No começo de tudo, Nhamandu, o Deus primeiro, desceu à Terra e criou todas as coisas: os oceanos com suas águas profundas e perdidamente azuis, as florestas com um emaranhado de tons de verde e os animais, de todas as espécies, formas e tamanhos. Neste tempo primeiro, também as estrelas foram colocadas no céu e elas brilharam intensamente, de puro contentamento.
Nhamandu passou então, à criação da humanidade. E se empenhou nisso! Como que executando um cerimonial sofisticado, formou estátuas de argila do homem e da mulher, com uma mistura de vários elementos da natureza. Essências básicas de vida com as quais os humanos se tornaram o que são, seres aprimorados.
Os primeiros seres humanos criados foram Rupavẽ, "Pai dos povos" e Sypavẽ, "Mãe dos povos". Nomes significativos porque, mais do que uma única etnia ou povo, esses seriam os geradores de todas as diferenças e das especificidades. Tornaram-se então, os pais da diversidade. O Deus primeiro olhou para eles, assim formados, fitou-os e gostou do resultado. Então, soprou-lhes a vida.
Depois Ele os deixou e partiu de volta aos céus. Mas não os deixou sós. Com eles, na Terra, ficaram os espíritos do bem e do mal.
***
Rupavẽ e Sypavẽ, os primeiros humanos, experimentaram as alegrias e delícias de se descobrirem e de se unirem. Assim, do encontro de suas almas e corpos, nasceram três filhos e um grande número de filhas. O primeiro filho foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta Guarani; o segundo filho foi Marangatu, um líder dadivoso e afável; o terceiro filho foi japeusá , aquele que desde o nascimento sempre foi mentiroso, ladrão e trapaceiro, um falaz que enleava as pessoas para lhes tirar proveito.
Marangatu, também veio a ser pai e nasceu a bela Kerana. A menina cresceu e entrou na puberdade. Ao tornar-se moça, seu lindo rosto foi coroado com um corpo de belas curvas e desejável. Ela não intencionou isso, mas chamou a atenção de seres humanos e de espíritos.
Podia ser vista apenas como uma menina, tinha acabado de ser liberada de seu período de reclusão e ansiava sair e ver o mundo lá fora. Ainda não pensava em casar, ter filhos, ou mesmo se relacionar com alguém. Mas foi desejada. E o desejo de seres espirituais do mal, são doentios.
Naquele dia, à tarde, ela saiu. O dia estava quente, o sol estava alto. Seguiu pelo caminho de sua família e chegou ao rio. Suas águas cristalinas corriam brilhantes e atrativas. A menina moça retirou a faixa que a cobria como uma saia e a blusa. Se jogou nas águas. Não havia ninguém por ali. Pelo menos, ninguém que ela pudesse ver com seus olhos mortais e humanos. Mas dos galhos de uma árvore próxima ela era observada. E assim que ela saiu da água e dirigia-se, em meio à floresta, à sua casa, ele surgiu no seu caminho. Lindo, forte, de pele morena queimada pelo sol. Usava enfeites pelo corpo e pinturas. Sua aparência era de um jovem um pouco mais velho que ela.
Ele lhe sorriu e seu sorriso era lindo, cativante. Seu coração acelerou, seus sentidos se aguçaram como nunca. Mas tinha algo nele que pareceu lhe estranho, mas a menina não teve tempo de descobrir o que era.
O rapaz veio para cima dela e a segurou tampando sua boca para que ela não gritasse. Selvagemente a empurrou para uma árvore próxima prendendo-a ali com seu próprio corpo. Ela tentou, em vão, livrar-se, mas ele era mais forte. Muito mais forte do que ela. Kerana foi capturada pela personificação de um espírito do mal, chamado Tau. E de repente eles desapareceram.
***
Lágrimas corriam dos olhos e por toda face da, ainda, menina, enquanto o espírito em forma de um jovem, rasgava suas vestes e retirava as dele. Estavam em uma espécie de caverna, para onde tinham sido, por ele, transportados. Ele a prendia com brutalidade deixando seus braços e pernas machucados e roxos. Ali mesmo ela foi estuprada. Violentamente estuprada. Rudemente violentada. E toda floresta chorou quando o sêmen dele jorrou dentro dela e depois escorreu, misturado com sangue, por suas delicadas pernas. Então ele, finalmente, se afastou, saciado. Ela se encolheu e soluçou até acabarem as lágrimas, até findarem as forças. Seu corpo era uma mistura de sêmen, sangue e sujeira. Ela não mais falou. E não saiu mais dali.
Tau, o espírito do mal, que a violentou, ainda voltaria mais e mais. Se apaixonou por ela e à cada volta assumia outras formas. Era uma tentativa vã de conquistá-la. Como não conseguia seu amor, voltava a assumir seu lado, cada vez mais, cruel e violento. A estuprava mais e mais. De todas as formas possíveis. Seu jovem e lindo corpo se acabando debaixo de suas pancadas e agressões. Por fim cedeu, não lutou mais. Suas alegrias e esperanças para sempre roubadas. Nunca mais veria seu pai, sua mãe e nem sua aldeia. Sua vida se tornou a escuridão úmida da caverna. Também se recusava a comer. A jovem Kerana foi amaldiçoada pelos homens e deuses.
***
Por inúmeras vezes Tau voltou. E por inúmeras vezes ela se recusou a retirar o que tinha em seu ventre. E frustrado após cada tentativa insistente, Tau a surrava e espancava sua barriga. Depois, quando finalmente ela desmaiava, ele a possuía e possuía mais. E se deleitava nisso.
Nove meses se passaram. Kerana agora só vivia pelo que tinha no ventre. Ela teria os seus filhos, fossem eles o que fossem, ainda que, ela sabia, amaldiçoados pelos deuses. Ainda que fossem monstros.
Afinal chegou seu dia. Dores cruciantes a tomaram. Seu corpo queimava, seu interior ardia, seu ventre rasgava. E começaram a nascer, os seus sete filhos. Aqueles que se tornariam os sete monstros lendários, três deles imponentes dragões.
Ao abrirem caminho à luz e chegarem ao mundo externo, a mãe os viu e sentiu: Seriam rejeitados dos homens, mas se tornariam poderosos espíritos dominadores.
FIM
996 palavras
VOCÊ ESTÁ LENDO
Kerana e os sete monstros lendários (contos) 🏆 Wattys2016
Fantasía🏆 OBRA VENCEDORA DO WATTS2016 🏆 As histórias são antigas. De tempos eternos, imemoriais, passadas de geração a geração em determinação sagrada, ordenadas por deuses. Deveriam falar delas reunidos à beira do fogo nas manhãs, em dias frios, ou em...