Capítulo 6

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"Bella é nossa terceira filha. Além dela e de Lívia tivemos um menino, Louis. Ele era o mais velho e se estivesse vivo hoje, teria mais ou menos a sua idade. Desde sua morte, Bella nunca mais foi a mesma. Eram muito apegados, viviam juntos..." - John não conseguiu continuar.

"Eu sinto muito, não sabia que existia outro filho, achei que fossem apenas as duas..."

"Louis era o nosso menino..."

"O que houve? Pode falar?"

"Acidente de carro. Íamos passar o fim de semana na casa de campo. Na hora de sair, Mary viu que Bella estava com febre e achou melhor levá-la ao médico antes de viajar. Disse que eu fosse indo com Livia e Louis e as duas seguiriam mais tarde."

"Uhum"

"Acontece que Louis não quis seguir viagem sem Bella. Os dois eram assim: nunca se largavam. Sabíamos que não adiantaria insistir, então os três ficaram enquanto eu e Lívia fomos indo na frente."

Parou um pouco para respirar. A emoção daquele dia ainda estava muito presente em sua mente.

"Saindo do médico, Mary pegou a estrada com os dois."

"Ela estava dirigindo?"

"SIm, estava."

"E o que houve?'

"Um caminhão desgovernado... O motorista dormiu no volante..."

"Eu sinto muito"

"Louis estava no banco de trás, ao lado de Bella...com a batida foi jogado para cima dela...morreu em seu colo."

Harry respeitou o momento de tristeza profunda que aquela lembrança havia despertado em John.

"Desde então", continuou, "Bella nunca mais voltou a ser a menina alegre de antes."

"Eu entendo."

"Nenhum de nós, na verdade. Ninguém perde um filho e volta à vida normalmente. Mas Bella..."

"A dor dela foi mais profunda?"
"Sim. E com a dor, nasceu o rancor."

"Como assim?"
"Bella culpa Mary pela morte do irmão."

"Meu Deus!"

"Sim. Mary não teve culpa alguma. A perícia provou que ela estava em velocidade baixa na hora em que o caminhão invadiu a pista. Não havia nada que ela pusesse ter feito. Mas Bella nunca se convenceu nisso."

"Ela usa drogas, John?"

"Não tenho certeza..."

"John, preciso saber de tudo sobre ela para poder ajudar."

"Sim. Ela usa drogas. E álcool constantemente."

"Já procuraram ajuda?"

"Já. Os médicos dizem que a única solução seria interná-la por um tempo mas Mary é contra. Não quer fazer nada contra a vontade da filha. Tem medo que ela a odeie ainda mais por isto."

"Certo. Você anotou qual foi a delegacia em que ela está?"

"Sim, escrevi nesse papel."

"Vou até lá então. Ligo assim que tiver alguma coisa, está bem?"

Wittney assentiu olhando para o chão e essa cena fez com que Harry visse um homem arrasado no lugar do ilustre e brilhante advogado.

"John" disse Harry aproximando-se "sabe que pode contar comigo para qualquer coisa!"

"Obrigado..."

O delegado foi bastante amistoso. Bella estava com três amigos que entraram numa loja de conveniência e roubaram garrafas de bebida. Ela não participu já que ficou do lado de fora, aparentemente sem saber o que estavam fazendo lá dentro. O alarme foi disparado e a polícia chegou rapidamente ao local. Ela, ao contrário de fugir, entregou-se imediatamente. Isso ajudava muito a situação dela, não era uma criminosa.

"Apenas uma jovem atormentada." declarou o delegado

"Para onde está me levando?" foi a primeira frase de Bella desde que Harry a tirara da delegacia e a colocara em seu carro.

"A um lugar em que possa descansar e se arrumar antes de voltar para casa e encarar seus pais." Ele estava dirigindo e não desviou nem por um segundo o olhar do caminho.

"E que lugar é esse? Posso saber?"

"Meu apartamento."

"Nossa! O queridinho de John Wittney leva a filha dele ao seu apartamento e a violenta sem escrúpulos! Que manchete sensacional!"

Harry não respondeu e nem pareceu se abalar com a provocação. Chegaram a garagem, ele desligou o carro e antes que ela pudesse abrir a porta, pegou em seu braço com uma pressão suave na mão.

"Eu avisei ao seu pai que a traria para cá, portanto a tese de violência cai por água abaixo. E eu não sou da sua família. Se você não gostar de mim isso não me fará a menor diferença, portanto nem perca seu tempo em me provocar." Dito isso, soltou seu braço, abriu a porta e saiu do carro. Ela o seguiu.

Denise ainda estava em seu apartamento quando entrou com Bella. Harry havia se esquecido completamente dela.

"Bom dia, Denise. Preciso que nos deixe a sós agora." disse ele num tom mais frio do que o usual.

"Quem é ela, Harry?"

"Somente uma amiga. Por favor, preciso que saia."

Ela esboçou um tom choroso "Achei que estivéssemos bem..."

"Isso não tem nada a ver conosco. Por favor..."

Bella observava a cena sem saber se achava graça ou sentia pena da moça que estava obviamente abalada por sua presença ali. Assim que Denise saiu, ela sentiu o ímpeto de provocá-lo novamente:

"Sempre trata suas namoradas assim?"

Ele não respondeu. Pegou o celular sem ao menos olhar para ela: "Norma, preciso que traga até minha casa os livros que deixei separados em minha mesa ontem a noite. Vou trabalhar aqui hoje." Desligou e olhou para Bella que o observava atentamente.

"Quer café?"

"Sim. Acho que estou com fome."

"Também estou."

" Você tem fome! Você é um ser humano!" ironizou.

"Também sinto fome e também tenho minhas dores, Bella."

O jeito com que ele pronunciou seu nome fez com que ela sentisse que estava em território amigo. Nem percebeu que seus olhos estavam transbordando de lágrimas.

"Desculpe. Não quis ser grosseira."

"Está tudo bem agora. Não sou seu inimigo."

"Então você não faz parte da humanidade..."

"O mundo todo não está contra você. Mas está cansada demais para perceber isso agora."

Havia alguma coisa na voz dele que a fez se sentir tranquila, com se estivesse chegando em casa depois de uma longa jornada. Aceitou a xícara de café que ele serviu e pensou que não tinha uma sensação parecida ha muito tempo. Adormeceu no sofá olhando ele trabalhar.


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