Abri os olhos, mas havia uma venda que me apertava e me tirava a visão. Tentei me mover, mas meus pés e mãos estavam atados. Meu próximo impulso foi gritar por ajuda, mas o único som que minha boca pôde produzir foi abafado por alguma coisa que puseram dentro dela. Tentei me debater, mas logo cansei, porque ninguém ali estava interessado nas minhas desculpas. Era tarde demais. Todo e qualquer esforço era em vão.
Alguém me movia, no que parecia ser uma cadeira de rodas. Estávamos dentro de um espaço que eu não sabia o que podia ser. Até o cheiro neutro do lugar não me dava pistas.
Eu deveria ter notado. Ah, como eu deveria! Se eu tinha certeza de alguma coisa, era de que estava caminhando para a morte.
Por um momento, a cadeira estacionou e eu ouvi passos, como se a pessoa que a estava controlando anteriormente fosse distanciando-se. Depois de ouvir barulhos de utensílios metálicos, percebi que os passos regressavam a mim. Respirei fundo e franzi os dentes no pano que me calava, na esperança de que aquilo levasse embora minha desesperada e imbecil vontade de chorar. Mas até meu choro seria inútil. Talvez o mais inútil a se fazer. Não sabia o que estava por vir, mas era chegada a hora.
"Espero que você saiba porque está aqui", a voz disse com firmeza. E ela não era desconhecida.
Uma mão de luvas plásticas soltou meu braço direito. Com um gesto firme, passou algum líquido suave e gelado na altura das minhas veias, como o silêncio que procede o esporro. A agulha não foi a pior parte, como geralmente é. O conteúdo penetrou minha circulação com dificuldade, como se aquilo não fosse feito para estar no mesmo lugar do meu sangue. Doía como se tivessem injetado algo parcialmente sólido em mim, algo consistente e afiado, que viajava corroendo e dilacerando toda a extensão do meu braço até o meu coração, cirurgicamente.
Mas o coração tem a ingrata função de bombear sangue para todo o corpo.
Meu primeiro batimento cardíaco após a injeção foi o bastante para instaurar o caos. Impossível lembrar das minhas ações e percepções do ambiente a partir dali. Só consigo lembrar de como a dor se tornou muito mais forte. E depois de dois segundos era dez vezes pior. E depois de cinco segundos eu não aguentava mais. Suportar um minuto daquilo era humanamente impossível. Na medida em que meu coração batia, mais intensamente eu sentia minhas entranhas queimando. E a droga parecia fazer com que meu coração batesse quase no triplo da frequência normal. Minha cabeça latejava num ritmo frenético, numa ardência ignorante, como se o meu cérebro não coubesse mais dentro do crânio, desesperado para sair. Eu não conseguia respirar a quantidade necessária de ar. Era como se serras, vidros, lâminas, ácidos dançassem por dentro de mim, fervendo pelas minhas veias, órgãos, me fazendo querer arrancar minha própria pele com as unhas, com os dentes, de qualquer maneira. Foram segundos tão insuportáveis que pareceram durar semanas, anos. Meu corpo estava preso àquela cadeira, mas era como se minha alma quisesse sair. Minha alma implorava para sair!
E desisti. De tudo e qualquer coisa. Dos momentos que eu vivi até então, das pessoas que eu amo, de mim.
Eu desejei a morte pela primeira vez.
Mas aquilo parou.
Simplesmente cessou quando não parecia mais tolerável.
E o que eu senti naquele momento não foi só o alívio da minha desgraça. Minhas mãos e pés já estavam livres. Podia respirar com tranquilidade. Pude sorrir, sem nada dentro da minha boca que atrapalhasse. Conseguia enxergar o que vinha na minha frente. Eu estava feliz. Nada passava pela minha cabeça. Nenhuma lembrança boa, nenhum ente querido, nenhum momento especial, mas eu estava feliz. Assustadora e debilmente feliz.
Na verdade, eu nunca estive mais feliz na minha vida.
Vida?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amerika
Science FictionVocê acredita na alma do ser humano? Será que temos, lá no fundo, uma essência de bondade? Digamos que sim. (HA-HA!). E digamos que a sua vida venha a depender dessa tal essência de alguém, no futuro. Acompanhe comigo. Já parou pra imaginar como...