Mal a professora Marlene entrou na sala, um suspiro coletivo ecoou atrás dela, como sempre. Era uma típica tarde de sexta-feira onde o 12°18 tinha a aula mais secante de toda a semana, História A. De entre todos os alunos do curso de línguas naquela bendita Escola Secundária de Santa Patrícia, não haviam mais de três ou quatro alunos interessados naquela prisão de 270 minutos semanais, na qual eram forçados a estar.
Um guincho reverberou na sala - um bom dia normal vindo de Marlene, seguido de uma turma inteira a repetí-la, com todo o entusiasmo que traziam consigo para uma aula desinteressante numa tarde de sexta. Ouviam-se cochichos e folhas a virar pela sala, abafados pela monótona e estranhamente irritante voz da mulher mais velha que lhes impingia o conhecimento necessário para o teste da semana seguinte. Na esquina do lado direito, mesmo ao lado da janela, encontrava-se um rapaz alto, de cabelo loiro jogado sobre a testa e olhos azuis claros a procurar sabe-se lá o quê no pátio vazio do outro lado da parede. Esse era Lucas.
- Psst. - sussurrou Tomás, amigo e vizinho de secretária de Lucas - Tens horas?
O rapaz arregaçou a manga do casaco de malha azul e começou a fazer cálculos mentais enquanto olhava para os dois ponteiros que tinha no pulso - Faltam 20. - respondeu.
Tomás levantou o polegar na direção do seu colega e começou a jogar as folhas rabiscadas que tinha na mesa para dentro da mochila, que colocou aos ombros cobertos de uma fina camisa branca. - Stora, já tenho de ir.
Marlene simplesmente acenou e despediu-se do seu aluno, recomeçando a aula logo depois da porta da sala bater. - Adiante, quem quer continuar a leitura? Lucas? - o rapaz simplesmente suspirou e deu o seu melhor para focar as letras minúsculas que a Cuecas de Renda tinha projetado na tela branca do outro lado da sala.
Tudo começou numa visita de estudo à torre da cidade, organizada pelo clube de ciências da escola. Não era um destino muito atraente, mas se se safassem de uma tarde com alemão e história, não havia razão de queixa. Resumindo, a Cuecas de Renda levou uma saia muito larga para um dia muito ventoso, e acho que conseguem perceber o resto da história. Foram gargalhadas de alunos, professores e até dos turistas que viram o episódio por coincidência.
O ruidoso toque marcou por fim, o termo de mais uma semana de aulas. Enquanto Lucas arrumava o seu livro e caderno, Isabel aproxima-se dele, com um par de livros encostados ao peito. - Sempre vamos ao centro?
- Não vejo porque não! - respondeu Lucas - Eu já te tinha dito que ia, não é? Não te ia deixar pendurada à última da hora, rapariga. O Tomás vai lá ter depois da consulta dele, se ainda estivermos na zona.
Isabel ajeitou os óculos e seguiu para a porta junto do colega da qual tinha sido separada no início do período, cabelos pintados de castanho a baloiçar com os seus exagerados passos.
***
Sentado numa mesa algures no andar da restauração do Alpha Shopping, Lucas, enquanto esperava por Isabel, que tinha ido buscar a sua habitual sandes ao take-away do Pingo Doce, entretia-se com a internet grátis do centro comercial, vagueando na sua rede social favorita: o twitter.
Esfregando o polegar para cima e para baixo, com o ocasional retweet ou favorito naquilo que tinha visto a pairar no seu ecrã, Lucas então começa a escrever algo de sua própria autoria.
"continuo a ficar mesmo farto de ser o único rapaz gay nesta cidadezinha, é ridículo"
Aí, ele hesitantemente carrega no botão de enviar, e deixa o seu tweet estar no seu ecrã durante alguns segundos. Ainda não se tinha bem habituado à ideia de ter assumido a sua sexualidade, visto que tal acontecimento só tinha acontecido há seis semanas. Com um suspiro, Lucas olha em volta à procura de sinais da sua companheira de mesa, mas é interrompido por uma vibração na sua mão.
"Isto era para ti?" - lê o rapaz loiro mentalmente. Teria sido Tomás a mandar-lhe a mensagem. Junto dela estava uma imagem de um tweet de um tal de Francisco. "Não és o único, Lucas haha" era o que dizia.
Após uma rápida investigação, Lucas reconhece o rapaz. Era um aluno de línguas da escola vizinha, o Liceu Martim Martins, também conhecido como a maior e mais populosa escola de todo o país. Um rapaz ligeiramente mais baixo que o normal para um rapaz de 18 anos, de cabelo e olhos castanho escuros. Tinha-o seguido no pássaro azul há umas semanas, mas Lucas nunca tinha feito caso da situação.
"Sei lá, talvez."
"Este rapaz é meu amigo, meu, se ele for como tu iam dar alto estrondo"
"Mas o quê que estás para aí a dizer?? Cala-te, rapaz, nem sabes nada."
"Segue-o de volta e mete conversa, nunca se sabe onde vocês podem ir parar!"
Lucas simplesmente encolheu os ombros e preparou uma mensagem logo após de seguir o rapaz moreno. Os polegares dele cruzavam-se no ar sobre o telemóvel em pensamento sobre como iniciar uma conversa de forma correta. Um vulgar "olá tudo bem" não era propriamente o estilo do loiro (ou do moreno).
"Finalmente seguiste de volta!! Hahaha" - apareceu a mensagem antes de Lucas sequer conseguir pensar no que escrever. - "Tenho andado a ver os teus tweets nos últimos dias! És amigo do Tiago, certo?"
"Sim sou! E do Tomás também! Conhece-lhes donde?"
"O Tomás daqui do twitter só haha, mas já saí com o Tiago várias vezes! Andámos na mesma turma na primária. Ele é porreiro."
A conversa arrastou-se até Isabel chegar, e depois de chegar a casa, até uma hora razoável. Até parece que se conheciam há imenso tempo, só que se tinham conhecido hoje. Pelas primeiras impressões, Francisco e Lucas tinham apenas uma coisa em comum, mas de resto, eram completamente opostos.
A questão é: será que dois opostos se atraem tanto no amor como na ciência?
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X - As Coisas Que Ele Me Disse [PT-PT]
DiversosLucas era o rapaz do costume. Tinha muitos amigos, poucos ou nenhuns inimigos, boas notas e uma vida estável, digamos. Um adolescente "normal", seja lá o que normal queira dizer nos dias de hoje. Francisco era outra história. Amigos tinha poucos, e...