Há um lugar em Marte chamado Cydonia, onde um grande rosto de pedra, com um quilometro de extensão, fita o céu sem piscar. Não é um rosto amistoso, mas parece reconhecivelmente humano. Em algumas representações, poderia ter sido esculpido por Praxíteles. Está situado numa paisagem onde muitos morros baixos apresentam formas estranhas, tendo sido moldados talvez por uma mistura de antigos fluxos de lama e subseqüente erosão eólica. Pelo número de crateras de impacto, o terreno circundante parece ter pelo menos centenas de milhões de anos.
Intermitentemente, A Face tem atraído atenção, tanto nos Estados Unidos como na antiga Uniao Sovietica. A manchete de 20 de novembro de 1984 do Weekly World News, um tablóide de supermercado que não é famoso por sua integridade, dizia:
AFIRMAÇÃO SURPREENDENTE DE CIENTISTA SOVIETICO: TEMPLOS EM RUINAS ENCONTRADOS EM MARTE. SONDA ESPACIAL DESCOBRE VESTIGIOS DE UMA CIVILIZAÇAO DE 50 MIL ANOS.
As revelações são atribuídas a uma fonte soviética anônima e descrevem num ritmo vertiginoso descobertas feitas por um veiculo espacial soviético inexistente.
Mas a historia de A Face é quase inteiramente norte-americana. Foi descoberta por uma das Viking que entrou em órbita ao redor de Marte em 1976. Infelizmente, um funcionário do projeto descartou a configuração, considerando-a um truque de luz e sombra, o que inspirou mais tarde a acusação de que a NASA estaria encobrindo a descoberta do milênio. Alguns engenheiros, especialistas em computação e outros - alguns deles empregados contratados pela NASA - trabalharam por sua própria conta intensificar a imagem. Talvez esperassem revelações assombrosas. Isto é permissível na ciência, até encorajado - desde que os padrões de evidencia sejam elevados. Alguns deles foram bastantes cautelosos e merecem elogios por ter desenvolvido o tema. Outros foram menos contidos, não só deduzindo que A Face era de fato uma escultura monumental de um ser humano, mas afirmando terem encontrado por perto uma cidade com templos e fortificações. *Tomando como base argumentos espúrios, um escritor anunciou que os monumentos tinham uma orientação astronômica especifica - que não se aplicava, porém, ai momento atual, mas a meio milhão de anos atrás - , do que se concluía que as maravilhas cydonia foram erigidas naquela época remota. Mas, nesse caso, como é que os construtores poderiam ter sido seres humanos? Há meio milhão de anos, os nossos antepassados estavam procurando dominar o emprego de ferramentas de pedra e do fogo. Eles não tinham naves espaciais.
A Face marciana é comparada a "rostos semelhantes... construídos em civilizações na Terra. Eles miram o céu, porque estão olhando para Deus". Ou A Face foi construída pelos sobreviventes de uma guerra interplanetária que deixou a superficie de Marte (e da Lua) marcada e devastada. O que causa todas essas crateras, afinal de contas? A Face é a ruína de uma civilização humana há muito extinta? Os construtores eram originariamente da Terra ou de Marte? Ela poderia ter sido esculpida por visitantes interestelares numa breve parada em Marte? Foi deixada ali para que nós a descobríssemos? Ele também teriam vindo à Terra e dado origem à vida em nosso planeta? Ou, pelo menos a vida Humana? Fossem quem fossem, eles eram deuses? Uma especulação intensa é suscita.
Mais recentemente, tem se afirmado que existe uma conexão entre os "monumentos" em Marte e os "círculos nas plantações" na Terra; que suprimentos inesgotáveis de energia aguardam ser extraídos de antigas máquinas marcianas; e que existe uma grande dissimulação da NASA para esconder a verdade do público Norte-Americano. Essas declarações vão muito além de uma simples especulações pouco cautelosa sobre formas de relevo engmáticas.
Em agosto de 1993, quando a nave espacial Mars Observer parou de funcionar a uma pequena distancia de Marte, houve os que acusaram a NASA de simular o acidente para poder estudar A Face pormenorizadamente sem ter de mostrar as imagens ao público. (Se assim, é chamada é muito elaborada: todos os especialistas em geomorfologia marciana nada sabem a respeito, e alguns de nós temos trabalhando muito para projetar novas missões em Marte que sejam menos vulneráveis à pane que destruiu a Mars Observer). Houve até um punhado de piquetes fora dos portões do Laboratorio de Propulsao a Jato, protestando contra esse suposto abuso de poder.
O tablóide Weekly World News de 14 de setembro de 1993 dedicou sua primeira página à manchete "Nova foto da NASA prova que seres humanos viveram em Marte!". Um rosto falso, numa foto supostamente tirada pela Mars Observer em órbita ao redor de Marte (na verdade, a nave espacial parece ter deixado de funcionar antes de conseguir entrar em órbita), provaria, segundo um "importante cientista espacial" inexistente, que os marcianos colonizaram a Terra há 200 mil anos. A informação está sendo ocultada, ele é obrigado a admitir, para evitar o "pânico mundial".
Vamos pôr de lado a improbabilidade de que tal revelação provocasse realmente o "pânico mundial". Quem presenciou uma descoberta cientifica prodigiosa em formação - vem à mente o impacto do cometa Shoemaker-Levy sobre Júpiter em julho de 1994 - sabe que os cientistas tendem a ser exaltados e incontidos. Têm uma compulsão incontrolável de divulgar os novos dados. Só por um acordo prévio, e não ex post facto, é que conseguem guardar segredo militar. Rejeito a noção de que a ciência seja sigilosa por natureza. Sua cultura e etos são, e por razoes muito boas, coletivos, cooperativos e comunicativos.
Se nos restringimos ao que é realmente conhecido, e ignoramos a industria dos tablóides que fabrica descobertas memoráveis a partir do nada, em que ponto ficamos? Quando sabemos apenas um pouco mais, o mistério deixa rapidamente de ser profundo.
A superfície de Marte tem quase 150 milhões de quilômetros quadrados de área, aproximadamente a mesma dos continentes da Terra. A área coberta pela "esfinge" marciana tem cerca de um quilometro quadrado. Será tão espantoso que um trecho (comparativamente) do tamanho de um selo em 150 milhões de quilômetros quadrados pareça artificial - especialmente dada a nossa tendência, desde a primeira infância, de procurar rostos? Quando examinamos a confusão circundante de morros baixos, mesas e outras formas complexas da superfície, reconhecemos que a sua configuração tem afinidades muitos diferentes de um rosto humano. Por que essa semelhança? Os antigos engenheiros marcianos teriam reelaborado apenas essa mesa (bem, talvez algumas outras) e deixado todas as demais sem nenhum acabamento de escultura monumental? Ou devemos concluir que outras mesas maciças também foram esculpidas em formas de rostos, mas rostos mais estranhos, desconhecidos para nós da Terra?
Se estudarmos a imagem original com mais cuidado, descobrimos que uma "narina" estrategicamente colocada - um traço que contribuiu muito para dar a impressão de um rosto - é na verdade um ponto preto correspondente a dados perdidos na radiotransmissores de Marte para a Terra. A melhor foto da Face mostra um lado iluminado pelo Sol, o outro mergulhado em sombras escuras. Usando os daos digitais originais, podemos realçar intensamente o contraste nas sombras. Quando o fazemos, descobrimos algo que não se parece muito com um rosto. A Face é, na melhor das hipóteses, a metade de um rosto. Apesar de nossa respiração apressada e das batidas de nossos corações, a esfinge marciana não parece construída, uma cópia de rosto humano - mas um fenômeno natural, foi provavelmente esculpida por um lento processo geológico ao longo de milhões de anos.
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O mundo assombrado pelos demônios
RandomCarl Sagan A ciência vista como uma vela no escuro.