Hipócrates de Cás é o pai da medicina. Ele é ainda lembrado, 20 anos depois, por causa do juramento hipocrático (uma forma alterada desse juramento ainda é repetida, em alguns lugares, pelos estudantes de medicina no momento da sua formatura). Mas ele é cerebrado sobretudo por seus esforços para arrancar a medicina do terreno da supertição e trazê - la à luz da ciência. Numa passagem típica, Hipócrates escreveu: "Os homens acham a epilepsia divina simplesmente porque não a compreendem. Mas se chamassem de divino tudo o que não compreendem, ora, as coisas divinas simplesmente não teriam fim.". Em vez de reconhecer que em muitas areas somos ignorantes, temos nos inclinado a dizer, por exemplo, que o universo está impregnado com inefável. A um Deus das Lacunas é atribuida a responsabilidade pelo que ainda não compreendemos. Como o conhecimento da medicina tem se desenvolvido desde o século IV a.C., a cada vez mais aumentada o que compreendemos e diminui i que tinha de ser atribuido a intervesão divina - a respeito das causas ou do tratamento da doença. As mortes na hora do parto e a mortalidade infantil decresceram, o tempo de vida foi prolongado, e a medicina melhorou a qualidade de vida para bilhoes de seres humanos em todo planeta.
Hipócrates introduziu elementos do método ciêntifico no diagnóstico da doença. Ele recomendava com insistência a observação cuidadosa e meticulosa: "Não deixem nada ao acaso. Não percam nenhum detale. Combinem as observações contraditórias. Não tenham pressa.". Antes da invenção do termômetro, ele fez o gráfico das curvas de temperatura de muitas doenças, Recomendava que os médicos fossem capazes de explicar, somente a partir de sintomas presentes, o provável desenvolvimento passado e futuro de cada doença. Enfatizava a honestidade. Estava disposto a admitir as limitações do conhecimento médico. Não se envergonhava de contar para a posteridade que mais da metade de seus pacientes morrera das doenças que ele estava tratando. Suas opções de ação eram limitadas; os remedios de que dispunham eram principalmente laxantes, eméticos e narcóticos. Realizavam - se cirurgias e cauterização. Outros progressos consideráveis ainda foram feitos em toda época clássica, até a queda de Roma.
Enquanto a medicina floresceu no mundo eslâmico, o que se seguiu na Europa foi na realidade uma era negra. Grande parte do conhecimento de anatomia e cirurgia se perdeu. Era muito difundido o recurso às orações e as curas milagrosas. Os médicos seculares foram extintos. Empregavam - se por toda parte cantilenas, poções, horóscopos e amuletos. As dissecações de cadáveres foram restringidas ou proscritas, por isso aqueles que praticavam a medicina não podiam adquirir em primeira mão o conhecimento do corpo humano. A pesquisa médica ficou estagnada.
Uma situação muito parecida com a que o historiador Edward Gibbo descreveu para todo o Império do Oriente, cuja capital era Constantinopla.
Num período de dez séculos, nem uma unica descoberta foi feita
Para exaltar a dignidade ou promover a felicidade da humanidade.
Nem uma unica idéia foi acrescentada ais sistemas especulativos da
Antiguidade, e uma série de discípulos pacientes se transformava, por
Sua vez, nos professores dogmáticos da geração servil seguinte.
Mesmo em seus melhores momentos, a prática médica pré-moderna não salvou muita gente. A rainha Anne foi a última monarca Stuart da Grã-Bretanha. Nos últimos dezessete anos do século XVII, ela ficou grávida dezoito vezes. Apenas cinco filho nasceram com vida. Somente um deles sobreviveu aos primeiros anos da infância. Morreu antes de atingir a idade adulta e da coroação da mãe em 1702. Não parece haver evidência de disturbio genético. Ela tinha os melhores cuidados médicos que o dinheiro podia comprar.
As doenças que outrora vitimava bebês e crianças têm sido progressivamente mitigadas e curadas pela ciência - por meio da descoberta do mundo microbiano, pela compreensão de que os médicos e as parteiras devem lavar as mãos e esterilizar os seus instrumentos, pela nutrição, por medidas sanitárias e de saúde pública, pelos antibioticos, remédios, vacinas, pela descoberta da estrutura molecular, do DNA, pela biologia molecular, e agora pela terapia genetica. Pelo menos no mundo desenvolvido, os pais têm hoje em dia muito mais chance de ver os filhos atingirem a idade adulta do que tinha a herdeira do trono de uma das nações mais poderosas da Terra no final do século XVII. A varíola foi eliminada em todo o mundo. A área de nosso planeta infestada com os mosquitos transmissores da malária encolheu drasticamente. O número de anos de expectativa de vida de uma criança com diagnóstico de leucemia tem aumentado progressivamente. A ciência permite que a Terra alimente um numero de seres humanos cem vezes maior, e sob condições muito menos penosas, do que era possível há alguns milhares de anos.
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O mundo assombrado pelos demônios
RandomCarl Sagan A ciência vista como uma vela no escuro.