse dia. A aula voou e o sinal para o intervalo bateu, os alunos desceram para o pátio tão rápido, que quando dei por conta já era a a última dentro da sala. Será que eu não poderia ficar os 15 minutos de intervalo na sala? Sem saber da resposta eu desci para o pátio, com uma maçã na mão. Meu Deus, que pátio lotado! Fiquei na ponta da escada mesmo, já que não estava afim de andar e procurar algum lugar para sentar. Coloquei meu fone de ouvido, escolhi qualquer música e fiquei de cabeça baixa, comendo minha maçã e esperando logo o sinal da saída, já estava de saco cheio.

♥♦♥♦

As outras 3 aulas passaram depressa, ainda bem. O sinal do meio-dia bate, pego as minhas coisas e respiro fundo. - Consegui! - Falo sozinha saindo da sala, segurando um sorriso que insiste em sair no meu rosto.
Encontro minha mãe na porta do colégio e percebo que já estou me preparado mentalmente para as perguntas que ela irá fazer até o caminho de volta para casa.
Enquanto vou respondendo as perguntas, sentindo o vento bater no meu rosto, aumento o rádio que agora toca Even Flow. Minha mãe percebe que não quero mais conversar e apenas me avisa que vamos passar no mercado e como resposta, aceno com a cabeça, curtindo a música.
Chegamos em casa e eu só consigo pensar em uma coisa.
Eu consegui.

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