Maybe I'm not that monster.

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"Deixe que cada um exercite a arte que conhece."

Aristóteles.


Como, eu, humanamente, poderia fazer um trabalho de duas mil palavras sobre apenas uma frase de Aristóteles? E ainda, tinha que supostamente entregá-lo na terça-feira, e já era sexta.

Enquanto limpava uma mesa recém-desocupada, tentava montar frases suficientemente inteligentes e descentes para se colocar em um trabalho que vale 2/5 da minha nota final. Era suicido.

Coloquei as xícaras vazias sobre uma bandeja e levei-as até a cozinha, deixando-as na pia, onde provavelmente alguém iria lavar a louça mais tarde.

- Você está bem Carolina? Parece meio distraída... - Kelly comentou quando passou pelas portas que davam acesso a cozinha.

- É só a faculdade... - respondi com um sorriso fraco - Muito trabalho, sabe?

- Uhum - ela assentiu enquanto pegava alguns pratos em um armário - Então, você e o tal de Harry hein...? - ela exibiu um sorrisinho extremamente malicioso.

- O-O que tem ele? - reagi mais nervosa e preocupada do que eu pretendia. - Nada - ela riu ligeiramente - Só achei que iam sair ou algo assim... - Sair? - eu perguntei com uma vaga lembrança - É vamos - eu disse sem mais detalhes.

Aquele "encontro" estava me perturbando profundamente. Eu sinceramente não sabia o que eu podia esperar do Harry... Um ataque de raiva, ou algo ainda pior se eu fizesse algo que não correspondesse com o esperado por ele? Ainda mais depois que li aquela reportagem... Eu estava totalmente apavorada para dizer o mínimo. Mas eu não conseguiria fugir... Ele tinha meu número, sabia o lugar onde eu trabalhava. Era praticamente inevitável.

"Mas eu posso adiar o inevitável ao máximo." pensei rapidamente. - Tenho que ir Kelly! - abanei para ela, indo em direção as portas. - M-Mas Carolina? - ela questionou sem entender absolutamente nada.

- Sr. Miller? - chamei meu chefe assim que o vi entrando na sala onde os funcionários aguardavam os pertences.

- Que foi Briana? - ele adorava errar meu nome de propósito.

- É Carolina - eu me segurei para não revirar os olhos. Não conseguia suportar ignorância alheia nem falta de educação. - Sim? - ele disse enquanto caminhava e eu ia atrás dele.

- Tenho uma consulta marcada no médico hoje. Posso sair mais cedo? - menti. - Brena, eu já expliquei que se você não cumprir o seu turn... - ele repetiu irritantemente.

- É Carolina. E é importante, pode ser contagioso - eu dei um espirro falso.

- Ah, vai logo garota - ele respondeu virando as costas.

Um sorriso de satisfação se abriu no meu rosto. Eram exatamente cinco e meia de tarde, meia hora antes do que eu normalmente saia. Meu plano era simples e eficaz: Harry apenas sabia que eu saia do trabalho as seis, então ele chegaria por volta dessa hora. Se eu saísse mais cedo, não encontraria com ele e não precisaria haver encontro nenhum.

Tirei meu avental e coloquei minha bolsa sobre o ombro. Fui até o balcão dar tchau para Kelly e explicar o que havia acontecido, mas antes que eu conseguisse fazer qualquer coisa, ela sorriu:

- Olha que está te esperando ali - ela apontou com a cabeça para trás de mim.

Me virei lentamente, fazendo uma prece silenciosa para que não fosse quem eu pensava que era.

Aqueles olhos Verdes fixaram-se no meu rosto. Nunca tinha reparado a intensidade de seu olhar, como ele assumia aquele tom escuro e nefasto. Um sorriso lento se abriu no canto dos lábios de Harry.

Ele estava sentado em uma mesa no canto da cafeteria. Havia uma xícara intocada e ainda extremamente quente, ao julgar pela fumaça liberada pelo líquido, pousada em sua frente.

- Merda - xinguei baixinho, quase sem mexer os lábios.

Ele se levantou e veio caminhando lentamente, como se aquilo tudo estivesse sendo um paraíso na terra para ele. Enquanto isso, consegui capturar os pequenos detalhes que nunca tinha notado nele: as tatuagens discretamente escondidas pelas mangas curtas da camiseta branca, o jeito que ele mordia os lábios pretensiosamente, os dedos extremamente longos...

- Carolina - foi como se aquela voz rouca me acordasse de um profundo devaneio.

- Hum... Oi - eu respondi baixo, totalmente envergonhada.

- Vem comigo - ele sussurrou com os lábios roçando no meu ouvido, me fazendo segurar um suspiro.

Achei melhor fazer o que ele pedia, afinal, sair correndo dali ou chamar o polícia para prendê-lo não eram opções viáveis. Tentei me convencer que eu não queria chegar perto dele nunca mais na minha vida, repetindo essa frase centenas de vezes na minha cabeça, me obrigando a acreditar naquilo.

[...]

Nós andamos até o lado de fora da loja, onde um carro preto estava estacionado. Harry, para minha surpresa, abriu a porta do passageiro gentilmente para que eu entrasse e logo a fechou. Ele deu a volta no veículo e entrou também, dando a partida.

- Coloque o cinto - ele murmurou sem nem mesmo olhar para mim, enquanto dava a ré para tirar a carro da vaga.

- Tá - eu disse colocando-o.

Não sabia o que dizer, nem ao menos sabia se eu devia dizer alguma coisa. Fiquei em silêncio por um tempo, me perguntando o que eu deveria fazer mentalmente, enquanto brincava nervosamente com a alça da minha bolsa. O carro freou no sinal e, eu ergui meus olhos o mais discretamente o possível, para poder observá-lo. Os órbitas Verdes dele estavam tão vidradas em mim que parecia que ele tentava avaliar a minha alma com um só olhar. Senti o nervosismo aumentar, então me forcei a olhar para fora.

- Onde nós estamos indo? - perguntei, com uma mínima e momentânea coragem que irradiou de mim por apenas alguns segundos.

- Você vai gostar, Carolina - ele soltou uma risada rouca e deslizou sua mão na minha perna, sobre os meus jeans, lentamente.

Eu queria gritar, correr, fugir... Mas eu era covarde demais para isso e obviamente não estava em condições de realizar nenhuma daquelas ações. Fiquei imaginando onde Harry poderia estar me levando. Só notei que estávamos nos afastando cada vez mais da área que eu frequentava da cidade, indo para um ponto mais ao leste. Aquilo me apavorou. Estava com o celular no bolso, qualquer coisa eu pod...

- Você está com fome? - ele perguntou repentinamente.

- E-Eu, hum? - respondi meio que acordando de todos os meus pensamentos auto defensivos de como fugir de uma situação de perigo.

- Perguntei se você quer comer alguma coisa? - ele repetiu enquanto dobrava em uma rua desconhecida.

- Não, obrigada - agradeci baixinho, mordendo o interior da minha bochecha de ansiedade.

- Ótimo - eu vi um sorriso discreto no canto dos seus lábios - Eu também não.

Olhei hesitantemente para o rádio, querendo qualquer tipo de som que quebrasse aquele silêncio extremamente perturbador que estava entre nós. - Pode ligar se quiser - ele assentiu, percebendo para onde meus olhos estavam.

Pressionei o botão "On" e automaticamente, You Can't Always Get What You Want do Rolling Stones começou a tocar num volume baixo.

A única qualidade dele que eu tinha conhecimento até agora era o bom gosto musical, e ele não falhava em nenhuma hipótese. Ao ouvir aqueles sons, eu abri um sorriso fraco, como se aquilo de algum jeito esquisito melhorasse aquela situação.

- Chegamos - Harry disse passando os longos dedos pelos próprios cabelos, bagunçando-os um pouco.

Ele saiu do carro e deu a volta correndo para abrir a porta para mim. Enquanto isso, observei o céu totalmente escuro fora da janela. Vislumbrei alguns contornos de árvores, mas mesmo assim não fazia a mínima ideia de onde nós poderíamos estar.

Harry me estendeu a mão para me ajudar a sair, o que me fez hesitar por alguns instantes antes de aceitar. Seus longos dedos se entrelaçaram perfeitamente nos meus, segurando a minha mão firme e delicadamente ao mesmo tempo, impedindo que eu a soltasse.

Eu me senti completamente vulnerável ao lado dele, estupidamente desprotegida e indefesa. Seus olhos se prenderam nos meus, sustentando o meu olhar. O tom deles não era claro, era algo pesado, totalmente atormentado, eu considerava perturbador em um nível fora dos padrões.

Nós começamos a caminhar e notei que pisava sobre grama. Considerando as diversas sombras de árvores, nós estávamos em um parque. Andamos por pouco tempo até que chegamos a um banco de cimento, disposto em direção ao declive de uma colina. O incrível era que estávamos no alto e totalmente afastados da cidade, então tínhamos uma vista de longe das luzes dos prédios e casas.

Nos sentamos enquanto eu observava o horizonte. O silêncio era absoluto. Conseguia ouvir a minha própria respiração compassada com a de Harry.

Finalmente notei que minha mão continuava presa à dele e soltei-a rapidamente, enfiando-a no bolso da calça.

- Eu gosto daqui. - a voz rouca quebrou o silêncio.

Fiquei quieta. Analisando as luzes distantes.

- É bonito aqui. - eu disse sem jeito.

- Eu sei. - ele me encarou, me forçando a olhar para ele também - É bom ficar longe de tudo e todos.

Eu apenas balancei a cabeça concordando. É como se aquele lugar fosse um mundo paralelo, longe da realidade diária, dos problemas... Era maravilhoso.

- Sabe o que eu mais gosto sobre esse lugar? - ele se levantou de repente.

Continuei sentada, observando Harry simplesmente deitar na grama, encarando o céu.

- É o único lugar por aqui que dá para ver as estrelas.

Olhei para cima e vi o negrume do céu totalmente salpicado de estrelas. Decidi me deitar na grama, ao lado dele para poder olhar melhor para as constelações.

- É lindo. - falei.

Ficamos em silêncio, até que Harry me perguntou sem desviar os olhos do céu.

- Se eu não tivesse ido atrás de você, você concordaria em sair comigo?

Hesitei na resposta.

- Carolina.

- Hum?

Ele ficou de cotovelos e me fitou, como se gravasse cada detalhe do meu rosto.

- Eu não vou te machucar.

Voltei meu olhar para as estrelas, pois era humanamente impossível dar uma réplica a uma frase como aquela. Senti que ele se aproximava de mim.

- E-Eu - eu disse nervosamente, me ajeitando e sentando sobre a grama de pernas cruzadas.

- Tudo bem - ele tentou me tranquilizar num tom de voz calmo.

Harry se aproximou ou poucos, até que os seus lábios macios encontraram a minha bochecha, dando um leve beijo. Meu corpo estremeceu levemente com o contato. Logo ele desceu sua boca em direção ao meu pescoço, o que me fez "voltar" a realidade e desviar abruptamente.

- Carolina. - ele suspirou profundamente. Harry pressionou os lábios em sinal de frustração e juntamente franziu as sobrancelhas de leve. Ele pegou a minha mão que estava sobre o chão e colocou-a em cima do lado esquerdo de seu peito.

- Você consegue sentir? - ele sussurrou.

Minha mão subia e descia acompanhando a respiração dele.

- Meu coração. Está batendo - ele murmurou, com os olhos colados nos meus. Senti as batidas rápidas, quase que nervosas. A mão de Harry continuou segurando a minha naquela posição enquanto ele esperava por uma reação minha. A cada segundo, as batidas ficavam mais e mais frenéticas.

- Eu não sou quem você pensa - ele disse seriamente - Talvez eu não seja esse monstro.

Ele tirou a minha mão delicadamente de seu peito e encostou os lábios nas minhas juntas, distribuindo vários beijos suavemente, sem seus olhos deixarem os meus por um segundo.

Bem naquele instante, o meu celular tocou, o fazendo largar a minha mão imediatamente. Atendi o telefone e foi só então que reparei.

A parte de cima da mão dele, que quase sempre estava escondida no bolso, estava cheia de hematomas. Cortes, arranhões, marcas extremamente roxas em algumas partes. Aquilo me deixou apreensiva, permitindo um sentimento de culpa me invadir repentinamente por estar tão preocupada com ele.

- Pelo amor de Deus Carolina! - Liv gritou do outro lado da linha - Onde você se meteu?

- Eu... Hum, saí... - falei meio sem resposta.

- Oh - ela falou surpresa - Desculpa incomodar, mas eu fiquei preocupada, já passam das onze...

- Onze? - eu perguntei assustada. Não parecia que tanto tempo tinha se passado.

Senti os lábios dele atingindo o meu pescoço em meu momento de pura distração. Ele mordiscava levemente a minha orelha e beijava toda e extensão do meu pescoço, causando calafrios na minha pele. Mordi o canto da boca assim que recuperei os meus sentidos e a nação de quem era aquele garoto, o que me deixou indignada o suficiente para me levantar, me afastando dele, ignorando o perigo de deixá-lo com raiva.

- Eu estou indo para casa agora. - falei e desliguei o celular.

Olhei para o Harry, mandando uma mensagem silenciosa que era hora de ir. Ele se levantou da grama lentamente. Não trocamos uma palavra até chegar no carro, ele só ficava me observando, avaliando todos os meus movimentos e ações.

Entramos no carro e ele deu a partida, fazendo um pequeno retorno para chegar à rua que nos levava de volta ao centro da cidade.

- Você está com frio? - ele perguntou, me olhando meio encolhida.

- Eu estou bem - respondi.

- Tem uma jaqueta no banco de trás.

Tentei resistir ao máximo, mas a temperatura tinha baixado muito durando à noite e eu estava praticamente congelando.

- Para de ser teimosa. Você vai ficar doente - Harry avisou quando paramos em uma placa de pare.

Virei-me e estiquei a mão para pegar o casaco. Vesti a jaqueta de couro que era pelo menos duas vezes maior do que o meu tamanho e me senti muito melhor. Um cheiro maravilhoso de loção pós-barba e perfume me envolveu, o cheiro dele.

- Você é teimosa hein? - ele perguntou.

- Culpada - admiti - Mas obrigada.

Ele apenas balançou a cabeça e clicou no botão do rádio, fazendo uma música do Oasis ecoar no carro.

- Onde você mora? - ele perguntou.

Aquilo me pegou de surpresa. Tudo bem ele saber onde eu trabalhava, mas o meu endereço já era demais. Eu sinceramente não confiava nele o suficiente para dizer o nome da minha rua. Nenhuma pessoa em sã consciência diria isso para um potencial megalomaníaco. Ninguém.

- Hum - eu murmurei - Rua Campbell - menti.

Meu plano era simples, Harry me largaria na Rua Campbell (que ficava exatamente do outro lado da cidade, bem longe de onde eu realmente morava), eu fingiria que entrei em um apartamento e depois que ele saísse de perto pegaria um táxi e aí sim voltaria para casa. - Carolina - ele disse veementemente - Pode, por favor, parar de mentir para mim?

- Desculpa?

- Kelly me disse que você e ela às vezes iam a pé para o trabalho, e que vocês moram perto uma da outra. E não seria muito possível atravessar a cidade caminhando todos os dias para ir trabalhar - ele respondeu. Droga.

- Rua Westfield - eu falei meio relutante.

- Obrigada - Harry agradeceu. Andamos por alguns minutos e chegamos na minha rua.

- Pode me deixar aqui mesmo - falei pegando a minha bolsa.

- Nem pensar, eu ando com você até chegar em casa - ele disse desligando o carro.

Nós saímos e subimos as escadinhas que davam para a porta do meu prédio.

- Bom... Boa-noite Harry - eu falei meio sem jeito, olhando para o chão.

Senti que segurando o meu queixo e deixando um selinho nos meus lábios. Em um momento de total perda de sentidos, eu permiti que o beijo fosse mais além.

Ele me prensou contra a parede enquanto me beijava lentamente. Ele sugou lentamente o meu lábio inferior, mordiscando-o suavemente antes de soltá-lo e comprimir minha boca com um selinho. Fechei os olhos, tentando recuperar o meu fôlego enquanto eu conseguia imaginar perfeitamente o sorriso presunçoso que ele estava expondo naquele momento. Engoli em seco, me odiando mentalmente por ter deixado aquilo acontecer.

- Hum, tchau Harry - eu falei me virando para entrar no saguão.

- Ah Carolina - ele comentou - Não se preocupa em ter me dado o seu endereço, eu ia acabar descobrindo de um jeito ou outro, você sabe - ele piscou - A gente se vê por aí...


Born To Die //H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora