Cinco dias passaram, com os dois rapazes a tornarem-se cada vez mais próximos, prometendo o sucesso da sua saída. Durante esses cinco dias, os temas de conversa deste par de amigos foi crescendo e tocando em coisas cada vez mais abstratas, não esquecendo as coisas pequenas, como o Lucas a gabar-se do videojogo que queria comprar há meses; o Francisco a contar a história de como a rapariga que anda a espalhar rumores sobre ele deixou as leggings rasgar em educação física, logo depois de cair de rabo na cantina e derramar o almoço todo em cima dela; o Lucas a elogiar a foto que o Francisco tinha posto no instagram - uma foto dele no verão, debaixo de água, de t-shirt e calções a mostrar o sinal da paz para a câmara com a língua de fora;
"hey!" - o moreno mandou mensagem, eram 12:30 da tarde. - "acabei de sair da escola, vou andando para o centro, ok?"
"claro" - respondeu o loiro - "acabei de ter ed fisica, por isso vou só tomar duche e já vou ter contigo!"
"combinado" "mas despacha-te!! e não te ponhas a olhar para os outros rapazes no duche, se não ainda te demoras!" - respondeu ele, seguido de uns quantos emojis a rir. Lucas sorriu para o ecrã e guardou o telemóvel no bolso da frente da mochila, antes de tirar a toalha e ir em direção aos duches, no fundo do balneário masculino.
- Então, então, meu? Estava a ver que não - Lucas depara-se com Tomás apenas de toalha à cintura e de cabelo e corpo molhado. - Porque é que demoraste tanto?
- Estava ao telemóvel, calma! - exclamou o loiro, em voz de piada. - Não te ando a trair com ninguém.
- É, é, que eu não sei o que andas a fazer! - gozou Tomás, piscando o olho - Como vão as coisas com o Francisco? Já planearam quantos filhos vão ter? A lua de mel podia ser nas caraíbas ou assim, uma cena porreira.
- Cala-te para aí - Lucas gozou de volta - As coisas vão bem, mas não assim tão bem. Vou sair com ele hoje. E antes que perguntes, também vai uma amiga dele por isso não fiques com ideias malucas.
- Esse gajo não consegue ir a lado nenhum nem a Beatriz - queixou-se Tomás, abanando a cabeça enquanto andava em direção aos bancos, desaparecendo da vista do loiro. Curiosamente, era mesmo a Beatriz que vinha. Beatriz Silva, se Lucas se lembrava bem. - Despacha-te então, não fiques aí especado, oh porco. Ele está à tua espera.
Eram 13h37, quando o loiro e o moreno celebravam silenciosamente os 15 minutos ininterruptos de silêncio entre eles. Francisco apenas olhava para o ecrã do telemóvel, constrangido e silencioso, e Lucas espelhava-o do outro lado da mesa, se bem que nos olhos da sua mente, Lucas olhava diretamente para Francisco. O único ruído que lhes chegava aos ouvidos era a música dos altifalantes do centro, que tocava irritantemente baixo, e o barulho das interessantes conversas do grupo de amigos que se reunia na mesa diretamente à frente de Lucas, e das idosas que jogavam às cartas na mesa do costume, à direita de Francisco.
Para dois rapazes que se conhecem há uma semana, um ambiente de constrangimento não seria algo surpreendente, mas para dois rapazes que falam de tudo tão abertamente por mensagens ou fotografias ou vídeos através do snapchat, é chocante ver tamanho silêncio quando confrontados um com o outro na realidade. Uma de muitas situações que provam que a tecnologia é obra do diabo.
"Podemos convidar o Tiago?" perguntou Francisco, quebrando o silêncio que havia entre os dois. Lucas acenou com a cabeça e exclamou uma resposta afirmativa sem pensar duas vezes. Um amigo em comum era exatamente o que precisavam para quebrar o gelo entre os dois. Isso é lógico.
Tiago, que vivia a cinco minutos do centro comercial, demorou pouco mais desse tempo para chegar à mesa onde o loiro e o moreno conversavam. Aí, pede uma cadeira à mesa do lado e observa-a cuidadosamente, procurando algo que possa manchar o seu novo par de calções bege que emparelhou com um polo azul escuro e sapatos azuis escuros, o mesmo conjunto que levara para a escola. Uns segundos depois, a tal Beatriz chegara.
- Trouxeste o que eu te pedi? - perguntou Francisco a Beatriz, referindo à coroa de flores que comprara há uns dias. Lucas, por sua vez, era um aficionado por coroas de flores, de todos os tamanhos, cores e feitios. Talvez Francisco o quisesse impressionar? Ou talvez não?
- Epá, esqueci-me completamente. - sussurou Beatriz de volta.
Francisco praguejou baixinho o suficiente para mais ninguém, além de Beatriz, poder ouvir e continuou o seu caminho. - Não faz mal, acho eu.
Quando deram por si, o novo quarteto estavam às portas da estação de metro, a caminho da câmara municipal de Santa Patrícia, onde Beatriz iria renovar o seu BI. Um encontro não muito exemplar, mas muito menos constrangedor do que estaria a ser. O grupo comunicava bem entre si, riam-se juntos, mesmo se alguns não se conheciam. Foi uma tarde bem passada, pensava Lucas, mesmo que lá no fundo, não só ressentia o facto de não ter conseguido falar com alguém que lhe era muito próximo, como também tinha a impressão que Francisco prestava mais atenção a Tomás que a ele ou a qualquer outra pessoa.
Mas pode ser só um mal entendido. De qualquer forma, isso seria muito parecido a um ataque de ciúmes. E isso é algo que só os apaixonados têm. E Lucas não estaria apaixonado, estaria?
O fim do "encontro" chegou quando o loiro foi pôr o moreno às portas de um edifício alto e amarelo, onde ele supostamente ele teria explicações de português e história A. Foi uma despedida seca. Não houve um beijo, nem um abraço, nem um aperto de mãos, nem mesmo uma troca de olhares. Após um longo suspiro de desilusão, Lucas telefona a Tomás, como tinha combinado previamente para contar os detalhes.
- Então, como foi!? - ele exclama entusiasmadamente do outro lado da linha, sem sequer um cumprimento. - Gostaste? Falaram muito? Beijaram-se? Conta tudo, agora, caraças!
- Calma, meu. - respondeu Lucas de uma forma monótona e cansada - Esta saída foi um desastre. Ficámos tipo 20 minutos em silêncio a olhar para os telemóveis e depois fomos para a loja do cidadão e ele mal prestava atenção à minha pessoa! Mas podia ter sido pior, se não fosse pelo Tiago a vir ter conn-
- O quê!? - um grito aterrador interrompe as queixas e lamúrias do rapaz mais alto. - O Tiago!? O Tiago que estava connosco no 9º ano!? - repentinamente, os gritos tornaram-se em gargalhadas, um tanto ou quanto maldosas.
- O... O que foi? O que tem o Tiago? - perguntou Lucas, se bem que não tinha a certeza se gostaria de obter a resposta certa.
- Meu - Tomás tentava conter os risos, com pouco sucesso - O Francisco curte do Tiago! Tipo, tem alto fraquinho no gajo! E tu foste deixá-lo ir convosco!?
Aí, Lucas parou onde estava e olhou fixamente para o chão, de olhos azuis esbugalhados para o cimento do passeio que contrastava as pedras da estrada. Gargalhadas ecoavam nos ouvidos, vindos do telemóvel colado à orelha do loiro. De repente, o braço direito perde a força e os risos dissiparam. Lucas luta contra si mesmo, e contra a sua inexplicável vontade de chorar.
Bem, 'inexplicável' não é bem a forma de descrever a sua vontade imensa de chorar. Afinal de contas, é um sentimento normal de quem descobre que a pessoa pela qual se está apaixonado, sente o mesmo por outro pessoa. Mentalmente, Lucas praguejou este mundo e o próximo, culpando-se a si mesmo e à sua ignorância, apenas sendo despertado do seu transe a meio da estrada, pela buzina do carro que o ia atropelando.
E nesse dia, a esperança para a união dos opostos perdeu-se.
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X - As Coisas Que Ele Me Disse [PT-PT]
De TodoLucas era o rapaz do costume. Tinha muitos amigos, poucos ou nenhuns inimigos, boas notas e uma vida estável, digamos. Um adolescente "normal", seja lá o que normal queira dizer nos dias de hoje. Francisco era outra história. Amigos tinha poucos, e...